Tr�s irm�os se apaixonam pela mesma mulher em "O rio do desejo"
Longa baseado em conto de Milton Hatoum tem Sophie Charlotte, Daniel Oliveira, R�mulo Braga e Gabriel Leone no elenco; estreia � nesta quinta-feira (23/3)
A cidade de Itacoatiara, no Amazonas, serviu de cen�rio para as filmagens do longa-metragem, ocorridas durante tr�s meses em 2019
GULLANE Filmes/DIVULGA��O
"Acho que os atores e atrizes perceberam isto (a Amaz�nia real) profundamente. Como diz Guimar�es Rosa, 'sou de onde nasci, sou de outros lugares'. Ou seja: voc� pode ser de onde nasceu e ser de outros lugares. Quando um ator faz outros, ele � outro sendo ele mesmo. E isto que � bonito na arte. Nada foi falseado neste filme"
Milton Hatoum, escritor, autor do conto no qual o longa se baseia
N�o h� como falar de “O rio do desejo”, filme de S�rgio Machado que chega nesta quinta-feira (23/3) aos cinemas, sem relacion�-lo com a estreia do cineasta baiano na fic��o. “Cidade Baixa” (2005) tratava de um tri�ngulo amoroso entre dois amigos barqueiros e uma stripper que viviam na regi�o portu�ria de Salvador.
O novo longa, tamb�m ambientado � beira d’�gua e com um barco como cen�rio, leva para a cena uma intrincada rela��o amorosa – tr�s homens, irm�os, se apaixonam pela mesma mulher. Tanto por isto, carrega tintas tr�gicas, uma grande diferen�a entre o filme de quase duas d�cadas atr�s, que unia tr�s atores em ascens�o, L�zaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga.
Baseado no conto “O adeus do comandante”, do livro “A cidade ilhada” (2009), de Milton Hatoum, foi rodado em Itacoatiara, terceiro maior munic�pio do Amazonas, banhado pelos rios Solim�es e Negro.
Na hist�ria, o Capit�o Dalberto (Daniel Oliveira) se apaixona por Ana�ra (Sophie Charlotte), ao ser chamado para averiguar um caso de viol�ncia na casa onde ela vive. Abandona a pol�cia e compra um barco para ter uma vida mais tranquila com a futura mulher.
Viagem
Rec�m-casados, eles v�o viver na casa que Dalberto divide com os irm�os. O mais velho � o introvertido e controlado Dalmo (R�mulo Braga), que herdou o of�cio de retratista do pai j� morto. Armando (Gabriel Leone), o ca�ula, tem personalidade solar e trabalha com uma banda. Uma longa viagem de Dalberto ao Peru deixa Ana�ra sozinha com os dois cunhados – e a din�mica nesta fam�lia muda completamente quando eles tamb�m caem de amores por ela.
“�s vezes n�o sabemos porque falamos de determinados assuntos. O filme tem a ver com ‘Cidade Baixa’ e tamb�m com meu pr�ximo, uma anima��o para crian�as, que vai tratar de dois ratos que se apaixonam por uma rata. N�o sei se � falta de imagina��o, mas acabo voltando aos assuntos que me interessam”, comenta Machado.
Para o diretor, outro ponto em comum s�o os personagens femininos. “Eles s�o sempre brilhantes. A Ana�ra traz luz para um mundo masculino que � mais escuro e menos interessante. E esta luz tem um sentido de liberdade.”
At� a estreia nos cinemas, “O rio do desejo” passou por um longo processo. O filme foi rodado em 2019, durante tr�s meses, o que incluiu a prepara��o do elenco, tamb�m na cidade de Itacoatiara. Estreou no circuito de festivais em novembro passado, no Black Nights, em Tallinn, na Est�nia, de onde saiu com o pr�mio de melhor fotografia para Adrian Teijido. Produzido pela Gullane Filmes, aqui dando um passo maior como distribuidora, j� foi vendido para 15 pa�ses.
Recupera��o
Fabiano Gullane afirma que a batalha � grande para que “O rio do desejo” fa�a um bom p�blico nos cinemas. “O Brasil � um dos pa�ses que mais tem demorado para recuperar o mercado de antes da pandemia. Os filmes grandes est�o fazendo boas bilheterias, mas os m�dios e pequenos que despontavam antes, n�o. As pessoas voltaram para o show, para o carnaval, mas n�o para o cinema. Claro que temos a quest�o econ�mica, que talvez seja a raz�o do n�o consumo de ingressos, mas a gente tem que retomar o h�bito de ir ao cinema para ver os nossos filmes.”
Manauara radicado h� muito em S�o Paulo, Hatoum comenta que “O rio do desejo” n�o mostra a “Amaz�nia ex�tica, para ingl�s ver, ou a Amaz�nia pulm�o do mundo, que � um mito tamb�m”. Para o escritor, o filme mostra a “Amaz�nia real, que foi transcendente. Acho que os atores e atrizes perceberam isto profundamente. Como diz Guimar�es Rosa, ‘sou de onde nasci, sou de outros lugares’. Ou seja: voc� pode ser de onde nasceu e ser de outros lugares. Quando um ator faz outros, ele � outro sendo ele mesmo. E isto que � bonito na arte. Nada foi falseado neste filme.”
Para os atores, a viv�ncia em Itacoatiara, desde a prepara��o, realizada por F�tima Toledo, foi essencial para que encontrassem o tom certo para os personagens. O calor e os mosquitos foram parte importante do processo. “O calor l� � diferente. Quando cheguei a Itacoatiara, e era por volta do meio-dia, tive um impacto grande. Onde est�o as pessoas? Pois elas se recolhem, s� voltam para a cidade no fim da tarde”, diz Sophie.
R�mulo Braga, nascido em Bras�lia e vivendo h� anos em Belo Horizonte, comenta que at� a sesta era sagrada para os animais. “� impressionante, das 10 da manh� at� as 3 da tarde voc� n�o ouvia nem passarinho. E a gente trabalhava de sol a sol, respirando aquele ar quente e �mido”. Braga conta que o dia que mais impactou foi quando iria filmar uma noturna, na beira do rio, em volta de uma fogueira. “N�o sei por que, mas o insetos come�aram a me carregar. N�o conseguia me concentrar.”
Pela primeira vez contracenando no cinema com o marido, Daniel Oliveira, Sophie diz que a temporada em fam�lia (o filho do casal, Otto, virou mascote da equipe) foi maravilhosa. “A gente tinha feito duas s�ries, mas queria fazer cinema com ele, pois a experi�ncia no set � muito m�gica. E tive uma rede de afetos e seguran�a grande para poder me lan�ar em quest�es humanas t�o desafiadoras. Ana�ra tem uma viv�ncia muito pulsante. O mist�rio todo que a obra do Milton tem � um portal sobre o feminino, o amor e o desejo, de outro jeito, menos moralista.”
Para Gabriel Leone, a beleza dos personagens est� no n�o julgamento. “Olhamos para todos de forma absolutamente humana, independentemente das escolhas de cada um. O filme n�o entra no lugar manique�sta de quem est� certo ou errado, tanto em rela��o aos tr�s irm�os, quanto a Ana�ra.”
Leone ainda diz qu�o fundamental foi permanecer um longo per�odo na cidade. “O fato de a gente ter chegado antes de filmar, ter tido tempo para entrosar com a vida dali, nos trouxe, minimamente, uma propriedade para a hist�ria que est�vamos contando. As ruas em que and�vamos para ir jantar foram as mesmas em que fizemos cenas emblem�ticas. Isto nos deu uma sensa��o de pertencimento �quele lugar.”
Sophie Charlotte interpreta Ana�ra, e Daniel Oliveira vive o Capit�o Dalberto na hist�ria escrita a partir do conto "O adeus do comandante"
GULLANE Filmes/DIVULGA��O
"Tive uma rede de afetos e seguran�a grande para poder me lan�ar em quest�es humanas t�o desafiadoras. (A personagem) Ana�ra tem uma viv�ncia muito pulsante. O mist�rio todo que a obra do Milton tem � um portal sobre o feminino, o amor e o desejo, de outro jeito, menos moralista"
Sophie Charlotte, atriz
Filme pode gerar novo livro de Hatoum
“O rio do desejo” � a terceiro trabalho adaptado de uma obra de Milton Hatoum, tamb�m autor dos romances “Dois irm�os” (2000), que virou a miniss�rie hom�nima lan�ada pela Globo em 2017, e “�rf�os do Eldorado” (2008), que se transformou em filme, em 2015, sob a dire��o de Guilherme Coelho.
Mas, pela primeira vez, o escritor aparece como corroteirista – fun��o aqui dividida com Maria Camargo, S�rgio Machado e George Walker Torres. “A inclus�o do meu nome como roteirista foi um ato de extrema generosidade do S�rgio, porque n�o sei fazer roteiro, que exige uma t�cnica muito espec�fica. Apenas escrevi alguns textos para encorpar o roteiro”, diz Hatoum.
Este “encorpar”, na verdade, foi muita coisa, como explica Machado. “Quando comecei a adapta��o, Milton me disse que o conto � a ponta do iceberg, que ele sabe muito mais do que escreve. Sabe o que acontece antes do conto e o depois. Ent�o falei: ‘Se voc� sabe, escreva’. O roteiro ent�o � muito mais inspirado nos outros contos (escritos somente para o filme), pois, no original, por exemplo, n�o existia o personagem do Dalmo.”
A parceria deu t�o certo que atualmente Machado negocia os direitos de adapta��o de “Cinzas do Norte”, romance lan�ado por Hatoum em 2005. E os contos que serviram de base para o roteiro de “O rio do desejo” poder�o se tornar um novo livro. “Luiz Schwarcz (fundador da Companhia das Letras, editora de Hatoum) est� botando pilha para que ele transforme os contos em uma novela. Se acontecer isto – um conto que virou filme que depois virou livro –, eu vou e adapto de novo”, diz Machado.
“O RIO DO DESEJO” (Brasil, 2022, 107min.) • Dire��o: S�rgio Machado. • Com Sophie Charlotte, Daniel Oliveira, Gabriel Leone e R�mulo Braga. • Estreia nesta quinta-feira (23/3), nos cines Cidade 3, �s 21h05 (exceto domingo) e 19h30 (somente domingo) e UNA Belas Artes 1, �s 14h, 16h e 18h10.
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