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Os v�rus fundamentais na evolu��o humana

Embora sejam mais comumente associados a causar doen�as e, �s vezes, pandemias devastadoras, os v�rus tamb�m desempenharam um papel importante na evolu��o humana %u2013 e sem eles voc� nem estaria aqui.


03/07/2023 09:00 - atualizado 03/07/2023 08:14
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homem com capacete em formato do coronavírus
Frequentemente associados a doen�as e pandemias, os v�rus tamb�m participaram ativamente da evolu��o humana. (foto: Getty Images)

Os lagartos Mabuya que vivem nas montanhas andinas da Col�mbia n�o s�o como os outros r�pteis.

Enquanto a maioria dos r�pteis coloca ovos com cascas duras, algumas esp�cies de Mabuya d�o � luz os seus filhotes. Basicamente, as m�es t�m placenta – �rg�os especializados para alimentar o filhote em desenvolvimento dentro dos seus corpos.

As placentas costumam ser mais associadas aos mam�feros, como os camundongos e os seres humanos. Somos animais placent�rios. Mas outros tipos de animais tamb�m evolu�ram para formar placenta.

Em 2001, as zo�logas Martha Patricia Ram�rez-Pinilla e Adriana Jerez, da Universidade Industrial de Santander em Bucaramanga, na Col�mbia, revelaram que as f�meas dos lagartos Mabuya possuem placenta extremamente avan�ada, n�o muito diferente da nossa.

Pode ser algo surpreendente para um r�ptil, que normalmente coloca ovos com cascas endurecidas. Mas a verdadeira revela��o veio 16 anos depois, quando Ram�rez-Pinilla associou-se ao geneticista Thierry Heidmann, do Instituto Gustave Roussy em Paris, na Fran�a, e seus colegas.

Eles descobriram que os lagartos t�m um gene essencial para a forma��o da placenta – e que esse gene veio de um v�rus.

Em algum momento nos �ltimos 25 milh�es de anos, os ancestrais dos lagartos foram infectados por um v�rus que incorporou parte do seu pr�prio DNA ao genoma dos r�pteis. Mas, em vez de serem prejudicados, os lagartos, de alguma forma, cooptaram o DNA viral e o utilizaram para desenvolver suas primeiras placentas.

Gra�as ao v�rus, os lagartos evolu�ram para formar um novo �rg�o.

“A aquisi��o gen�mica coincidiu com a mudan�a dos lagartos, de n�o placent�rios, para placent�rios”, segundo Heidmann.

Mas o incomum sobre esta hist�ria � que ela n�o � nada incomum. Cerca de 10% do genoma humano v�m dos v�rus – e o DNA viral desempenhou papel fundamental na nossa evolu��o.

Parte dele � a fonte da placenta dos mam�feros. Outras partes est�o envolvidas na nossa rea��o imunol�gica contra doen�as e na forma��o de novos genes. Sem os v�rus, os seres humanos n�o poderiam ter evolu�do.


vírus
Existem quatro retrov�rus conhecidos que infectam seres humanos e um deles � o HIV-1. V�rus como estes ajudaram a formar a nossa evolu��o. (foto: Getty Images)

Os v�rus s�o t�o simples que muitos bi�logos n�o os consideram totalmente vivos.

Cada v�rus � essencialmente um pacote microsc�pico de material gen�tico. Eles s� podem reproduzir-se infectando c�lulas vivas – os v�rus subvertem a maquinaria celular para fazer c�pias de si mesmos. E, ao faz�-lo, frequentemente deixam seus hospedeiros doentes.

Os v�rus que inserem seu pr�prio material gen�tico no genoma do hospedeiro s�o chamados retrov�rus. Sua natureza foi compreendida pela primeira vez nos anos 1960 e 1970, mas alguns deles foram isolados d�cadas antes.

Depois de uma sugest�o, em 1964, de que alguns v�rus podem copiar seu pr�prio material gen�tico no DNA dos seus hospedeiros, pesquisadores identificaram DNA de origem viral nos genomas de galinhas.

Apesar de serem um grupo grande e diverso de v�rus, s�o conhecidos atualmente apenas quatro retrov�rus que infectam seres humanos.

Todos eles foram descobertos nos anos 1980: o v�rus linfotr�pico da c�lula T humana (HTLV-1), que causa uma forma de c�ncer, e o v�rus relacionado HTLV-2; e os v�rus da imunodefici�ncia humana (HIV) do tipo 1 e 2, que causam a Aids.

Um retrov�rus que infecta uma c�lula dos pulm�es ou da pele de algu�m pode ser uma m� not�cia para aquela pessoa, mas as suas consequ�ncias para a evolu��o da nossa esp�cie s�o limitadas, j� que esse DNA n�o � transmitido para a gera��o seguinte.

Ocorre que, �s vezes, um retrov�rus entra na linha germinal – as c�lulas que geram �vulos e espermatozoides, de onde o DNA viral pode ser transmitido para as gera��es seguintes.

Estes peda�os de DNA viral s�o chamados retrov�rus end�genos (ERVs, na sigla em ingl�s). S�o esses peda�os herdados de DNA viral que podem alterar o curso da evolu��o.

ERVs em toda parte

A imensa escala de ERVs humanos foi revelada quando foi publicada a primeira vers�o do genoma humano, em 2001.

“Resultou que havia uma enorme quantidade de sequ�ncias virais”, segundo Heidmann. Cerca de 8% do genoma humano consistem de ERVs. E alguns deles s�o muito antigos.

Um estudo identificou em 2013 um ERV no cromossomo humano 17 que tem pelo menos 104 milh�es de anos de idade e, provavelmente, � ainda mais velho. Ou seja, ele � o resultado de um v�rus que infectou um mam�fero na era em que os dinossauros dominavam a Terra.

O ERV s� � encontrado em mam�feros placent�rios, de forma que pode ter sido integrado pouco depois que os mam�feros placent�rios se separaram dos seus primos marsupiais.

Os ERVs tamb�m n�o se restringem aos mam�feros e r�pteis. “Todos os vertebrados possuem retrov�rus end�genos”, segundo a virologista molecular Nicole Grandi, da Universidade de Cagliari, na It�lia.

A maioria dos ERVs humanos n�o � exclusiva da nossa esp�cie, podendo tamb�m ser encontrada em pelo menos alguns outros primatas, como os chimpanz�s.

Isso indica que eles entraram nos genomas dos primatas milh�es de anos atr�s, muito antes da evolu��o da nossa esp�cie, e que n�s os herdamos dos nossos ancestrais.

Curiosamente, n�o h� evid�ncia de que novos ERVs tenham entrado no genoma humano nos �ltimos milhares de anos. Os �nicos retrov�rus que a nossa esp�cie precisa enfrentar atualmente s�o o HTLV e o HIV, segundo Grandi, e nenhum deles foi encontrado infectando c�lulas da linha germinal.

“Atualmente, n�o encontramos endogeniza��o ativa em seres humanos”, afirma Grandi – o que � muito diferente em outras esp�cies.

Os coalas, por exemplo, s�o invadidos atualmente pelo retrov�rus do coala (KoRV), cujo DNA � encontrado em algumas popula��es de coalas e n�o em outras. Por isso, os geneticistas dos coalas podem observar uma “invas�o gen�mica em tempo real”.


pesquisadores segurança coala
Algumas popula��es de coalas %u2013 como estes da ilha dos Cangurus, no sul da Austr�lia %u2013 est�o livres do retrov�rus do coala, enquanto outras sofrem com a doen�a. (foto: Getty Images)

A origem da placenta

Originalmente, acreditava-se que os ERVs humanos fossem “sequ�ncias f�sseis” inativas ou parte do “DNA lixo” do genoma. Mas ocorre que, da mesma forma que ocorre com grande parte do suposto DNA lixo, muitos ERVs humanos s�o ativos.

Os ERVs mais estudados do genoma humano s�o os chamados HERV-W, descritos pela primeira vez em 1999. Eles codificam prote�nas chamadas sincitinas, que s�o encontradas na placenta. Da mesma forma que os lagartos Mabuya, esses genes virais s�o essenciais para a forma��o da placenta.

A rela��o entre os v�rus e a placenta faz sentido quando voc� considera a verdadeira fun��o das sincitinas. Estas prote�nas t�m a capacidade de fundir duas ou mais c�lulas em uma.

Quando eram prote�nas virais, os v�rus as usavam para fundir-se com a membrana externa de uma c�lula e, desta forma, infect�-la. Esta capacidade de fus�o foi cooptada pela placenta. Ao fundir c�lulas da m�e e do embri�o, a placenta consegue transferir nutrientes para o embri�o e extrair res�duos.

E n�o s�o apenas os seres humanos. Prote�nas de sincitina similares s�o encontradas em outros primatas, como os gorilas.

Estudos mais recentes demonstraram que os retrov�rus infectaram mam�feros repetidamente ao longo da hist�ria evolutiva. Por isso, diferentes grupos de mam�feros, muitas vezes, possuem sincitinas diferentes, derivadas de diferentes retrov�rus.

“Nossa hip�tese � que, na verdade, houve uma captura de ERV inicial 150 milh�es de anos atr�s, que gerou o surgimento de mam�feros com placenta”, afirma Heidmann. E, desde ent�o, infec��es repetidas parecem ter sobrescrito aquele ERV original, de forma que ele n�o pode ser encontrado em nenhum mam�fero vivo.

O estudo com lagartos Mabuya foi importante porque demonstrou que os lagartos somente desenvolveram placenta depois de adquirir, em primeiro lugar, o ERV do v�rus, o que sugere que o mesmo aconteceu no ancestral de todos os mam�feros com placenta.

“Ele forneceu a demonstra��o da liga��o entre o surgimento da placenta e a obten��o da sincitina”, explica Heidmann.

A hist�ria das sincitinas e da placenta � um dos exemplos mais dram�ticos da influ�ncia do DNA viral sobre a evolu��o. Ela � particularmente importante porque um gene viral completo sobreviveu no genoma humano e codifica uma prote�na.

Muitos outros ERVs n�o codificam prote�nas, mas ainda t�m suas fun��es. Alguns contribuem com as c�lulas-tronco – as c�lulas com m�ltiplos prop�sitos encontradas nos embri�es em desenvolvimento. E algumas c�lulas-tronco s�o pluripotentes, ou seja, elas podem desenvolver-se em qualquer tipo de c�lula no corpo, desde neur�nios at� fibras musculares.

A fam�lia de retrov�rus chamada HERV-H � essencial para a pluripot�ncia. Mas eles n�o codificam as prote�nas. Na verdade, as sequ�ncias HERV-H s�o copiadas em mol�culas chamadas RNAs, que mant�m as c�lulas pluripotentes.

“Se elas forem suprimidas, a morfologia celular se altera e ela perde a capacidade de manter seu estado n�o diferenciado”, afirma a virologista Christine Kozak, do Instituto Nacional de Alergia e Doen�as Infecciosas de Bethesda, no Estado norte-americano de Maryland.

Outros ERVs regulam a atividade dos genes e, portanto, controlam processos do corpo. Os nossos corpos utilizam, por exemplo, uma enzima chamada amilase para decompor carboidratos nos nossos alimentos, como amido.

“N�s temos amilase no p�ncreas e, na boca, temos amilase na saliva”, afirma Grandi. O gene da amilase � ativado nas gl�ndulas salivares por uma sequ�ncia de DNA chamada promotora – que vem de um ERV.

Os v�rus que nos mant�m saud�veis

Muitos cientistas est�o interessados no papel dos ERVs na sa�de e nas doen�as – o que n�o surpreende, j� que eles v�m dos v�rus.

Um desses exemplos foi descrito em 2022, por pesquisadores liderados pelo bi�logo molecular e geneticista C�dric Feschotte, da Universidade Cornell em Ithaca, Nova York, nos Estados Unidos. A equipe tentava encontrar um caso em seres humanos de um fen�meno j� bem conhecido em outros animais.

�s vezes, os genes de ERV codificam prote�nas que podem ser cooptadas pelo sistema imunol�gico e utilizadas para combater outros v�rus. Os v�rus alvo podem apresentar rela��o pr�xima com o v�rus que gerou inicialmente o ERV ou ter rela��o apenas distante.

Feschotte afirma que as prote�nas antivirais de ERVs foram estudadas em camundongos, galinhas e gatos. “Mas, de meu conhecimento, n�o havia exemplos no genoma humano”, segundo ele.

A equipe analisou os ERVs conhecidos no genoma humano e identificou centenas de sequ�ncias que poderiam codificar prote�nas antivirais. Em seguida, eles se concentraram em um gene chamado Suppressyn, que codifica uma prote�na similar �s que comp�em os outros envelopes de v�rus.

A prote�na Suppressyn bloqueia a entrada dos retrov�rus nas c�lulas, pois ela se liga a receptores sobre a membrana celular externa que os pr�prios v�rus usariam para entrar na c�lula. Feschotte compara com a inser��o de uma chave quebrada em uma fechadura, para evitar que outras pessoas destravem a porta.

Suppressyn � principalmente encontrada na placenta e nos embri�es em desenvolvimento, o que indica que era originalmente utilizada para evitar que os retrov�rus infectassem embri�es, que possuem sistemas imunol�gicos muito fracos.

“Ela protege a linha germinal e n�o o organismo como um todo”, explica Feschotte. Mas ele acredita que os ERVs provavelmente fazem muito mais no nosso sistema imunol�gico.

“Temos 1,5 mil candidatos”, segundo ele. “S�o muitos genes.”

Embora muitos geneticistas ainda pensem em ERVs como inertes ou an�malos, isso n�o � verdade. “Eles est�o em decomposi��o, mas ainda produzem RNA e muitas prote�nas”, afirma Feschotte. “Precisamos dar uma boa olhada neles.”

E o quadro ainda est� em desenvolvimento. Um estudo publicado em abril de 2023 concluiu que alguns ERVs ajudam o sistema imunol�gico a combater c�lulas cancerosas.

Os ERVs nos deixam doentes?


ilustração de vírus cercado por vacinas
(foto: Getty Images)

Embora eles possam nos proteger contra doen�as, n�o seria surpreendente se alguns ERVs tamb�m pudessem ser respons�veis por produzir efeitos negativos � sa�de em seres humanos.

“Existe realmente muito interesse no momento pela possibilidade de que os ERVs humanos possam ser associados a doen�as”, afirma Christine Kozak. “No momento, existem muitas evid�ncias sugestivas, mas nenhuma prova concreta.”

Para C�dric Feschotte, � fundamental descobrir exatamente o que fazem os ERVs, o que nem sempre entendemos corretamente.

“Desde que os retrov�rus end�genos foram descobertos, as pessoas v�m tentando relacion�-los ao c�ncer”, ele conta. Isso ocorre porque os primeiros ERVs descobertos em animais eram causadores de c�ncer.

Financiadores “despejaram toneladas de dinheiro” na pesquisa dos ERVs, na esperan�a de descobrir os mecanismos do c�ncer e, com isso, poss�veis tratamentos. “Muitas pessoas voltaram de m�os vazias.”

O ponto principal � que os ERVs humanos n�o s�o capazes de formar v�rus que pudessem infectar outras c�lulas.

“Em camundongos, existem muitos e, nas galinhas, existem muitos”, afirma Feschotte. “Eles causam todo tipo de doen�a.” Mas os ERVs humanos est�o sujeitos a n�veis de controle muito maiores pelo resto do genoma, de forma que eles n�o causam infec��es virais.

“� muito mais sutil e, provavelmente, envolve a regula��o ou desregula��o gen�tica, eu acho”, segundo Feschotte.

Como os ERVs s�o distribu�dos de forma muito ampla no genoma humano, eles podem coordenar as atividades de diversos genes que s�o separados por imensas sequ�ncias. Muitos processos do corpo precisam que os genes sejam ligados e desligados em sequ�ncias precisas e os ERVs desempenham um grande papel nesse controle.

“Agora, estamos revisitando o papel dessas coisas em doen�as, mas por meio de mecanismos diferentes”, explica ele.

O papel dos ERVs em doen�as, por enquanto, � um mist�rio. Mas o que sabemos ao certo � que eles s�o um motor da evolu��o.

Mosaico humano

Ao inserir novos peda�os de DNA ao longo do nosso genoma, os v�rus estimularam incont�veis mudan�as da nossa composi��o gen�tica.

Quando os ERVs est�o no lugar, eles podem acionar a duplica��o ou exclus�o de trechos de DNA e, se as mudan�as forem ben�ficas, eles se espalham. Nenhum animal existiria na sua forma atual sem eles, incluindo os seres humanos.

A li��o final � que os seres humanos s�o, de fato, um mosaico de esp�cies. Muitos de n�s temos parte do DNA, cerca de 2% do nosso genoma, de neandertais. Algumas popula��es tamb�m t�m DNA de outro grupo extinto de homin�deos, os denisovanos. E todos n�s carregamos 8% do nosso genoma provenientes de v�rus.

“Se voc� pensar no nosso cat�logo gen�tico humano, � quase uma quest�o existencial”, afirma Feschotte. Afinal, cerca de 20 mil genes codificadores de prote�nas s�o conhecidos e uma quantidade compar�vel do nosso DNA vem de v�rus. “� meio que estonteante.”

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.


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