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Estado de Minas EXTREMOS

Bolsonaro avan�a entre os evang�licos, e J� Soares, entre os santos

A estrat�gia do presidente de pregar Deus para consolidar seu apoio religioso e a unanimidade sem questionamento ao humorista genial


09/08/2022 06:00 - atualizado 16/08/2022 07:33

Montagem Bolsonaro e Jô Soares
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - Reprodu��o/V�deo)
Como aqueles prefeitos que inauguravam at� torneira, Bolsonaro (PL) est� prestigiando qualquer evento evang�lico importante para ampliar seu apoio neste segmento, como fez nesse domingo (7/8) na comemora��o dos 50 anos de apostolado do pastor M�rcio Valad�o, na Igreja Batista da Lagoinha. Com o perd�o do qualquer, neste caso.

� uma jogada esperta a de se consolidar e quem sabe ampliar a vota��o em nichos j� simp�ticos � sua candidatura, de forma a impedir a penetra��o de Lula (PT) nele. Mais que isso, contrabalan�ar eventuais perdas onde o petista avan�a.

Quando nada, para melhorar a estima. Os evangelhos foram respons�veis por grande parte da recupera��o que vem tendo nas pesquisas, como na da FSB/BTG, divulgada nessa segunda-feira (8/8), onde tem 32% das inten��es contra 41% de Lula. 

Avan�ou 3% no c�mputo geral (29% para 32%) contra menos 3% do petista (44% para 41%), redu��o de seis pontos em rela��o � pesquisa anterior do mesmo instituto. Gra�as em especial � amplia��o da dist�ncia entre os evang�licos, hoje em 22 pontos de diferen�a (51% a 29%).

Ganhou tamb�m mais 11 pontos em outras faixas que j� dominava, como os mais ricos (45% a 24%) e moradores do sul (43% a 32%), e um pouco, de 6 a 9 pontos, naquelas em que ia mal: estudante de n�vel m�dio, jovens e assalariados de 2 a 5 m�nimos.

Parece ainda estar longe de atrair as faixas que explicam a vantagem geral de Lula: a lavada de 40 pontos no Nordeste (61% a 21%) e entre os ganhadores de 1 sal�rio (60% a 20%), de 28 entre os que ganham sal�rio e t�m ensino fundamental (52% a 27%). Nordestinos, pobres e analfabetos, enfim.

Mas sugere estar atraindo de volta seu pr�prio eleitorado, que bandeava para o petista como alternativa. 

Pode ter muito a ver com alguns ares bons da economia, como a redu��o no pre�o dos combust�veis, que mexe com tudo na vida. Mas tamb�m com a pauta de costumes que muitos analistas tomam como — ou torcem para ser — in�cua.

A prega��o Deus-p�tria-fam�lia embandeirada por Bolsonaro e seus aliados mais engajados, como Tarc�sio de Freitas, se encaixa com a ideia de opor "o bem ao mal" que Michelle Bolsonaro vem pregando nos palcos com o marido, com razo�vel sucesso.

Parece calar fundo no segmento que cuida da alma de mais de 30% dos brasileiros, 65 milh�es. Um contingente do tamanho do nordeste amplamente favor�vel a esse tipo de prega��o, sens�vel a quest�es como aborto e casamento gay, com mais potencial de afinidade com tipos como Michelle do que com Lula, vinculado por circunst�ncias � defesa desses temas.

Ainda n�o d� para saber o quanto o presidente pode recuperar terreno entre os mais pobres, a ser apurado nas pr�ximas pesquisas, a partir do in�cio do pagamento do Aux�lio Brasil, neste 9 de agosto. E n�o h� dificuldade que recupere entre os mais ricos, que j� domina e s�o os primeiros a perceber a recupera��o da economia.

Mesmo com os manifestos pela Democracia, a serem lidos na quinta-feira (11/8) que boa parte assinou para dar um recado a ele. Como bem resumiu o influente Hor�cio Lafer Piva, acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp, ao Estad�o: "Lula nos deixa parados, com poucos avan�os, mas Bolsonaro nos leva para o abismo".

Mas n�o � bobo e vai recuperando onde pode, como na pajelan�a deste domingo na Lagoinha. Como nas reuni�es que come�a a fazer com os principais signat�rios, como fez com os banqueiros nesta segunda. Na sua linha de n�o descuidar tamb�m do deus dos mercados.

A hagiologia de J� Soares

Obitu�rios figuras p�blicas sempre foram em geral a favor. S� os de alto n�vel, cada vez mais raros, avan�am por abordar tamb�m as falhas e contradi��es do falecido. Ficou famoso e bem combatido o de Paulo Francis que desancava as indiossincrasias e posi��es pol�ticas de Carlos Drummond de Andrade.

Mas h� tempos eu n�o via uma hagiologia t�o un�nime, absolutamente carente de restri��es, como a cobertura consagrada � morte de J� Soares. 

Ficaram de fora algumas de suas inconveni�ncias, como a de ter perguntado a uma governadora de Estado — Marta Suplicy — qual era a cor da sua calcinha, suas limita��es de entrevistador que muitas vezes abafava o entrevistado e suas car�ncias de escritor. 

No af� de fazer quase tudo em entretenimento — atua��o, dire��o, humorismo, jornalismo, artes pl�sticas e literatura —, escreveu livros que n�o tinham valor liter�rio ou de humor. 

Fez boa pesquisa hist�rica para contar fatos hist�ricos em tom de s�tira, em t�tulos como "O Homem que Matou Get�lio Vargas", mas que resultaram apenas num tipo de piada longa, entre rasa e sem gra�a, que pudesse ter melhor efeito num show de stand-up.

Sua incipi�ncia autoral ficou muito evidente ao tomar a ousadia de aceitar o convite para substituir as duas p�ginas de sofistica��o intelectual que o quase fil�sofo Mill�r Fernandes preenchia por d�cadas na Veja, sob a desculpa de fazer humor. E suscitar uma compara��o impiedosa. 

Suas piadas de feira, em contraposi��o �s pequenas ilumina��es de um dos nossos g�nios liter�rios — cuja antologia "Mill�r Definitivo" produziu um catatau estupendo — provocavam mais constrangimento que humor. Como as que abriam seu talk-show, todas as noites.

Sua gra�a n�o estava na qualidade do texto, dosado para ser compreens�vel em plateias mais populares, mas nas caras e bocas que ampliavam o sentido ou as rea��es da plateia, quando a piada n�o funcionava.

Seus textos eram na verdade escritos por dois companheiros de d�cadas — Max Nunes e Haroldo Barbosa — e n�o � toa que os dois volumes de sua biografia de �timo t�tulo, "O Livro de J�", s�o de autoria de um ghost-writer, Matinas Suzuki Jr.

N�o era um escritor como talvez pretendesse, mas um grande ator humorista de faro fino, de intelig�ncia rara e presen�a de esp�rito, que atuou o tempo todo na vida para atrair e promover ideias e pessoas. Com um timing de �guia para provocar o efeito desejado no entrevistado ou na plateia, saber o que funciona, saber parar e mudar de galho na hora certa.

Depois de ator, diretor e humorista de sucesso, era impens�vel que fosse deixar de fazer seus tipos geniais, paix�o nacional, no auge do sucesso, no meio da d�cada de 80, quando decidiu partir para o seu talk-show de fim de noite. Mesmo sob o risco de deixar o guarda-chuva poderoso da Globo, no auge do seu monop�lio, que n�o aceitou sua proposta.

Teve a coragem de ir para o SBT, ainda uma rede popularesca meio mundo c�o de programas apelativos e novelas mexicanas, num processo de transi��o para chegar � classe m�dia com jornalismo e humor de melhor n�vel. E acabou sendo determinante para lhe dar novo perfil. 

Ficou por l� at� 2000, quando voltou � Globo por mais 16 anos, para consolidar o que foi a bancada mais prestigiada e influente da TV brasileira, mistura bem dosada de humor fino e jornalismo de entretenimento. S� de perguntas convenientes e com suas caras e bocas para enfatizar as piadas n�o entendidas, mas altamente antenado com as mudan�as da sociedade.

Mereceu toda a badala��o que teve em vida e a enorme constela��o de amigos e celebridades que cativou e o ajudou a fazer sucesso, inclusive onde n�o era o g�nio que se diz, como na literatura. E merece quase toda que tem em morte.

Ter ressalvado seus defeitos n�o diminuiria em nada seu talento em tantas outras �reas e iluminaria sua humanidade, al�m de prestar bons servi�os ao jornalismo que ele tanto admirava. Nos tempos dos obitu�rios mais severos, a causa da sua morte n�o passaria encoberta.

E seria certamente compreendido por ele, um quase diplomata, homem de seis l�nguas e alta cultura, at� onde se sabe generoso, atento e dispon�vel com todos quantos passaram por ele. Que foram muitos. S� de entrevistados em 30 anos, quase 20 mil.

 Aqui, mais textos da coluna.

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