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Estado de Minas LITERATURA

'Heran�a e testamento', de Vigdis Hjorth, traz narrativa sobre abuso sexual

Escritora norueguesa afirma que obra carrega similaridades com a vida dela, mas insiste que livro n�o � uma biografia


03/10/2022 04:00 - atualizado 03/10/2022 09:48

Escritora norueguesa Vigdis Hjorth
Vigdis Hjorth assina uma obra que vai al�m da fofoca ao narrar o longo e dif�cil processo de identifica��o de abuso sexual na inf�ncia (foto: INTERNET/REPRODU��O )

Na vis�o da escritora norueguesa Vigdis Hjorth, "� falha a cren�a de que mem�rias familiares s�o vividas e lembradas da mesma forma por todos".

Em "Heran�a e testamento", seu primeiro livro traduzido no Brasil pela HarperCollins, a protagonista Bergljot revive o trauma de um abuso sexual perpetrado pelo pr�prio pai durante a inf�ncia e carrega o peso de repetir e repetir a pr�pria hist�ria, sem ser ouvida pela m�e e pelas irm�s, o ponto-chave do livro.

"� tentador acreditar no pai. Se voc� acreditar na filha, voc� pode comemorar o Natal como antes? A m�e continua casada? Voc� conta para a vizinhan�a? Se voc� acredita no pai, voc� salva a fam�lia. A consequ�ncia � perder uma filha, uma irm�. � uma perda menor que perder a fam�lia", diz Hjorth, em entrevista.

A hist�ria j� seria pesada em si. O drama que envolve a publica��o do livro na Noruega piora o clima. Hjorth engrossa o coro dos escritores not�rios pelo desafeto familiar causado por suas obras. Na esteira de Karl Ove Knausg�rd, "Heran�a e testamento" angariou tentativas de processo da m�e e at� um livro em resposta de uma das irm�s, em rea��o similar ao de uma das ex-mulheres de Knausg�rd.

Bergljot � uma mulher norueguesa de meia-idade, com filhos e netos, que trabalha como editora de uma revista de teatro. Os pais dela haviam feito um testamento, em vida, dando casas de veraneio a Astrid e Asa, as filhas mais jovens, e compensando o primog�nito Bard com uma quantia em dinheiro -que, avaliam eles, era inferior ao pre�o de mercado dos chal�s, motivo de rusgas entre os irm�os e pais.

Ruptura familiar

Com a morte do pai, a heran�a e o testamento voltam � tona, junto com os traumas da narradora. A obra carrega similaridades com a vida de Hjorth. Ela, por�m, insiste em n�o caracterizar o livro como biografia ou autofic��o, mas como romance. "Eu nunca disse que isso era a realidade", afirma. "Autores sempre usaram a pr�pria hist�ria, isso n�o � novo."

Os m�ritos da obra de Hjorth v�o al�m da fofoca. "Heran�a e testamento" foi premiado na Noruega e cotado para o National Book Awards de 2019. N�o � toa. A narra��o do longo e dif�cil processo de identifica��o de abuso sexual na inf�ncia por uma v�tima que suprimiu as mem�rias do crime � magistral.

Em cap�tulos curtos, Bergljot d� saltos no tempo e mistura sonhos e flashbacks com a realidade corrente para explicar sua hist�ria. Do conflito e ruptura familiar ao casamento precoce e separa��o, movida por uma infidelidade, ela demora a nomear a causa de sua ruptura com a fam�lia.

Ao leitor, sobram pistas. "Minha filha completou 5 anos, e eu achei que o pai dela entrava no quarto dela � noite", escreve Hjorth. "Eu disse que cogitava fazer terapia, ent�o meu pai me recha�ou no tom mais brusco dele, aquele que todos da fam�lia, sobretudo minha m�e, temiam: Voc� n�o vai fazer terapia alguma!"

"Leva tanto tempo para dizer as palavras 'abuso sexual'. Leva muito tempo para admitir, porque � muito ruim e voc� n�o quer acreditar. Para entender o crime, voc� precisa de muita conversa, de muita terapia", diz Hjorth. "Vivemos o processo junto com Bergljot."

Horas de dor

Ela � surpreendida pelo reconhecimento do abuso sofrido. E relata cinco epis�dios de tr�s horas de dor, uma "dor total" que a deixava deitada, sem conseguir se mover, e depois passava. Ao estudar o que fazia antes dos epis�dios, constatou que trabalhava em um ato de uma pe�a. Ela, ent�o, verifica o que escreveu.

"Bergljot � um ser humano que est� lendo e escrevendo. S�o dois processos que a ajudaram a entender, ela lembra. Ao reler, ela precisa de terapia, para carregar o fardo do que ela escreveu", diz Hjorth. A narradora, depois de escrever para psicanalistas, � aceita por um programa do Estado noruegu�s que a qualifica para quatro sess�es semanais de psican�lise, por tempo indeterminado.

Mais do que um livro sobre abuso, � um livro sobre a narrativa das v�timas que n�o foram ouvidas. "Bergljot contou para a m�e dela e para Astrid, mas sempre b�bada ou hist�rica. Mais tarde, no livro, na leitura do testamento, ela diz calmamente pela primeira vez", afirma Hjorth. Bard, o primog�nito, � o �nico que simpatiza com a hist�ria da irm�. Ele mesmo foi v�tima de agress�es do pai, hist�rias tamb�m desqualificadas pela fam�lia.

Hjorth n�o simplifica em manique�smos o abuso sofrido pela narradora. Depois dos dois anos de estupro, Bergljot ocupou posto de favoritismo entre as irm�s. Seus pais pagavam aulas de dan�a e piano, e a m�e a vigiava como uma �guia. Culpa, sup�e a protagonista.

Freud 

Em uma tacada freudiana, e controversa, Bergljot admite invejar a m�e, dona dos afetos do pai, que, depois dos 7 anos da crian�a, n�o encostou mais nela. Ela perdoa o abusador com mais facilidade do que a matriarca. O pai aceita a ruptura.

"A m�e, por outro lado, insiste que a fam�lia est� normal. Ela � a que est� for�ando Bergljot a ir para o Natal", diz Hjorth. "N�o � poss�vel perdoar aquilo que n�o foi admitido!" 

HERANÇA E TESTAMENTO, de Vigdis Hjorth
(foto: Editora HarperCollins/REPRODU��O)

HERAN�A E TESTAMENTO

De Vigdis Hjorth. Editora  HarperCollins. Tradu��o Kris Garubo. Pre�o R$ 64,90






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