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Estado de Minas MEIO AMBIENTE

Como aumentar vida �til das roupas e ajudar a salvar o planeta

Reutiliza��o criativa, organiza��o e remendos decorativos s�o solu��es para estender vida �til de roupas. Cuidar delas significa cuidar tamb�m do planeta


29/04/2022 08:45 - atualizado 29/04/2022 10:04


Blusa dobradas em gaveta aberta
(foto: Katrina Hassan/ Spark Joy London)

No seu livro de 2021 Loved Clothes Last ("Roupas amadas duram", em tradu��o livre), Orsola de Castro, fundadora da campanha mundial Fashion Revolution (Revolu��o da Moda), lan�a um apelo apaixonado.

"Passei anos vasculhando roupas de segunda m�o em brech�s e vi centenas de pe�as perfeitas abandonadas simplesmente por causa de um z�per quebrado", ela conta. "Afinal, por que gastar tempo e dinheiro consertando um z�per quebrado, quando � mais r�pido, mais barato e infinitamente mais divertido comprar uma roupa nova, com um z�per que funcione?"

"Mas, por favor, podemos parar e analisar o que estamos fazendo quando desprezamos o z�per que quebrou? O que aconteceria se decid�ssemos substitu�-lo?", pergunta ela.

O questionamento de Castro � um dentre muitos enfrentados pela ind�stria da moda no s�culo 21. Est� ficando cada vez mais dif�cil ignorar os preju�zos sociais e ambientais causados pela fabrica��o de roupas.

As taxas de consumo de recursos naturais s�o estratosf�ricas, sem falar na polui��o e nos n�veis de res�duos, enquanto as cadeias de fornecimento globais s�o marcadas pela explora��o. E o setor � ainda respons�vel por uma parcela que varia de 2 a 8% do total das emiss�es globais de gases do efeito estufa, dependendo do estudo consultado.

S�o fatos impressionantes, considerando que, at� certo ponto, trata-se de uma ind�stria de produtos n�o essenciais. Muito poucas pessoas nas capitais consumidoras de moda ao redor do mundo realmente precisam de mais roupas. Mesmo assim, s�o produzidas cerca de 80 a 100 bilh�es de pe�as de roupa por ano - e esta estimativa � conservadora.


Planeta terra visto de cima
Para ajudar o meio ambiente, precisamos ser criativos com as roupas que j� temos, em vez de sempre comprar novas (foto: Getty Images)

O setor da moda vem lutando para vencer esse desafio com planos e relat�rios detalhadamente pesquisados, que incluem uma s�rie de projetos para aumentar a efici�ncia energ�tica das cadeias de fornecimento, mudar para materiais renov�veis, investir na inova��o de materiais para evitar os sint�ticos, promover iniciativas de justi�a social e combater a crueldade com os animais.

Mas, embora esses esfor�os sejam bem intencionados, eles enfrentam uma ind�stria que j� tem um impacto ambiental gigantesco. Basta dizer que a maioria desses 80 a 100 bilh�es de pe�as de roupa acaba sendo incinerada ou lan�ada em aterros com muito pouco uso.

Cuidar para durar mais

A pandemia abalou as vendas globais de roupas. Agora, elas est�o a caminho de atingir novamente n�veis um pouco maiores que os de 2019, segundo os relat�rios sobre o Estado da Moda da consultoria norte-americana McKinsey & Company.

Cada vez mais ativistas argumentam que uma das formas mais f�ceis de reduzir os impactos da ind�stria da moda � comprar menos (ou muito menos - apenas tr�s novas pe�as de vestu�rio por ano, segundo o grupo ativista brit�nico Take the Jump) e fazer com que as roupas que j� temos durem mais tempo. A ideia b�sica � que a ind�stria da moda precisa reduzir seu tamanho substancialmente.

Para uma gera��o de compradores alimentados por desejos constru�dos artificialmente e pela gratifica��o instant�nea, esta pode ser uma meta dif�cil de imaginar, mas os n�meros s�o irrefut�veis. Pesquisas da organiza��o ambiental brit�nica Wrap indicam que estender a vida �til de uma pe�a de roupa em apenas nove meses poder� reduzir seu impacto ambiental em at� 10% - imagine o que poder�amos atingir ao longo de d�cadas.

Fatores que contribuem para atingir esse objetivo incluem a compra de roupas de boa qualidade, a disposi��o dos usu�rios de vestir a mesma roupa por muitas vezes e sua capacidade de cuidar delas. Pode parecer f�cil, mas, se isso fosse verdade, n�s j� ter�amos feito. O que ocorre � que, agora, os riscos parecem assustadores demais para n�o tentar.

Faz pouco mais de uma gera��o que perdemos a arte de manuten��o das roupas. Enquanto a vida de nossos av�s era de economia e reparo, a maioria dos consumidores hoje em dia se acostumou com o sistema de usar, quebrar e descartar.

As pe�as de roupa perfeitas de Castro com z�peres quebrados s�o sintomas da profunda falta de conex�o com a forma de produ��o das roupas. Mas agora � mais importante que nunca perguntar por que tantas roupas s�o produzidas com materiais derivados de petr�leo; se a viscose daquela blusa foi extra�da de florestas antigas; se h� pele animal naquele pompom; por que apenas uma pequena parcela dos trabalhadores nas ind�strias de vestu�rio recebe sal�rios decentes - e se ainda queremos ajudar a causar toda essa destrui��o.

O subt�tulo do livro de Castro � "como a alegria de consertar e vestir novamente as suas roupas pode ser um ato revolucion�rio". � fato. Precisamos de uma revolu��o.


Orsola de Castro, fundadora da Revolução da Moda, tem cabelos pretos, pele branca e usa batom vermelho
Orsola de Castro, fundadora da Revolu��o da Moda e autora do livro 'Loved Clothes Last' (foto: Penguin Books)

Como fazer?

A primeira etapa � visitar o seu guarda-roupa.

Em 2019, a organiza��o brit�nica TRAID lan�ou a campanha 23 Percent para destacar a propor��o das roupas mantidas sem uso no guarda-roupa pelos habitantes de Londres.

A estilista norte-americana Sam Weir � a fundadora do Lotte.V1, um servi�o de combina��o personalizada de roupas e acess�rios, que pretende revitalizar nossa rela��o com as roupas. Weir tem larga experi�ncia em campanhas de alto perfil e afirma que "muitos de n�s n�o usamos o que temos porque fomos ensinados a encontrar solu��es para combinar roupas pelo consumo".

"Combinar as roupas permite que as pessoas se expressem e se divirtam com as roupas, sem comprar [pe�as] novas; for�a a criatividade e [faz com que] elas realmente vistam suas roupas. Envolve aprender a interagir com a moda, sem consumismo, e estabelecer um relacionamento com as nossas coisas", explica Weir.

Por onde podemos come�ar? "Reserve duas horas e abra seu guarda-roupa", ensina ela. "Procure pe�as que voc� n�o veste h� meses ou mais. Uma delas pode ser uma blusa social. � aqui que a combina��o de roupas pode ajudar."

Weir prossegue: "Coloque-a junto a uma cal�a jeans informal, algo que voc� s� usaria no fim de semana. Acrescente um par de sapatos de salto baixo e um blazer. Combinando as roupas, voc� transformou uma pe�a que voc� s� vestia em um ambiente em algo para usar em in�meras ocasi�es."

"Com a combina��o criativa, vestidos podem se transformar em saias ou tops; o velho fica novo outra vez. � como se voc� acabasse de ir �s compras, sem nunca ter deixado seu guarda-roupa", conclui ela.

Fazer boas compras � uma boa ajuda para come�ar, segundo Mikha Mekler, professora de gest�o de produ��o do London College of Fashion. Para ela, "a forma como compramos � o problema. Se comprarmos qualidade, [a roupa] durar� mais."

Comece evitando marcas de moda de consumo, com suas gigantescas campanhas publicit�rias, repletas de celebridades. Procure marcas com conduta �tica, que se orgulhem por serem artesanais. E, ainda assim, verifique voc� mesmo: o peso do produto e a qualidade dos seus detalhes podem dizer muito.

"Experimente a roupa", aconselha Victoria Jenkins, tecn�loga de vestu�rio e fundadora da marca de roupas ajust�veis Unhidden. "Puxe, repuxe, examine a costura. Ela est� limpa e arrumada ou cheia de fios soltos? Voc� pode ver linhas aparentes em pontos de tens�o sobre a costura? A roupa tem fitas para ser pendurada, para evitar que ela perca a forma? Aquela camiseta tem faixas sobre os ombros para que ela n�o se deforme quando for pendurada? A bainha � resistente ou pode ser desfeita com facilidade? O tecido tem pontos desbotados, ou mais falhas de impress�o do que o esperado?"

A etapa seguinte � ter cuidado. No seu estudo de 1954, intitulado Soap Powders and Detergents ("Detergentes e sab�es em p�", em tradu��o livre), o semioticista franc�s Roland Barthes escreveu sobre o uso da espuma - que n�o � rigorosamente necess�ria no processo de limpeza - na publicidade de detergente.

Para ele, "o que importa � a arte de dissimular a fun��o abrasiva do detergente com a imagem deliciosa de uma subst�ncia, ao mesmo tempo profunda e aerada, que pode controlar a ordem molecular do material sem danific�-lo". A ideia de que a lavagem, de alguma forma, renova e refresca persiste, mas, na verdade, ela � muito destrutiva, como indica Barthes.

A maior parte dos especialistas em roupas sustent�veis concorda: lave menos as roupas - e lave-as com detergentes naturais suaves e do avesso, para evitar que as cores e impress�es desbotem.

A designer Stella McCartney disse em entrevista ao jornal brit�nico The Observer, em 2019: "a regra � n�o limpar. Voc� deixa a sujeira secar e a retira com escova. Basicamente, na vida, a regra geral �: se voc� realmente n�o precisa limpar alguma coisa, n�o limpe. Eu n�o troco de suti� todos os dias e n�o jogo as coisas na m�quina de lavar simplesmente porque foram usadas. Sou incrivelmente higi�nica, mas n�o sou f� de limpeza a seco - nem de qualquer tipo de limpeza, na verdade."

Para Mekler, "o cuidado com as roupas ainda � algo que as pessoas fazem errado diariamente. Eu lavo muitas roupas, especialmente as mais finas e at� os jeans, no ciclo de lavagem de delicados, a menos que elas estejam muito sujas."

Considere a possibilidade de pendurar as pe�as de roupa com pouca sujeira no banheiro enquanto voc� toma banho e deixar que o vapor fa�a o trabalho de limpeza. Evite a secagem na m�quina; agite as roupas e pendure para secar. E comemore os benef�cios ambientais das suas novas rotinas.

Segundo o Energy Star - o programa de efici�ncia energ�tica da Ag�ncia de Prote��o Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em ingl�s) - uma m�quina de lavar gasta, em m�dia, 24,6 mil litros de �gua por ano, ou cerca da metade do que uma pessoa bebe ao longo da vida.

Al�m da �gua, sempre que lavamos a roupa, n�s lan�amos subst�ncias qu�micas e microfibras dos tecidos sint�ticos nos cursos d'�gua j� sobrecarregados. E, por fim, a maior parte das emiss�es produzidas durante o per�odo de uso do ciclo de vida de uma roupa � gerada durante a lavagem e a secagem na m�quina. Reduza esse processo e voc� ficar� na moda de forma sustent�vel.

Ter e manter

Depois de limpar suas roupas, resista � tenta��o de atir�-las sobre o piso ou embol�-las no sof�. A armazenagem correta representa metade do trabalho de cuidar das roupas. As principais orienta��es incluem manter as roupas limpas longe do calor e da luz do sol, em espa�os secos e frescos, com espa�o suficiente para que elas respirem.

A organizadora profissional Katrina Hassan adota o m�todo Marie Kondo de arruma��o. Ela ensina que "a consci�ncia e a mudan�a positiva de h�bitos est�o no centro do processo. E um princ�pio fundamental � guardar as coisas de forma que voc� possa ver tudo com facilidade. Quando voc� sabe exatamente o que tem, voc� tem muito mais disposi��o de cuidar de tudo."

Avalia��es peri�dicas permitem que voc� estabele�a conex�o com suas coisas e determine sua qualidade ao longo do tempo. Nesse est�gio, � hora de colocar as m�os na massa.

"Todos n�s j� colocamos roupas no arm�rio quando caiu um bot�o, mas seria �timo se soub�ssemos simplesmente fazer o b�sico, como colocar a linha na agulha e costurar um bot�o, ou consertar uma costura", argumenta a consultora de sustentabilidade Tessa Solomons.

"[A falta desse conhecimento] paralisa muitas pessoas no primeiro obst�culo, mas essas a��es evitariam que as roupas fossem mandadas para o aterro sanit�rio - ou para lojas de caridade, onde outras pessoas precisar�o consert�-las", ressalta Solomons. "E � tamb�m uma grande sensa��o de conquista saber que voc� conseguiu [fazer o reparo] dentro da sua capacidade. � fant�stico, um prazer."

Existem muitos recursos para o costureiro iniciante na internet. Em ingl�s, os sites Repair what you Wear e Fixing Fashion Academy oferecem tutoriais em v�deo de f�cil compreens�o para pessoas com conhecimento b�sico. Outros sites, como The Clothes Doctor, entram em um n�vel mais avan�ado, com instru��es sobre "como consertar seu suti�" ou "costure um remendo no seu jeans".

Em portugu�s, uma r�pida busca no YouTube por "dicas de costura" ou "conserto de roupas" leva a diversos canais com tutoriais em v�deo para iniciantes e profissionais da costura.

Solomons aconselha a "assistir a v�deos espec�ficos sobre o que voc� quer consertar. E divirta-se. Re�na tudo o que voc� precisa perto de voc� em um s� lugar. Coloque uma m�sica agrad�vel e n�o tenha pressa. Assim, n�o ser� um trabalho. Ser� uma escolha."

Fa�a remendos decorativos, consertando suas roupas de forma criativa com costuras em cores contrastantes, motivos bordados e adesivos. Eles eliminam a press�o de tentar atingirperfei��o e s�o divertidos!

"Tenho uma cal�a de tom azul escuro com um bot�o amarelo, porque n�o consegui encontrar um bot�o azul escuro para substituir o que foi perdido", conta Solomons. "Agora, eu simplesmente adoro aquele bot�o. Ele mudou toda a pe�a."

A marca londrina Reaburn, dedicada ao design respons�vel e inovador, promove uma s�rie de oficinas que convidam os participantes a projetar e customizar suas pr�prias roupas, utilizando retalhos do pr�prio ateli�. Mas, se isso ainda parecer dif�cil, "use os servi�os de algu�m que adore fazer remendos", aconselha Solomons. "Existem muitas pessoas por a� que est�o mudando a forma como observamos os remendos, um ponto de cada vez."

Os especialistas em conserto de roupas da Toast - uma marca popular preocupada com a �tica - resgatam qualquer roupa da marca como parte de um servi�o gratuito de "renova��o". J� o site Reture Bespoke encaminha pe�as danificadas a recicladores jovens e talentosos.

Janelle Hanna, consultora de design da consultoria de suprimentos sustent�veis White Weft, lan�ou um servi�o para remendar e reparar jeans durante o lockdown. "Fiquei impressionada com a popularidade do servi�o", afirma ela. "As pessoas n�o est�o vindo com uma ou duas cal�as jeans. Elas est�o trazendo cinco ou seis cal�as que n�o usavam h� um, dois ou tr�s anos, mas simplesmente n�o queriam jogar fora. As pessoas queriam op��es para os reparos. E n�o sabiam que essas op��es existiam."


Armário aberto com roupas penduradas
Se as roupas estiverem organizadas, fica mais f�cil saber exatamente o que se tem e aumenta a disposi��o de us�-las e cuidar delas (foto: Katrina Hassan/Spark Joy London)

Remendos exclusivos n�o t�m pre�o

Tomar a decis�o de consertar uma roupa muda profundamente nossa rela��o com ela.

"Quando as pessoas decidem fazer um conserto, elas est�o investindo naquela roupa", afirma Solomons, cujos reparos bordados agora decoram as roupas de dezenas de clientes. "As pessoas me trazem roupas que estavam nos seus guarda-roupas ou com suas fam�lias por muito tempo, que tiveram uma vida [de uso]. Quando eu acrescento algo a elas, elas passam a adorar essas roupas ainda mais. Isso � tudo para mim."

Em um mundo de mercadorias produzidas em massa, com milhares de produtos sendo despejados pelas f�bricas com exatamente a mesma apar�ncia, todos os dias e a todo momento, prometendo facilidade e conveni�ncia, isso � mesmo algo de especial.

"Quando voc� faz um remendo decorativo em uma pe�a, ela se torna exclusiva", ressalta Solomons. "Isso muda a nossa rela��o com aquela roupa e estabelece uma conex�o com ela. As pessoas que me consultam perceberam que suas roupas t�m um valor e n�o um custo. E esse valor n�o tem pre�o."

A sinergia entre Tessa Solomons e Orsola de Castro - a ideia da revolu��o silenciosa - � marcante. Castro escreve: "Hoje, quando surge a gera��o do colapso clim�tico, a mensagem de que 'roupas amadas duram', compartilhada quando consertamos e alteramos nossas roupas, foi al�m da originalidade ao vestir. Ela se tornou uma declara��o de que o ato de cuidar das nossas roupas estende-se ao cuidado com o nosso meio ambiente. Ela marca nossa gratid�o valorizando o trabalho das pessoas que produzem as roupas que vestimos."

E Castro conclui: "Mantenha com orgulho as roupas que voc� tem, reduza as novas compras ao m�nimo e fa�a isso com aquele entusiasmo contagiante que irradia alegria. Porque tudo o que precisamos agora em maior quantidade s�o �rvores, baleias, p�ssaros e abelhas - e n�o roupas."

Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Culture.

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