
Ah quanta vez na hora suave
Em que me esque�o...
N�o ignoro o que esque�o.
Canto por esquec�-lo.
Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me do modo de lembrar
que me ensinaram.
Fernando Pessoa
O palestino vem sendo esquecido h� algum tempo. Sua solid�o vem com o consenso de quase toda a comunidade internacional. O mundo est� invalidando a capacidade de a mem�ria reter as experi�ncias vividas. A mem�ria � a anamnese da vida.
O esquecimento, por sua vez, faz que se percam as lembran�as retidas pela mente. O desgaste imposto pelo tempo tem como consequ�ncia a perda das recorda��es. �s vezes, n�o sobram nem vest�gios do que foi vivido.
A geopol�tica do poder usa essa estrat�gia regularmente e se apoia na capacidade do homem comum de esquecer facilmente aquilo que, simplesmente, deixou de ser importante. Assim, comunga-se, de forma globalizada, com o esquecer os palestinos. Mas esquecemos somente o que n�o � relevante. O que importa fica! Qual a interpreta��o? Eles n�o importam.
A sociedade atual nos diz para esquecer tudo o que � doentio, o que nos traz descontentamento e ultraje, como se isso nos libertasse. N�o. N�o � liberdade. Isso nos torna omissos, quando esquecer envolve um coletivo. Ao esquecermos o outro, podemos viver sem amarras (o que n�o acredito), mas acorrentamos o outro.
O mundo deixou os palestinos isolados. Os israelenses, advers�rios, s�o os �nicos vizinhos. A hist�ria j� mostrou que isolados n�o avan�am. V�o acumulando flagelos.
H� alguns anos que na ONU, durante a Assembleia Geral anual (aberta, tradicionalmente, por aquele/a que ocupa a Presid�ncia do Brasil), j� n�o se fala dos palestinos, como antes.
O papel de um dos protagonistas do conflito surgido em 1948, quando da cria��o do Estado de Israel, na Palestina, foi abandonado. Esse lugar de terras �ridas e semi�ridas abriga o povo �rabe h� s�culos, ap�s a di�spora dos judeus, cujos ancestrais ocuparam essas mesmas terras deixadas pelos judaicos no in�cio da Era Crist�, devido ao receio de serem escravizados pelos romanos.
Israel tra�a seu caminho, como um curso de rio �nico no deserto do ostracismo mundial. Os Estados Unidos se mant�m como o eterno amigo, com la�os inabal�veis. A R�ssia funciona como um blindado, que protege os judeus das for�as s�rias, ao controlar o espa�o a�reo do arqui-inimigo.
A China amplia os investimentos em uma mir�ade de start-ups no pa�s, atra�da pela capacidade tecnol�gica israelense e nas obras de infraestrutura, como a aquisi��o do Porto de Haifa, no Mar Mediterr�neo (� bom lembrar que os norte-americanos n�o veem isso com bons olhos), que gerar� capital aos cofres orientais e empregos a oper�rios chineses em detrimentos dos palestinos.
A Uni�o Europeia (EU) fecha acordos anualmente com Israel, sem questionar as condi��es submetidas aos palestinos. Tudo se encaixa de forma perfeita aos interesses israelenses. N�o h� questionamentos das estrat�gias adotadas internamente.
O que dizer dos vizinhos �rabes que, um a um, se aproximam de Israel tapando olhos e ouvidos aos clamores dos “irm�os” mu�ulmanos. Inicialmente o Egito (1978), Jord�nia (1994) e, em 2020, os Emirados �rabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sud�o. Todos reconheceram o Estado de Israel. Para esses pa�ses � mais importante conter o expansionismo iraniano que legitimar os direitos � terra aos palestinos.
Apesar de infringir as leis internacionais, os assentamentos na Cisjord�nia, territ�rio ocupado em 1967, na Guerra dos Seis Dias, foram intensificados. Benjamin “Bibi” Netanyahu, o Primeiro-Ministro israelense, por 13 anos, fez os acordos mais diversos e controversos para permanecer no poder, enquanto buscava o enfraquecimento dos vizinhos indesejados. A quest�o palestina parecia conclu�da.
Israel seguia imp�vido, sem as press�es internacionais.
Mas a primavera de 2021 mostrou que n�o era bem assim. E tudo come�ou com os atos dos judeus em Jerusal�m contra os palestinos. O Hamas n�o agrediu primeiro.
Israel criou uma escalada de viol�ncia em Jerusal�m, uma ap�s outra: no Port�o de Nablus, ao instalar controles que impediam os �rabes de comemorar o per�odo do Ramad�; em Sheikh Jarrah, com o despejo de oito fam�lias palestinas neste bairro de Jerusal�m Oriental (disputada pelos dois povos como futura capital de seus respectivos Estados), na Mesquita de Al-Aqsa e no caminho para ela.
Qualquer mudan�a no status quo da Mesquita de Al-Aqsa, um dos lugares mais sagrados para o Isl�, sempre cria uma amplia��o das tens�es. A entrada de policiais armados em uma das �reas da mesquita, o ferimento a centenas de crentes e o ataque a fi�is dentro da parte interna do templo sagrado, no auge do Ramad�, �, certamente, uma receita para o desastre. Israel sabe disso e apesar de, geralmente, evitar tais a��es, neste ano foi diferente.
Essas s�o raz�es imediatas. Mas a guerra que envolve Israel e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, � o culminar de atritos permanentes. A viol�ncia transparente para os palestinos, na maior parte do tempo, � omitida externamente.
Gaza est� sob cerco cont�nuo h� 14 anos. O cerco, que impede quase completamente as exporta��es (somente alguns poucos produtos podem ser exportados � Cisjord�nia e Israel) e imp�e restri��es muito severas �s importa��es, conduz � pobreza e a condi��es de vida insuport�veis, incluindo a escassez de �gua pot�vel e eletricidade.
Isso n�o pune o Hamas, o partido que governa Gaza, considerado grupo terrorista por Israel, EUA e EU, pune os dois milh�es de civis que ali vivem.
O cerco se junta a outros tipos de viol�ncia que Israel est� constantemente usando contra os palestinos, como a demoli��o sistem�tica de casas em Jerusal�m (Israel � o �nico pa�s do mundo que obriga a demoli��o de moradias, em plenas condi��es de uso, pelos propriet�rios palestinos, exclusivamente), no Vale do Jord�o, no sul de Hebron e Neguev, tiroteios contra manifestantes, deten��es (pris�o sem julgamento, acusa��o clara ou tempo limite), deten��o de crian�as...a lista continua.
Todas essas coisas est�o em segundo plano na escalada de viol�ncia que eclodiu no dia 10 de maio, quando o Hamas e outros grupos, como a Jihad Isl�mica, em resposta � viol�ncia em Jerusal�m lan�aram centenas de foguetes em dire��o � Israel. A resposta israelense sempre � imediata e com artilharia pesada contra Gaza. O Hamas sabe disso e ataca. Ent�o, tem sua parcela de responsabilidade ao expor cidad�os de Gaza aos ataques israelenses.
Israel se considera o governante supremo de toda a �rea entre o Rio Jord�o e o Mar Mediterr�neo, com um poder militar, diplom�tico e econ�mico dezenas de vezes maior que o dos palestinos. Ent�o cabe a Israel decidir como ser� a vida das pessoas em todo este espa�o.
Se os l�deres israelenses possuem o poder m�ximo de decis�o de como ser� o futuro de todos os que vivem nesse territ�rio, uma vez que se julgam os “�nicos soberanos”, todos, sem exce��o, deveriam ter direitos comuns garantidos. Isso n�o � feito. Portanto, mesmo que n�o seja o �nico respons�vel pela situa��o - � o principal respons�vel por ela.
Em Israel, somente os judeus israelenses s�o cidad�os plenos dessa terra, enquanto quase 5 milh�es de palestinos vivem em um estado de subjuga��o nos territ�rios ocupados (2,9 milh�es na Cisjord�nia e 2 milh�es na Faixa de Gaza, dados de 2018) e 1,5 milh�o de �rabes palestinos vive em Israel como cidad�os de segunda classe.
A “solu��o de um �nico estado” baseada na discrimina��o e opress�o intermin�veis �, em �ltima an�lise, insustent�vel. Seu maior apoio externo vem dos Estados Unidos e da Europa, mas essa pol�tica est� indo na contram�o de seus cidad�os, que est�o cada vez mais conscientes de que tal estrutura divergem de valores que eles defendem.
Aos ocidentais restam duas possibilidades: perpetuar a estrutura injusta que ajudaram a criar ou se colocarem abertamente contra a ocupa��o e aos assentamentos judaicos, apoiando a cria��o de um Estado Palestino de direito, sustentado na liberdade e igualdade similares ao que � garantido a Israel. N�o h� um meio-termo.