Filme ''A pior pessoa do mundo'' cativa por suas grandes qualidades

Julia (Renate Reinsve) tem mais desenvoltura para identificar o que ela n�o quer do que aquilo que quer em “A pior pessoa do mundo”. O longa noruegu�s de Joachim Trier concorre ao Oscar de melhor filme internacional e ao de roteiro (Trier e Eskil Vogt), no pr�ximo domingo (27/3), e estreia nesta quinta-feira, em Belo Horizonte. 

No curso de medicina, por exemplo, no qual entrou para n�o desaproveitar suas notas altas, Julia logo percebe que n�o quer concluir. Troca-o pelo de psicologia, porque se d� conta de que tem mais interesse pelo que as pessoas t�m “por dentro” do que pelo funcionamento de seus corpos. 

Logo de cara, no entanto, percebe que “os futuros guias espirituais de Oslo s�o meninas inteligentes e com dist�rbios alimentares”. E essa n�o � sua turma. Julia migra para um curso de fotografia, convencida de que � “uma pessoa visual”. Enquanto isso, trabalha numa livraria para financiar sua nova escolha profissional. 

No amor, as coisas n�o s�o muito diferentes para ela. Aos 26 anos, v�-se apaixonada pelo quadrinista Aksel (Anders Danielsen Lie), de 40. Vai viver com ele e, algum tempo depois, concluiu que ela o ama, mas tamb�m n�o o ama. E o deixa. 

A diferen�a de idade do casal oferece a ocasi�o para a trama abordar a emerg�ncia dos novos feminismos e seus atritos com vers�es anteriores da luta pela erradica��o das opress�es sociais e de g�nero. Enquanto a gera��o de Julie tende a encarar Aksel como machista pela objetifica��o do corpo feminino em seus quadrinhos, Aksel enxerga nessa cr�tica a express�o de uma censura puritana e cerceadora do desejo.

 

 

Ambientado na rica e bela paisagem de Oslo e no interior de casas em que nada falta, essa poderia soar como uma hist�ria sobre a “melancolia da abund�ncia”. A calorosa recep��o do longa em festivais e pelo p�blico de pa�ses onde j� estreou, no entanto, demonstra que o filme consegue ultrapassar a linha dos “problemas de rico”. 

N�o se fica indiferente �s quest�es que atormentam Julia porque, com perd�o do clich�, � existencial a ang�stia que ela sente. Julia n�o quer investir a energia de sua juventude para conquistar fama, poder ou dinheiro. Quer parar de se sentir “coadjuvante da pr�pria vida” e encontrar um sentido que lhe d� prop�sito e a sensa��o de estar inteira. 

“A pior pessoa do mundo” acompanha essa busca da protagonista durante quatro anos, que s�o contados na forma de “um pr�logo, um ep�logo e 12 cap�tulos”, costurados por uma narradora.

No leque de emo��es que Julia experimenta nesse per�odo, quase nada ficou de fora. Renate Reinsve transita por elas com tamanha propriedade que seu desempenho lhe valeu a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes deste ano. 

OSCAR

A aus�ncia da norueguesa na disputa pelo Oscar tem sido lamentada por cr�ticos. De fato, � dif�cil compreender por que a espanhola Pen�lope Cruz foi indicada e Renate Reinsve n�o. N�o quer dizer que Pen�lope Cruz n�o seja uma grande atriz; ela �. Mas seu papel em “M�es paralelas”, de Pedro Almod�var, n�o tem densidade suficiente para que ela possa exibir todos os seus recursos dram�ticos, diferentemente da Julia do longa de Trier.

Enquanto busque a si mesma, Julia � capaz de ter com os outros, sobretudo com os que ela ama, atitudes ego�stas, agressivas e injustas. � capaz, tamb�m, de ser solid�ria, afetuosa, companheira e divertida. Ela chega aos 30 cheia de d�vidas e ainda sem ter feito as pazes com sua personalidade vol�vel. �, enfim, complexa e ambivalente como qualquer pessoa do mundo.   

A cena final se desenrola ao som da vers�o em ingl�s de “�guas de mar�o”, na interpreta��o de Art Garfunkel.  Se as quest�es de Julia parecem longe de ser resolvidas, ao menos h� “a promessa de vida no teu cora��o”.  E o formato do filme, que emula um livro, sugere que Julia possa encontrar na arte uma resposta poss�vel: viver a vida para cont�-la, de acordo com a receita de Gabriel Garc�a M�rquez. 

(Noruega, 2021, 128min). De Joachim Trier. Com Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie e Herbert Nordrum. Estreia nesta quinta-feira (24/3), no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h e 20h30) e no Cineart Ponteio 3 (13h10, 15h40 e 18h10) 

“Drive my car”, o longa japon�s de Ryusuke Hamaguchi que disputa o Oscar de melhor filme internacional na condi��o de favorito - est� indicado tamb�m a melhor filme, dire��o e roteiro adaptado (do livro “Homens sem mulheres”, de Haruki Murakami) - segue em cartaz na capital mineira, nos dois cinemas onde estreou na semana passada, o UNA Belas Artes e o Ponteio, que exibem a partir desta quinta (24/3) tamb�m “A pior pessoa do mundo”. Os demais indicados na categoria s�o o italiano “A m�o de Deus”, de Paolo Sorrentino, produ��o original da Netflix, dispon�vel na plataforma; o butan�s “A felicidade das pequenas coisas”, de Pawo Choyning Dorji, j� exibido nos cinemas; e a anima��o dinamarquesa “Flee”, de Jonas Poher Rasmussen, ainda n�o lan�ado no Brasil.