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Estado de Minas RAMIRO BATISTA

Chico Buarque, Neil Young, BBB, cancelamento e censura como business

O que a onda covarde dos cancelamentos esconde de contradi��es e interesses pol�ticos ou econ�micos de canceladores e departamentos de marketing das empresas


01/02/2022 06:00 - atualizado 31/01/2022 23:25

montagem de fotos
Chico Buarque, Neil Young, BBB (foto: Gabriela Perez / Divulga��o - Alice Chiche / AFP - reprodu��o)
Mill�r Fernandes, jornalista, escritor, dramaturgo, poeta e cartunista �cido cortante como os melhores fil�sofos, escreveu no tempo em que a censura era apenas a oficial do regime militar que:

— Um dia o primeiro salafr�rio encontrou o primeiro imbecil e inventou a primeira religi�o.

� mais ou menos como vejo quem est� por tr�s das m�quinas de cancelamento de reputa��es que, da antiguidade at� Mill�r Fernandes, n�o tinha o aparato tecnol�gico de dissemina��o dispon�vel hoje.

Em ordem inversa. Um imbecil achando que pode mudar o mundo calando algu�m de que n�o gosta com um clique mobiliza outros imbecis que s�o encontrados por um pol�tico ou um publicit�rio salafr�rio.

Juntos, criam um neg�cio parecido com religi�o pela aliena��o e a lavagem cerebral. Lucrativo em votos, em dinheiro e no quanto de dinheiro podem dar os votos. Num business de interesses rec�procos em que n�o se sabe onde come�a o de um e termina o do outro. 

Ganhou corpo com as pautas identit�rias, um neg�cio aparentemente idealista de repara��o social de injusti�as hist�ricas mobilizado por militantes que alavancam o boicote de empresas alvoro�adas com possibilidades de ganho ou perda financeira.

Em nome da diversidade e da corre��o pol�tica por prote��o a minorias, a ind�stria cultural bancada pelos departamentos de marketing das empresas, de Hollywood � Globo, passou a legitimar as ondas de massacres aos comportamentos desviantes segundo a nova ordem politicamente correta.

Passaram elas mesmas a cancelar her�is, hist�rias, filmes, criar cotas raciais ou sexuais em suas dramaturgias, amenizar a identidade de protagonistas e vil�es, chancelar discursos contra preconceitos, falas e comportamentos de personagens em obras de fic��o.

(Se voc� acha muito que o filho do Super Homem tenha virado gay e a Ana Bolena da Netflix seja negra, pense que Sansa Stark, de Games Of Thrones, foi amea�ada de cancelamento — e a produtora pediu desculpas — por ter dito que "o estupro me fez mais forte".)

Foi da� que surgiram as ag�ncias checadoras, em que jornalistas passaram a se dar o papel escabroso de censores, e plataformas dedo-duro como o Sleeping Giants, empenhado em quebrar sites e ve�culos de comunica��o convencendo empresas a retirar patroc�nios.

Exemplo mais recente e estrondoso entre n�s foi o do massacre ao jogador do v�ley do Minas T�nis Clube, Maur�cio de Souza, que acabou rendendo para todo mundo: os militantes que o puseram em pauta, os departamentos de marketing da Fiat e da Gerdau que atuaram como o salafr�rio da hist�ria, e, por fim, num tiro pela culatra, o pr�prio jogador.


Nesta semana, outros tr�s casos rumorosos confirmaram a dimens�o planet�ria da coisa que afeta interesses pol�ticos e econ�micos. Tanto de grandes corpora��es, quanto de celebridades isoladas ou mesmo an�nimos que possam ganhar ou perder com a nova m�quina.

Chico inventou o auto-cancelamento, ao decidir n�o mais cantar a linda Com A��car, Com Afeto, escrita para Nara Le�o no final dos 60 do s�culo passado. Tudo indica que se rendeu ao risco de perder seguidoras sens�veis � hip�tese de gostarem do machismo da letra.

O lend�rio roqueiro norte-americano Neil Young rompeu com a plataforma Spotify que lhe d� abrang�ncia mundial, preocupado de que possa ser confundido com o direitista Joe Rogan, dono de um podcast de direita acusado de propagar opini�o contra vacinas e alguma apologia anti sanit�ria.

E o mais bem sucedido reality show da TV brasileira, o Big Brother Brasil, viu sua estrondosa repercuss�o anterior nas redes sociais cair depois que os participantes resolveram cometer o crime de lesa-audi�ncia de evitar conflitos para n�o serem cancelados.

Como em todo business e a mesma salafrarialidade das empresas que os usam, promovem e patrocinam, temem encurtar a presen�a na casa que pode torn�-lo milion�rios ou, no m�nimo, celebridades de algum ganho por efeito colateral da presen�a nacionalizada.

Neil Young pode ter sido motivado, como o imbecil da hist�ria cooptado pelo salafr�rio, por uma indigna��o leg�tima, e p�s para girar a roda da fortuna.

Seu ultimato � plataforma puxou uma enxurrada de cancelamentos que reduziu em U$ 2 bilh�es o valor da empresa, em tr�s dias e levou �gua para o moinho da Apple Music, que se promoveu absorvendo o bom-mocismo dele. 

A Spotify s� n�o se rendeu � sua chantagem, como tem ocorrido, porque sua balan�a cont�bil pesou mais que a ideol�gica ao contabilizar que o direitista lhe d� muito mais dinheiro.  O podcast chega a ter at� 11 milh�es de plays cada e atraem patroc�nios recorrentes que n�o dependem de venda um a um, m�sica a m�sica.

Chico, que tem uma grande voca��o para os discursos de injusti�a social que costumam ser confundidos com imbecilidade desde que passou a defender Cuba, pode ter querido ser apenas mais bonitinho e sensualzinho do quanto tem sido para as f�s.

N�o � um tipo de especula��o financeira imediata, mas um tipo de promo��o tamb�m, que, ao fim e ao cabo, resulta em fidelidade, mais repercuss�o, mais f�s e mais, claro, carreira lucrativa. Como os almo�os, n�o existe piscadela de olhos azuis gr�tis.

Como todo neg�cio ou cata de voto, em que os fins do dinheiro e da manipula��o justificam os meios, canceladores em toda a cadeia alimentar desse processo mal se d�o conta do quanto suas a��es t�m/exp�em de covardia, intoler�ncia, prepot�ncia, inutilidade e contradi��o. E eventual tiro no p�.

Nada mais covarde que calar o interlocutor � for�a pela intoler�ncia com seus erros e a prepot�ncia de julgar a pr�pria mensagem como superior � outra. Sem perceber que a censura em geral amplia a repercuss�o da coisa censurada e exp�e em carne viva suas pr�prias incongru�ncias.

Ao anunciar que n�o mais cantaria Com A��car, Com Afeto, Chico parece n�o ter dado conta de que outras dezenas de letras de seu repert�rio tem tra�os de machismo, homofobia, objetifica��o do corpo da mulher. Para ficar s� num exemplo, Sem A��car, Sem Afeto, sobre a mulher que se compraz de ser tratada de dia como uma flor e de noite como um cavalo.

Assim como as feministas de sua inspira��o parecem ignorar o quanto podem estar sendo paternalistas/maternalistas e tuteladoras. Duvidam que uma adulta do s�culo XXI seja capaz de diferenciar uma letra de hoje de outra produzida sob a cultura de 60 anos atr�s. 

Como freiras de col�gio interno dos 1900 ou de convento do s�culo XVIII com index prohibitorum do XV, sugerem o embalo em sua melodia pode ressuscitar comportamentos conden�veis por despertar desejos conden�veis.

Neil Young deve ter pensado como um frequentador de BBB que um militante de direita como Joe Rogan s� vem ao mundo para cometer crimes, que seu cancelamento vai acabar com todos os apologistas de direita e que deve substituir as autoridades na fun��o de puni-los.

Mais ainda, que eventuais apologias de sua obra s�o superiores, menos nocivas e mais do bem do que as dele. N�o fosse o rock, por natureza, o fundo musical ideal dos apologistas de sexo livre e uso de drogas pesadas.

Os frequentadores de BBB, como um roqueiro que n�o consegue compor nada al�m de tr�s acordes, em geral n�o se d�o conta mesmo de coisa alguma.

Seria muito querer que intu�ssem sobre a for�a e o carisma de personagens contradit�rios, maus e bons porque humanos, que atraem mais aten��o e engajamento do que os zumbis em que v�o se transformando, � espera de cliques modorrentos.

Um grande tiro no p�, como acabou se tornando o caso exemplar de Maur�cio de Souza, promovido a her�i da internet, mais rico e futuro catador de votos depois do massacre.

Como pode ser para a ind�stria cultural e os departamentos de marketing, a cada dia precisando de novos e mais caros investimentos para repor os personagens e hist�rias que est�o destruindo.

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