
Faz menos de tr�s d�cadas que as diversas formas de preconceito passaram a ser tratadas pelas pessoas como algo inconveniente, inoportuno e capaz de trazer diversos males aos seus alvos. O que antes era visto como “brincadeira” passou a ser percebido por n�s como algo que merece ser combatido, j� que n�o temos dimens�o do mal que fazemos aos outros quando os tratamos de forma preconceituosa.
Apesar de haver muito a ser feito, n�o se tem d�vida dos grandes avan�os que alcan�amos quando o assunto � preconceito. Hoje as pessoas sentem-se mais livres para se expressar e se autoafirmar como sujeitos: seja em raz�o de seu g�nero, da sua cor, da sua ra�a, da sua origem ou da sua sexualidade.
Mas o caminho n�o foi f�cil, foram muitas campanhas publicit�rias, debates p�blicos oficiais e extraoficiais, modifica��es normativas criminalizando condutas preconceituosas, isto s� para citar alguns exemplos.
- Leia: Etarismo: preconceito contra idade existe
- E mais: 9 frases e coment�rios etaristas que devem ser evitados
No entanto, h� uma esp�cie de preconceito, muitas vezes velado, sobre o qual n�o falamos muito, pois o compreendemos como parte natural do processo de envelhecimento. A Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) o chamou de etarismo, mas tamb�m � conhecido como idadismo ou age�smo. Tal esp�cie de preconceito � mais acentuada com o avan�ar da idade, mas pode muito bem ser notada a partir dos 45/50 anos e diz respeito a uma diminui��o social do indiv�duo em raz�o de sua idade.
A OMS elaborou o Relat�rio Global Sobre Preconceito Et�rio, cuja finalidade � a de combater os estere�tipos ligados � idade, e concluiu que uma a cada duas pessoas que havia ultrapassado os 50 anos j� tinha sofrido alguma forma de preconceito ligado � sua idade. O mais perturbador do Relat�rio � a conclus�o de que o preconceito ligado � idade pode trazer uma consider�vel piora na sa�de f�sica e mental das pessoas, como ocorre com todas as formas de preconceito e raz�o pela qual eles precisam ser combatidos.
O etarismo pode acontecer por meio de frases nada inocentes, repetidas � exaust�o, principalmente vindas do n�cleo de conviv�ncia mais pr�ximo da pessoa, tais como “voc� j� � velha ou velho para usar esta roupa ou para frequentar determinados lugares”, “n�o d� mais tempo de voc� fazer isto”, “sua �poca j� passou” e a mais comum “voc� est� muito bem para a sua idade”, como se cada idade tivesse um roteiro pr�-determinado que todos os que est�o em processo de envelhecimento devessem seguir. Tais frases, principalmente quando dita por pessoas que amamos, causa um profundo desconforto e nos faz questionar nossa capacidade de sempre nos desafiar, independentemente da idade.
O preconceito ligado � idade est� presente nas recorrentes entrevistas de emprego que a pessoa maior de 45/50 anos faz e nunca � contratada, apesar do seu curr�culo. Ele nos espreita na fila do supermercado, quando estamos passando as compras no caixa e o jovem atr�s da fila se mostra decididamente impaciente e faz quest�o de nos mostrar que a lentid�o � resultado da nossa idade. Ele est� no “esquecimento p�blico” das pessoas que j� ultrapassaram determinada idade. Enfim, ele est� no nosso cotidiano de modo t�o normal, que muitas vezes nem percebemos o quanto nossas a��es com as pessoas mais velhas podem ser mesquinhas e preconceituosas.
Idosos com mais idade sofrem ainda mais que os que est�o iniciando o processo de envelhecimento, j� que a corrente ideia de que eles voltam a ser crian�a pode fazer com que parentes e familiares retirem deles o direito de gerir a pr�pria vida, ainda que tenham plena condi��es de faz�-lo. Isto est� ligado ao fato de que o avan�o da idade est� atrelado a certos estere�tipos, que s�o extremamente prejudiciais para as pessoas que j� iniciaram o processo de envelhecimento.
Dores e queixas destes idosos podem ser facilmente negligenciadas, pois os seus pr�ximos podem passar a rotular todas as suas manifesta��es queixosas como decorrentes da idade e, portanto, normais. O estere�tipo de que velho tem dor mesmo e n�o h� nada a ser feito faz com que a sa�de destas pessoas tenha pior evolu��o do que a dos mais jovens.
O artigo intitulado O Etarismo e a velhice: revis�o das publica��es nacionais, apresentado no Congresso Nacional de Envelhecimento Humano, concluiu que � comum que a velhice seja percebida pelos membros da sociedade ou como uma fase de grande sabedoria ou como uma fase de enorme depend�ncia e exclus�o social, e sugere que precisamos modificar as representa��es sociais frente ao envelhecimento para que a discrimina��o deixe de ser autom�tica e t�o presente em nosso cotidiano. Segundo os autores, as limita��es dos idosos s�o muito mais resultado de limita��es impostas pelos meios sociais em que vivem do que advindos da idade propriamente dita.
O combate a esse mal � responsabilidade de todos, mas principalmente nossa, que j� iniciamos nosso processo de envelhecimento. Somos n�s que devemos come�ar a lutar pela desconstru��o dos estere�tipos ligados � idade, demonstrando a todos os que nos cercam que o passar do tempo � algo natural a todos e isto n�o pode implicar em uma diminui��o do nosso papel social, uma perda de autonomia ou uma infantiliza��o do sujeito idoso.
O tempo passa sim e n�o devemos - e n�o queremos - lutar contra ele. Mas podemos – e queremos – ter o direito de ser a melhor vers�o de n�s mesmos com a idade que temos, sem que sejamos cobrados a nos encaixar em estere�tipos ultrapassados. Queremos ainda trabalhar, ser reconhecidos por nossas a��es, sair, dan�ar, viajar e construir coisas que em outros tempos n�o nos foi poss�vel, isto sem que ningu�m nos diga que nosso tempo j� passou, pois, como h� muito j� nos ensinava o Clube da Esquina, n�s at� podemos envelhecer, mas sonhos, esses nunca envelhecem.