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Estado de Minas POESIA

Breve nota afetiva sobre uma poesia escrita por mulheres

Laura, Alejandra, Ad�lia e Ana: � poss�vel reconhecer, por meio da poesia, que aquilo que desencadeia a linguagem sempre nos escapa


19/10/2021 04:00

ilustração de uma mulher segurando uma pena e escrevendo sobre um papel com letras flutuando sobre um fundo colorido
"Laura Erber � uma das vozes que mais me impressionaram nos �ltimos tempos" (foto: Freepik)
Na �ltima semana estive relendo um livro de poemas que adoro, particularmente, chamado “Os corpos e os dias”, da Laura Erber. A autora, que � tamb�m ensa�sta, artista visual e professora, exerce um grande fasc�nio sobre mim. Laura � uma das vozes que mais me impressionaram nos �ltimos tempos, talvez pelo seu lirismo contido, calculado, burilado no detalhe ou talvez pelo seu estonteante trabalho com as refer�ncias, que s�o por si s� uma obra � parte.

No livro em quest�o, essa interlocu��o com outras vozes aparece de maneira t�o envolvente, que a leitura se confunde com um jogo de detetives em que buscamos pelas delicadas pistas espalhadas nas p�ginas. Eu mesma me dediquei a essa tarefa com afinco, encontrando (para meu deleite) algumas das escritoras que constituem meu c�none �ntimo e afetivo.

Uma das vozes que se misturam � de Laura no livro � a de Alejandra Pizarnik, poeta argentina, a quem a brasileira j� havia dedicado uma de suas mais bonitas videoinstala��es, “Hist�ria Antiga” (2005). Alejandra foi uma escritora profundamente ligada ao dom�nio e exerc�cio da linguagem.

"A pot�ncia do seu trabalho est� na maneira como conseguiu reelaborar esse n�cleo-duro numa infinidade de novas possibilidades, impondo um movimento incessante de reescrita e recria��o"



Dona de uma obra incisiva, ateve-se a uma gama limitada e quase circular de temas: morte, medo, noite, sil�ncio, amor. A pot�ncia do seu trabalho est� na maneira como conseguiu reelaborar esse n�cleo-duro numa infinidade de novas possibilidades, impondo um movimento incessante de reescrita e recria��o.

Ad�lia Lopes, poeta contempor�nea portuguesa, � a outra voz que se destaca e faz a interlocu��o inaugural com os poemas de “Os corpos e os dias”. Ali�s, Ad�lia Lopes � o nome inventado por Maria Jos� da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, portuguesa nascida em Lisboa, estudante de f�sica, desiludida pela gravidade, para dar vida � sua persona poeta.

Ad�lia vem ao mundo em 1983, segundo sua criadora, e assume a faceta da sobrevivente: o corpo modificado pelos rem�dios, a procura jocosa e dolorosa por um namorado, a solid�o naturalizada nos exerc�cios po�ticos de aceita��o.

H� uma constru��o textual que me parece muito similar nas duas autoras. Um poema que n�o parece poema, que quebra com um certo acordo l�rico e desnuda sua pr�pria estrat�gia no rompimento do pacto com quem l�. N�o � confort�vel, embora pare�a muito acess�vel.

"O inc�modo se d� pelo que repetidamente nos move do confort�vel lugar de entendimento. Frases curtas, alternadas com vazios, entrecortadas por registros narrativos; pequenos roteiros de um instante"



A poesia de Ad�lia n�o se entrega nunca numa primeira leitura. H� que se voltar muitas vezes para encampar a real dimens�o dos seus recursos profundamente sofisticados de entrela�amento entre fic��o e dados biogr�ficos. N�o � uma poeta de sil�ncios, mas de vozes transversais e emuladas que, de t�o presentes, t�o gritantes, quase nos impedem de ouvir.

Em Laura Erber, essa sensa��o inc�moda de nunca alcan�ar o movimento do pr�prio livro � evidenciada por uma sequ�ncia de poemas que nunca se realizam. A catarse do sentido � recusada a cada virada de p�gina. O inc�modo se d� pelo que repetidamente nos move do confort�vel lugar de entendimento. Frases curtas, alternadas com vazios, entrecortadas por registros narrativos; pequenos roteiros de um instante.

e de repente
por uma limita��o severa
� novamente poss�vel dizer algo bem simples
o castelo � amarelo
h� um jardim h� um lago
(ERBER, 2008, p. 15)

Na terceira interlocu��o mais sutil, os flashes narrativos quase f�lmicos evocam, numa piscadela, a poesia marginal de Ana Cristina C�sar, parecendo nos oferecer o afago de um reconhecimento que se desfaz na p�gina seguinte. N�o h� um mil�metro de conforto aqui.

A leitura dos livros (e que se estende a todos os seus trabalhos art�sticos, de alguma forma) de Laura Erber, em especial “Os corpos e os dias”, est� envolta na descoberta de uma camada mais profunda, de um jogo desnudado aos poucos. Em cada ponto de contato com sua obra, me vejo na tentativa de encontrar uma palavra que me decifre a palavra.

E tantas vezes volto ao sil�ncio de cada intervalo de f�lego, perseguindo vozes, vultos e formas. Volto ao futuro presentificado; o eterno retorno que se realizaria no partic�pio feminino. “Uma mulher-kaputt” (o alem�o � a parte mais f�cil aqui), que recolhe o pr�prio estrago por n�o saber o que fazer com ele.

� poss�vel reconhecer, por meio da poesia, que aquilo que desencadeia a linguagem sempre nos escapa. Escrever � como “ancorar um navio no espa�o” (Ana Cristina Cesar, me emprestando sua voz). A sensa��o que oscila entre o sil�ncio e a polifonia nos poemas de Laura � o que torna sua constru��o mais potente, na medida em que nos aponta um tipo de insufici�ncia que nenhum dos corpos, e muito menos dos dias, dar� conta.

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