
1. Bras�lia mendiga
Quis o destino que o caso do mendigo em estado de ere��o, flagrado no carro com a mulher do personal, ocorresse na Bras�lia dos m�ltiplos poderes, a nossa Hollywood no sentido que lhe deu o dramaturgo estadunidense Wilson Mizner:
— Um bueiro com o servi�o do Ritz Carlton.
Um canal de TV achou por bem entrevist�-lo em est�dio e espa�o suficiente para descrever em detalhes pornogr�ficos o que n�o era o mais importante na hist�ria e disparar a cadeia de contrassensos que vai transformando-o em celebridade, sujeito a selfies.
Nada mais Black Mirror, a s�rie sensacional da Netflix que antecipou o quanto ficar�amos bizarros e at� hip�critas, quando n�o apenas zumbis, com a depend�ncia da dopamina que nos empurra para os cliques.
Nada mais Bras�lia, onde funciona a f�brica de fatos — falsos ou verdadeiros — e toda a correia de transmiss�o que alimenta um estado geral de degrada��o, em que j� n�o se sabe mais o que � certo ou errado.
Onde, n�o por acaso, um presidente da Rep�blica arranjou um jeito de justificar o tr�fico de influ�ncia de seu ministro da Educa��o e um tribunal superior condenar um procurador por ofender o r�u.
Duas das cinco notas que v�o aqui para ajudar a compor o quadro.
2. O Oscar diversificado
O Oscar sempre adorou marcos para transformar cada pr�mio em ato hist�rico.
Com o avan�o da ideia de diversidade, foi evoluindo da primeira diretora ou roteirista mulher para o primeiro ou a primeira ator ou atriz negros e da� para vitoriosos de pa�ses latinos ou asi�ticos, gays, l�sbicas ou portadores de defici�ncia. O primeiro gay, a primeira l�sbica, o primeiro an�o.
Chegou ao ponto em que, domingo, o filme sobre uma fam�lia de surdos-mudos e uma filha cantora (No Ritmo do Cora��o), mais apropriado para uma sess�o da tarde sem compromisso, levou a estatueta de melhor de filme ao desbancar um favorito digno do nome, Ataque dos C�es.
Sintom�tico que a diretora do preterido, a neozelandesa Jane Campion, tenha sido saudada em todas as transmiss�es como a primeira mulher a receber duas indica��es de diretora (O Piano, na primeira) e terceira a ganhar o quase masculino pr�mio de dire��o.
E voc� n�o fica sabendo se ela est� ganhando de fato pela qualidade da obra ou por ser mulher.
3. Censura do bem na imprensa
A grande imprensa ficou um tanto horrorizada com a arbitrariedade do TSE sobre a manifesta��o dos artistas em favor de Lula no Lollapalooza, que parece ter ganho esse nome em homenagem ao petista: Lula-paluza.
Tivesse dado a mesma aten��o quando o tribunal avan�ou com m�o de ferro sobre sites e canais bolsonaristas ou apenas de direita, numa arbitrariedade descomunal fora de campanha eleitoral, poderiam ter evitado de alimentar o monstro.
Ao contr�rio, se divertiram.
Tamb�m comemoraram quando o The Washington Post teve bloqueadas pelas plataformas de m�dia social sua den�ncia sobre as rela��es suspeitas do filho de Joe Biden com uma empresa ucraniana. A censura foi determinante para proteger a campanha do democrata � Casa Branca contra uma de suas maiores vulnerabilidades.
Agora que o The New York Times descobriu que nada havia a encobrir e que as plataformas cometeram uma arbitrariedade digna de TSE, est�o chorando na cama que � lugar quente. E tratando do assunto como se fosse novidade.
Tomara que fique mais atenta e menos seletiva de agora pra frente. Embora eu duvide.
4. A �tica de Bolsonaro
Jair Bolsonaro teve a cara de pau de dizer que sua campanha � a luta do bem contra o mal, tendo como papagaios de pirata no palanque os not�rios Valdemar da Costa Neto e Fernando Collor de Mello.
Sua capacidade para interpretar mal circunst�ncias desse tipo est� na mesma origem da afirma��o de que p�e a cara no fogo pelo ministro da Educa��o, Milton Ribeiro, flagrado num momento de sinceridade com pastores que traficam influ�ncia por ajuda p�blica na constru��o de igrejas.
Outra origem � sua tend�ncia para subverter a moral p�blica, que listei em sete vari�veis determinantes nas minhas redes sociais:
1. Ele n�o demite ningu�m de orelhada, porque a grande imprensa pediu. Pelo contr�rio. Se ela quer uma coisa, ele faz o inverso.
2. N�o demite quem n�o o tenha tra�do. E demite f�cil quem der uma escorregada, mesmo puramente verbal, que sugira trai��o.
3. Ouve mais a fam�lia e qualquer intriga dos filhos do que qualquer outro. Milton � afinado com Michele e os filhos presidenciais.
4. Costuma achar que o que todo pol�tico faz, como empregar parente ou distribuir verbas p�blicas por indica��o, n�o � crime.
5. V� em todo epis�dio em que apanha muito como positivo por parecer v�tima e ativo eleitoral para suas redes sociais.
6. Relativiza qualquer den�ncia que n�o tenha dinheiro vivo entrando diretamente no bolso de algum auxiliar. � o que entende como diferencial em rela��o �s den�ncias contra o PT.
7. Acha que as den�ncias contra seu governo, sem dinheiro vivo, pode ser motivo e contraponto para fazer compara��o em campanha com as provas contra o PT.
5. O falso moralismo garantista
O STJ condenou o procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, a indenizar Lula pelo famigerado powerpoint que o coloca no centro catalisador de um sistema de corrup��o que alimentaria uma cleptocracia.
O pedido de condena��o s� andou depois de rejeitado em duas inst�ncias e aprovado na terceira por ministros indicados por presidentes do partido do r�u, no embalo de condena��es do juiz do caso com base em provas ilegais de conversas hackeadas.
Como se trata de algo totalmente fora da curva, � irresist�vel n�o pensar num powerpoint semelhante sobre as patranhas do Judici�rio. Apresentado com pompa numa coletiva festiva por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, a partir dos resultados de uma CPI do �nico �rg�o com a compet�ncia para investigar e punir os usos e abusos do poder mais fechado e impenetr�vel da Rep�blica.
Como Dallagnol, ele abriria sua apresenta��o anunciando "o conjunto de evid�ncias para al�m de qualquer d�vida razo�vel" para provar que o Judici�rio brasileiro est� no centro de um sistema lerdo, injusto e seletivo, em que o garantismo parece ser mais o de seus interesses.
Partiria das muitas den�ncias levantadas pela imprensa sobre desvios no campo administrativo e no exerc�cio da justi�a: penduricalhos para estourar o teto, nepotismo cruzado, f�rias de 60 dias, ac�mulos de benef�cios, venda de senten�as, julgamento de casos sob suspei��o, opini�o e milit�ncia pol�tica fora dos autos, abuso de autoridade. Etcetera.
Num processo amplo, democr�tico, sem escolha de alvos, Deltan Dallagnol poderia ser enquadrado por gostar de di�rias polpudas e por ter se tornado procurador ilegalmente, gra�as a uma liminar controversa conseguida por seu pai, desembargador. Ele se inscreveu no concurso p�blico para o cargo como estudante e fez as provas sem o tempo m�nimo necess�rio de formado, de dois anos. Manteve-se por liminares.
Num arrast�o legal, seria natural que Sergio Moro tamb�m fosse investigado com base tanto em privil�gios funcionais quanto nas conversas heterodoxas mantidas com os procuradores durante os processos, raz�o de toda a campanha que tornou sem efeito seus atos, em benef�cio dos r�us.
Por dever de justi�a, por�m, dentro de uma lista que inclu�sse ju�zes e ministros dos tribunais flagrados ou delatados por beneficiar parentes, julgar casos em que s�o suspeitos ou manter conversas indevidas com seus r�us e advogados.
Algum ministro proeminente do notici�rio, j� acusado mais de uma vez de julgar caso em que era suspeito, telefonar para r�u e advogar em causa de seus interesses particulares poderia figurar no centro da pe�a acusat�ria, para fins de efeito dram�tico na coletiva de imprensa, � maneira de Lula na pe�a de Dallagnol.
Tamb�m � maneira Dallagnol, sem necessariamente prova objetiva mas como centro catalisador, emblem�tico, cruzado por setas de diferentes dire��es, ligando os v�rios pontos de interesse — dos gabinetes dos tribunais aos do Congresso e do Pal�cio do Planalto, passando pelos escrit�rios de advocacia e de lobby pol�tico.
Certamente que, interessados e seguros em suas inoc�ncias, num gesto de boa vontade, as pr�prias Excel�ncias teriam interesse em ceder seus celulares para per�cia e prova de que nunca se envolveram em algum tipo de conversa n�o republicana com procuradores, advogados e pol�ticos.
Tamb�m seguros de sua inoc�ncia, em nome da transpar�ncia e dos elevados interesses de promover o saneamento do sistema judici�rio, os advogados mais concorridos de Bras�lia, com os quais se socializam, poderiam fazer o mesmo. Quem sabe um Kakay, que costumava ir de bermuda ao STF ou um Alberto Toron, que presenteou Lula com uma beca s�mbolo da autoridade judicial.
�nico risco � Lula, com sua verve matadora, puxar o coro de toda uma milit�ncia poderosa para influir na opini�o da grande imprensa em favor das v�timas togadas. Reinaldo Azevedo, um garantista das pr�ticas do Judici�rio, escreveria que Pacheco estaria violando o devido processo legal, com base em acusa��es sem provas.
E a gente ficaria com aquela sensa��o de v�cuo moral comum a quase tudo hoje, de que tudo o que foi exposto e ilustrado pelo powerpoint � verdade, mas n�o pode ser provado.
PS - Ando sem �nimo de escrever sobre a sucess�o presidencial porque n�o h� novidades. Lula, Bolsonaro e terceira via continuam empacados num quadro bem consolidado que s� ter� defini��es importantes depois de tr�s grandes eventos: a pesquisa DataFolha de junho, as entrevistas de 10 minutos com os candidatos no Jornal Nacional, em agosto, o 7 de Setembro, depois do que, como dizia H�lio Garcia, � que as elei��es come�am de fato. Me acordem l�.