
No dia no dia 13 de setembro, Mahsa Amini viajava para Teer�, a capital do Ir�, juntamente com a fam�lia. A jovem Mahsa, de 22 anos, era de origem curda-iraniana. Ela vestia o Hijab de forma inapropriada quando foi abordada pela pol�cia religiosa do pa�s, respons�vel por aplicar um c�digo de vestimenta exclusivamente para mulheres.
Devido aos trajes inadequados, Mahsa foi presa, levada para um centro de “reeduca��o” isl�mica estatal. Mas acabou hospitalizada com ferimentos na cabe�a, provocados por espancamentos, enquanto estava sob cust�dia policial. Ela entra em coma e morre horas depois devido � viol�ncia a que foi exposta (a pol�cia nega essa responsabilidade).
No dia seguinte ao seu enterro, milhares de mulheres em solidariedade a ela se filmam, removendo os seus v�us e cortando os cabelos, ao redor de seu t�mulo, na cidade curda de Saqqez, sua cidade natal. O funeral desencadeou uma das maiores revoltas populares da hist�ria recente do Ir�.
Milhares foram �s ruas para fazer do nome de Jinna Amini (nome curdo de Mahsa) o s�mbolo da resist�ncia � d�cadas de ditadura e repress�o impostos � sociedade pelos cl�rigos isl�micos do pa�s, que controlam o Ir� desde a Revolu��o Isl�mica, em 1979.
A revolta popular conduzida, inicialmente, por mulheres, atingiu na sequ�ncia todas as categorias da popula��o do Ir� e ganha repercuss�o mundial. As imagens das mulheres se rebelando contra o uso do Hijab, queimando seus v�us, cortando as madeixas e da repress�o a que todos est�o expostos percorrem o mundo, desde ent�o.
Para controlar a difus�o do movimento e das cenas de viol�ncia, o governo restringe o acesso � internet. O Instagram e WhatsApp foram suspensos para evitar a propaga��o das imagens de horror que ocorre nas ruas de quase todo o pa�s.
O slogan curdo “jin, jiyan, azadi”, que significa “mulher, vida e liberdade” foi transformada na hashtag que conecta ao movimento e ganha o cen�rio de apoio mundial. Esse slogan nasceu em 2013, pelas mulheres curdas de Bakur, no norte do Curdist�o (territ�rio de um poss�vel pa�s curdo). Foi inspirado em um de seus lideres, Obdullah Ocalan, fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdist�o (PKK), que se encontra preso.
Esse movimento ataca uma das bases da Rep�blica Isl�mica do Ir�: a opress�o aos curdos e �s mulheres.
Os curdos s�o a maior etnia ap�trida do mundo, com mais de 30 milh�es de representantes. Est�o distribu�dos pelos territ�rios da Turquia (onde s�o maioria), S�ria, Iraque (onde usufruem de maior autonomia), Arm�nia (menor n�mero) e Ir�. Os curdos defendem a exist�ncia de um estado sustentado pela democracia, respeito ao meio ambiente e a garantia dos direitos femininos. N�o s�o bem vindos nos pa�ses onde se encontram. S�o chamados de os “povos sem amigos “na regi�o, pois ningu�m os quer por perto. Professam o Isl� sunita, mas na maior na��o xiita do mundo, o Ir�, essa condi��o os deixa mais vulner�veis.
Por sua vez, os direitos das mulheres s�o catastr�ficos na realidade iraniana. As mulheres se tornaram os alvos preferenciais dos rigores das leis, impostos pelos tradicionais l�deres teocr�ticos, que governam o pa�s, desde 1979. H� uma t�nue possibilidade de os manifestantes criarem uma via de resist�ncia que alcancem outros regimes repressivos na regi�o. Em ano de Copa do Mundo, sediada no Catar, as chances desse cen�rio podem aumentam.
O Aiatol� Khomeini, o l�der religioso que assumiu o poder no Ir�, emitiu uma Fatwa (pronunciamento), nos primeiros dias de governo, que definia os c�digos de vestimenta religiosos obrigat�rios para as mulheres. Em protesto, no dia 8 de mar�o de 1979, milhares de pessoas foram �s ruas para se opor a lei do Hijab for�ado, mas a viol�ncia brutal a que foram recebido reprimiu a resist�ncia.
Amina representava os dois grupos que o regime exerceu de forma mais ativa seu poder e a opress�o: os curdos e as mulheres. Controlar os corpos das mulheres e impedir uma insurg�ncia curda foram os alicerces do poder do pa�s.
Desde os prim�rdios da Revolu��o Isl�mica, o controle das mulheres e de suas roupas tornou-se uma prioridade. O regime utilizou, incialmente, o controle sobre os corpos e as vidas das mulheres (que inclui sua sexualidade e as liberdades individuais) para privar, na sequ�ncia, todos os iranianos de seus direitos b�sicos.
O Ir� que surge da revolu��o foi remodelado para se colocar contra as mulheres. A pol�cia da moralidade atuava, mesmo antes de Amina, de forma infame, com pr�ticas de viola��es de direitos humanos recorrentes contra o universo feminino.
As mulheres, dentro do novo regime, deveriam ser reeducadas e doutrinadas para serem a “mulher mu�ulmana” ideal: uma m�e e esposa submissa ao homem e aos interesses do estado. Foram reduzidas � metade de um homem. Essa mentalidade, infelizmente, n�o � exclusiva dessa parte do mundo, � compartilhada por muitos no Ocidente, o que inclui o Brasil.
Historicamente, os iranianos s�o um povo de luta. Precisam de algo ou por quem lutar. Ao que tudo indica, Mahsa deu a eles os motivos que faltavam para isso. Eles querem ser o Ir�, mas n�o aquele pa�s criado pela Revolu��o Isl�mica. As bravas e corajosas mulheres est�o, literalmente, fazendo a "barba e cabelo" dos d�spotas fundamentalistas, que se escondem atr�s de uma pol�cia da moral e bons costumes sanguin�ria e repressiva.
Mas, provavelmente, n�o ser� suficiente para criar uma conscientiza��o do regime que controla esse pa�s. O presidente Ebrahim Ra�ssi tem poderes quase absolutistas e possui uma enorme influ�ncia sobre o ex�rcito e a popula��o rural, que �, numericamente, expressiva e mais conservadora que a popula��o urbana. Isso dificulta a possibilidade de ruptura do status atual.
Entretanto, as dezenas de mortos e centenas de presos n�o foram � luta em v�o. Os protestos surpreenderam o regime que foi pego com as “cal�as na m�o”. A pol�cia da moralidade � brutal no seu tratamento, um fato que � de amplo conhecimento dos l�deres iranianos e tolerado por eles. As manifesta��es se tornaram o maior desafio enfrentado pelo regime, h� d�cadas.
Apesar da repress�o, a popula��o continua nas ruas. Isso sinaliza que, sob o manto da normalidade que querem reestabelecer, existe uma raiva que aumenta continuamente. Essa raiva pode ser contida somente por um tempo, mas a coragem de um povo disposto a lutar por uma causa n�o se elimina. Os fundamentalistas devem sempre se lembrar disso.
Somado aos movimentos que povoam as ruas, o Ir� est� sofrendo v�rias crises simult�neas:
- ambiental, com uma severa falta de �gua, que causou a seca do Lago Urmia e do rio que atravessa a bel�ssima cidade de Isfahan;
- econ�mica, com 50% de infla��o e pre�os de alimentos disparados;
- pol�tica, com povo exigindo mais direitos e democracia (agravada com a sa�de fr�gil do Ayatol� Khamenei, o l�der supremo);
- cultural, com as exig�ncias crescentes das gera��es mais jovens que querem tocar m�sica, dan�ar, curtir a vida, inclusive em sua esfera privada.
� improv�vel que esta nova onda mude a mente dos aiatol�s. A principal preocupa��o agora � desviar a aten��o da grave crise econ�mica que assola o pa�s. Os protestos podem criar a cortina de fuma�a ideal para esse fim.
A esse contexto, soma-se que, sem o apoio internacional, as chances de mudan�as ficam mais distantes. O Ocidente est� lento no seu posicionamento. Hoje, � urgente ressuscitar o acordo nuclear iraniano, principalmente, em um momento em que a discuss�o do uso das armas nucleares por Vladimir Putin e a aproxima��o da R�ssia com Teer� ganha mais destaques nas m�dias. Talvez seja mais estrat�gico, na vis�o dos falc�es ocidentais, n�o contrariar o regime, que � capaz de qualquer coisa para permanecer no poder.
As mulheres s�o um alvo f�cil para as lideran�as do pa�s provarem sua for�a. O progresso t�cnico traz uma nova arma para a pol�cia da moralidade: o reconhecimento facial biom�trico, que agora permite identificar todos os 'bandidos' para puni-los. � o �nus da moderniza��o. Todavia, ningu�m deve esquecer a coragem dessas mulheres, cuja vontade � quebrada todos os dias. Elas n�o querem somente reformas, querem a liberta��o. N�o merecem ser esquecidas.