
Na semana que passou perdemos a talentosa Rita Lee! A paulista foi s�mbolo de resist�ncia de uma gera��o inteira e inspirou pessoas em todo o pa�s a serem mais aut�nticas e a n�o se calarem diante do absurdo. Ela � considerada a artista mulher que mais vendeu discos no pa�s e que mais emplacou m�sicas em novelas, isto sem contar os in�meros hits da artista que sabemos de cor e salteado, tamanho o seu alcance e repert�rio.
A nossa eterna Rainha do Rock al�m de cantora era compositora, escritora, tocava in�meros instrumentos e, para nosso deleite, sempre foi uma ativista de boas causas, dentre elas, foi uma das primeiras vozes a se levantar contra o etarismo. Quando o tema ainda n�o era pauta de conversas, Rita Lee nos presenteava com p�rolas de sabedoria sobre o bom envelhecimento, p�rolas estas que podem ser facilmente encontradas na internet e valem muito a pena serem ouvidas.
Por exemplo, segundo ela, envelhecer � algo muito louco e, ao mesmo tempo, maravilhoso, pois seria um ant�doto contra o mundo barulhento. S� envelhecendo, dizia ela, seria a n�s poss�vel ter acesso �s sutilezas do invis�vel. Quanta beleza! N�o resta d�vida que h� coisas que realmente s� nos s�o poss�veis perceber quando temos um certo n�mero de anos. Quando jovens temos tanta urg�ncia em tudo o que fazemos que acabamos perdendo os detalhes. O envelhecimento nos permite diminuir a velocidade e, com isto, o mundo ao nosso redor ganha facetas antes nunca percebidas.
S�o v�rios os ensinamentos sobre envelhecimento que Rita Lee nos deixou, mas hoje nos interessa um trecho de uma entrevista fartamente compartilhada nas redes durante toda a semana que passou. Nela, ao ser questionada sobre seu pr�prio envelhecimento, a cantora afirma que existiam duas formas de se envelhecer: ou como uma perua, que persegue a juventude e para quem o tempo seria um inimigo; ou ent�o como uma feiticeira, que valoriza o aprendizado e � serena.
Essa feiti�aria da qual Rita se refere, que para ela n�o come�ava antes dos quarenta anos de idade, era algo que tinha a ver com as mulheres que, ap�s essa idade, ficariam mais poderosas, mais s�bias, mais donas de si e mais capazes de se compreender, sem as culpas e as inseguran�as que a juventude traz. Sem d�vida, quando amadurecemos ficamos mais seguras, mais donas das nossas a��es e menos preocupadas com o que as pessoas est�o pensando a nosso respeito. H� uma esp�cie de liberta��o ap�s certa idade que nunca imagin�vamos existir quando �ramos mais jovens. De uma hora para outra, quando estamos em busca do autoconhecimento, paramos de ver o mundo somente como necessidade e passamos e compreend�-lo tamb�m como possibilidade de realiza��o de quem somos.
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Ser feiticeira, nesse sentido, � maravilhoso! Contudo, ser� que Rita Lee quis excluir da vida das feiticeiras toda e qualquer forma de peruagem? Ser� que para sermos feiticeiras temos que desprezar o nosso lado perua? N�o estou aqui defendendo que temos que privilegiar um modo de viver no qual nos preocupemos apenas com a apar�ncia e com os efeitos que o passar do tempo tem. Isto n�o! Mas acreditamos na possibilidade da conviv�ncia entre a s�bia feiticeira e a perua que se cuida, que malha, que passa maquiagem e que as vezes at� mesmo exagera em seus looks.
E o que acabei de afirmar, apesar da m� interpreta��o que o trecho tem recebido nas redes, at� mesmo a Rita Lee concordaria, pois na mesma entrevista, em uma sequ�ncia pouco compartilhada, mas logo mais a frente no v�deo, ela conta que n�o conseguia assumir os grisalhos, pois amava o tom dos seus cabelos quando subia no palco. O intrigante � que ela fez a afirma��o acanhada e entre dentes, determinando que um dia se libertaria disto. Logo ela, a mutante de roupas extravagantes!
O desconforto de Rita Lee porque ainda pintava sua cabeleira de vermelho parece descortinar a quest�o: qual o problema de uma s�bia feiticeira se emperiquitar e parecer uma perua se assim quisermos? Qual o dem�rito em nos preocuparmos de modo razo�vel com a apar�ncia? Por qual raz�o temos que erguer uma fronteira entre a dimens�o intelectual/espiritual e a apar�ncia? Parece haver um estere�tipo de que as pessoas cultas, sens�veis e preocupadas consigo e com o mundo que as cerca, devem parecer descuidadas
para, assim, mostrarem ao mundo aquilo que realmente importa¸ como se cuidar da apar�ncia fosse sinal de algo sem qualquer valia.
Como � Rita Lee, ser feiticeira deve nos interessar, mas, ao mesmo tempo, pode nos interessar tamb�m ser perua! Cada um de n�s pode ter o cabelo vermelho que quiser, sem se acanhar pelo ato de vaidade. Se meu cabelo vermelho que n�o abro m�o � um salto muito alto, uma maquiagem extravagante ou um vestir espalhafatoso, tudo bem, n�o precisa haver constrangimento. O que n�o conv�m � o extremo. Haveria, ent�o algum problema ir a um evento de moda e voltar para casa tendo um livro Kant na cabeceira? Para mim, n�o e para voc�?