
Foi a partir de uma exposi��o organizada em 2006 na Oca, no Parque Ibirapuera, em S�o Paulo, que o paleont�logo Luiz Eduardo Anelli identificou um inc�modo.
"Poxa, porque a Argentina j� descreveu 150 esp�cies de dinossauros e o Brasil s� tem 23?", perguntou � �poca.
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Com esse questionamento, nasceu a ideia de escrever um livro sobre os grandes r�pteis do passado que viveram onde identificamos hoje o territ�rio brasileiro.
Por�m, passados alguns anos da primeira edi��o do texto, a obra j� estava obsoleta.
Surgiu, assim, o livro Novo Guia Completo dos Dinossauros do Brasil, lan�ado recentemente pela Editora da USP (Edusp) e pela Editora Peir�polis.
A obra traz detalhes sobre 54 esp�cies catalogadas de dinos "brasileiros" e explica todas as evid�ncias sobre o surgimento do planeta e da vida ao longo de milh�es de anos. As ilustra��es que acompanham o texto foram feitas pelo paleoartista Julio Lacerda.
Vale lembrar, como mostra a escala abaixo, que os dinossauros foram os seres dominantes durante a Era Mesozoica, que compreende um per�odo que vai de 252 milh�es a 65,5 milh�es de anos atr�s.
Em entrevista � BBC News Brasil, Anelli destacou sete esp�cies descritas no Brasil com caracter�sticas interessantes e curiosas, como voc� confere ao longo da reportagem.

1. Staurikosaurus, o anci�o

H� um motivo para o Staurikosaurus pricei ser a estrela da capa do livro: ele � considerado o dinossauro mais antigo j� encontrado no mundo.
As data��es de rochas pr�ximas revelam que esse animal viveu h� 233 milh�es de anos. Com isso, ele � cerca de 1,8 milh�o de anos mais antigo que alguns outros dinos descobertos na Argentina, como o Eoraptor e o Herrerasaurus.
"No que hoje conhecemos como Rio Grande do Sul possivelmente nasceram as primeiras linhagens de dinossauros que iriam colonizar e dominar o mundo ao longo dos pr�ximos 170 milh�es de anos", estima Anelli.
Atualmente, o �nico f�ssil conhecido do Staurikosaurus est� no Museu de Anatomia Comparada da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
2. Buriolestes, o precurssor

Anelli destacou o Buriolestes schultzi por causa de uma aparente contradi��o.
"A comunidade cient�fica ficou um tanto chocada ao saber que o Buriolestes era um b�pede carn�voro/faun�voro que deu origem �s linhagens posteriores dos dinossauros quadr�pedes herb�voros", resume.
Os especialistas tiveram a sorte de encontrar dois esqueletos praticamente completos dessa esp�cie. Elas estavam com o cr�nio preservado, inclusive com as massas do que foram os c�rebros desses animais no passado.
"Com isso, foi poss�vel obter imagens de tomografia para conhecer todas as formas, protuber�ncias e caracter�sticas do c�rebro dessa esp�cie", diz.
"“Descobrimos assim o 'tatarav�' dos dinossauros pesco�udos, ent�o esse � um patrim�nio da biologia e da hist�ria natural", classifica o paleont�logo.
3. Ubirajara, o pol�mico

Catalogado em 2020, o Ubirajara jubatus tamb�m � considerado uma pe�a rara.
"Ele � o primeiro dinossauro n�o voador encontrado na regi�o do Crato, no Cear�, e possui uma penugem, ou penas", descreve Anelli.
"Al�m disso, o Ubirajara tinha dois pares de penas longas no dorso, muito parecidas com aquelas que s�o observadas hoje nas aves-do-para�so [t�picas da Oceania]", complementa.
De acordo com o cientista, uma possibilidade � que essas estruturas servissem para vibrar e chacoalhar durante os ritos de acasalamento — caracter�stica que, diga-se, algumas aves mant�m at� os dias atuais.
E esse n�o � o �nico comportamento que aproxima aves e dinossauros: ambos dormem (ou dormiam) com o pesco�o enrolado no corpo, constroem (ou constru�am) ninhos e botam (ou botavam) ovos com caracter�sticas similares.
Infelizmente, o Ubirajara est� envolvido numa pol�mica. "Ele foi levado para a Alemanha de modo suspeito e os pesquisadores, bem como o museu que hoje o hospeda, se recusam a devolv�-lo", informa o livro.
"Mas h� rumores de que o Ubirajara est� voltando para casa em breve", completa.
4. Oxalaia, o pescador

Esse gigante foi caracterizado a partir de dois fragmentos: a extremidade superior do focinho e um peda�o da maxila esquerda.
Isso porque as rochas onde estavam esses f�sseis, numa ilha no Estado do Maranh�o, sofrem com os efeitos das ondas e das mar�s — da� boa parte do material se degradou.
Anelli chama a aten��o para o fato de que, � �poca em que o Oxalaia quilombensis existiu, a Am�rica do Sul e a �frica tinham acabado de se separar (antes, elas integravam um supercontinente conhecido como Gondwana).
Por isso, h� muitas similaridades entre esse dino brasileiro e alguns outros que foram descobertos na costa africana.
"Ao que tudo indica, o Oxalaia era um dinossauro pescador", complementa o antrop�logo.
O nome cient�fico da esp�cie faz uma refer�ncia � divindade afro-brasileira Oxal� e aos assentamentos quilombolas maranhenses.
5. Ibirania, o nanico

H� 85 milh�es de anos, a regi�o que hoje conhecemos como o interior de S�o Paulo n�o era um dos lugares mais f�ceis para se viver.
Recursos como �gua e comida eram escassos — e os poucos animais que se aventuravam por essas terras precisaram se adaptar.
Um exemplo desse processo � o Ibirania parva, um dinossauro pesco�udo nanico.
"Ele muito provavelmente reflete um momento do cret�ceo que tinha um clima muito seco, com pouca disponibilidade de alimentos", avalia Anelli.
Por uma estrat�gia evolutiva em um tempo de vacas magras, o Ibirania era pequenino, ainda mais quando comparado a outros dinossauros que surgiram em �pocas posteriores.
6. Berthasaura, a banguela

O nome Berthasaura leopoldinae faz uma homenagem tripla.
Primeiro, � cientista e ativista brasileira Bertha Lutz. Segundo, � imperatriz Leopoldina, esposa de D. Pedro 1º. Terceiro, � escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, que fez uma homenagem ao Museu Nacional no carnaval de 2018.
Anelli descreve a Berthasaura no livro como uma "gema preciosa".
"Ela era um dinossauro ca�ador, mas sem dentes", resume.
"Ainda temos muito a descobrir sobre essa esp�cie, que tinha h�bitos de vida e de ca�a muito diferentes dos dinossauros tradicionais, cheios de dentes duros", complementa.
� prov�vel que a boca da Berthasaura fosse revestida de um "bico c�rneo de bordas afiadas semelhante ao das tartarugas".
7. Uberabatitan, o colosso

Eis o maior dinossauro j� encontrado em territ�rio brasileiro.
"O Uberabatitan ribeiroi era enorme, chegava a 26 metros de comprimento", estima Anelli.
"Isso d� quase o tamanho de dois �nibus grandes enfileirados."
Ele � um dos titanossauros mais completos conhecidos de todo o Brasil e superou em um metro o Austroposeidon magnificus, que antes era considerado o maior do pa�s.

Argentina na dianteira
Como mencionado no in�cio da reportagem, Anelli ficou intrigado com a disparidade no n�mero de esp�cies de dinossauros descritas no Brasil e na Argentina.
O paleont�logo destaca tr�s raz�es principais para essa diferen�a.
"A primeira delas � que, durante o Mesozoico [a era dos dinossauros], o territ�rio da atual Argentina sempre esteve colado ao oceano, com acesso � umidade e aos recursos b�sicos para a sobreviv�ncia", contextualiza.
"O Brasil, por sua vez, ficava na parte interna do supercontinente Gondwana. Normalmente, essas regi�es centrais s�o tomadas por desertos, com d�ficit de �gua e pouca biodiversidade", completa.
Segundo ponto: com o passar dos milh�es de anos e a separa��o de Am�rica do Sul e �frica, a situa��o se inverteu. O territ�rio brasileiro passou a receber toda a umidade que vinha do nov�ssimo Oceano Atl�ntico e virou uma esp�cie de o�sis super tropical.
Na contram�o, o surgimento da Cordilheira dos Andes bloqueou a entrada de umidade para a Argentina a partir do oceano. Com isso, a regi�o se transformou em um deserto.
E essa troca de pap�is tamb�m facilitou a preserva��o de f�sseis do lado argentino. "Se voc� viajar pela Patag�nia, poder� ver diversas rochas expostas. O deserto preserva esse material", explica Anelli.
"Agora, ao pegar um carro e cruzar o interior de S�o Paulo, � poss�vel se deparar com quil�metros de canavial e matagal. Isso porque a camada de solo com material org�nico � muito espessa, o que dificulta a preserva��o e a descoberta dos f�sseis."
"Para completar, o interesse pela paleontologia come�ou muito antes entre os argentinos. Temos dinossauros descritos por l� desde o final do s�culo 19", diz o pesquisador.
No Brasil, por sua vez, essa �rea da ci�ncia come�ou a ganhar mais f�lego a partir dos anos 1970, e muitas das esp�cies descritas no novo livro de Anelli foram descobertas apenas na �ltima d�cada.

Poucos representantes do jur�ssico
Outro aspecto que levanta a curiosidade dos cientistas � a baixa quantidade de representantes "brasileiros" no Per�odo Jur�ssico (que vai de 201 milh�es a 145 milh�es de anos atr�s).
"O Jur�ssico � um intervalo de mais de 50 milh�es de anos em que os dinossauros explodiram de diversidade no mundo inteiro. E em nosso pa�s, s� conhecemos duas ou tr�s esp�cies", conta Anelli.
A primeira delas � um nodossaur�deo, do qual se encontrou uma trilha de pegadas no Rio Grande do Sul.
Os outros dois, que ainda s�o objeto de debates entre os paleont�logos e t�m evid�ncias muito escassas, s�o o carcarodontossauro e um dilofossaur�deo, detectados na divisa entre Pernambuco e Bahia.
As mudan�as geol�gicas est�o mais uma vez por tr�s desse "sumi�o".
"Os f�sseis s� ficam 'registrados' nas rochas quando as regi�es dos continentes est�o afundando. Isso abre espa�o para o ac�mulo de sedimentos por cima do terreno", explica o paleont�logo.
"Mas esses movimentos geol�gicos tamb�m acontecem no modo contr�rio: as rochas podem emergir. Quando isso acontece, as camadas mais antigas s�o expostas �s intemp�ries, � chuva, ao calor, ao frio e � eros�o. Com isso, o registro f�ssil � apagado."
E era justamente isso o que estava acontecendo no jur�ssico "brasileiro": as rochas estavam em movimento de subida.
"Ou seja, os dinossauros viveram no Brasil durante esse per�odo, mas a geologia n�o 'escreveu' essa hist�ria nas rochas", completa.
J� no momento posterior, durante o Cret�ceo (de 145 a 65,5 milh�es de anos atr�s), a plataforma do territ�rio brasileiro come�ou a ceder — por causa da separa��o do supercontinente Gondwana e uma s�rie de outros fen�menos.
Com isso, os sedimentos se acumularam, ficaram "registrados" nas rochas e podem ser encontrados pelos seres humanos em anos mais recentes.

Uma oportunidade perdida
Por fim, Anelli lamenta a pouca aten��o dada aos dinossauros brasileiros.
"Dever�amos ter � venda bonecos de todas essas esp�cies", acredita.
"Os dinossauros s�o um dos temas da ci�ncia que mais atrai a aten��o das pessoas. Conseguimos montar exposi��es e levar centenas de milhares aos museus e espa�os p�blicos", relata.
Anelli lembra que todas as grandes cidades da Am�rica do Norte e da Europa possuem "um grande museu lotado de dinossauros".
O pesquisador, que tem planos de criar a "rota dos dinossauros do Estado de S�o Paulo", entende que � poss�vel explorar e popularizar todos esses conhecimentos paleontol�gicos para a popula��o.
"N�s precisamos aprender a tirar proveito da nossa pr�-hist�ria, que � fascinante. Temos descobertas super legais, mas n�o ensinamos nada disso nas escolas", conclui.