João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Palmares, visita o Cais do Valongo e está cercado de pessoas vestindo roupas de inspiração africana

Jo�o Jorge Rodrigues, presidente da Funda��o Palmares, visitou o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, marco hist�rico da luta antirracista

Fernando Fraz�o/Ag�ncia Brasil

"Quando voc� pega a Lei de Incentivo � Cultura (...), n�o ter os recortes para o funk, jazz, blues, samba-reggae n�o faz o menor sentido"

Jo�o Jorge Rodrigues, presidente da Funda��o Palmares



Criada sob o guarda-chuva do Minist�rio da Cultura, em 1988, a Funda��o Palmares tem a miss�o de celebrar, proteger e promover a cultura afro-brasileira. Os anos da gest�o do ex-presidente da institui��o S�rgio Camargo, um dos mais destacados nomes do bolsonarismo, ficam cada vez mais no passado. Camargo foi acusado de desvirtuar os valores da funda��o com a��es que contrariam diversos representantes de movimentos sociais. Suas declara��es causaram muitos protestos.

Jo�o Jorge Rodrigues, o novo presidente da Funda��o Palmares, chega como a proposta de reconstru��o. Um dos fundadores do grupo Olodum, ele foi indicado pela ministra da Cultura, Margareth Menezes.

Rodrigues publicou uma portaria revertendo a exclus�o de personalidades negras da galeria da institui��o, como Gilberto Gil e Zez� Motta, entre outros – ato pol�mico efetivado durante a gest�o de S�rgio Camargo.

O novo presidente avisa que a pr�via lista de 81 nomes passar� a contar com 350.

“Imagine o pa�s que n�o consegue agradecer aos seus, que n�o tem refer�ncias”, argumenta.

O baiano Jo�o Jorge, militante do movimento negro, advogado e mestre em direito p�blico, destaca como prioridades de sua gest�o recuperar a credibilidade da Funda��o Palmares e a urg�ncia na luta da igualdade racial.


Como ficar�o as personalidades exclu�das da galeria da Funda��o Palmares pela gest�o de S�rgio Camargo?
Primeiro, � uma vit�ria do movimento social recuperar a homenagem (a esses personagens) no site, um compromisso com a popula��o negra, porque contribu�ram profundamente com o Brasil, para a sociedade, para as lutas pela democracia. Em especial, contribu�ram com a vida do Brasil. N�s revogamos a portaria 189, de 2020, e estamos pesquisando novos nomes, que ser�o incr�veis. Por exemplo, Benedita da Silva volta a ser homenageada, Zez� Motta, Martinho da Vila, Leci Brand�o, Janu�rio Garcia, Helena Theodoro, a advogada Esperan�a Garcia.
O n�mero aumentar� muito. De 81 nomes, a expectativa � passar para 350. Essas homenagens s�o refer�ncias simples a pessoas que fizeram coisas muito importantes. A Funda��o Palmares vai dizer quem s�o essas pessoas, o que fizeram e como ajudaram o Brasil a ser o que � hoje, uma justa homenagem. Imagine o pa�s que n�o consegue agradecer aos seus, que n�o tem refer�ncias. N�o s�o nem monumentos, � apenas a cita��o de que tais pessoas contribu�ram.

Quais s�o as estrat�gias da funda��o para que o protagonismo afro-brasileiro seja recuperado?
H� uma energia civilizat�ria afro-brasileira que precisa ser referenciada e tratada com a dignidade que merece. Recolocar o protagonismo afro-brasileiro, a heran�a africana contempor�nea no seu devido lugar. N�o entramos no m�rito de quem tentou apagar isso, porque h� quem n�o goste da luta ind�gena por terra, da luta dos ianom�mis, mas as consequ�ncias s�o devastadoras. � a mesma coisa com a popula��o negra. A luta dos quilombos, pela liberdade religiosa, pelo acesso � universidade � uma brilhante luta da humanidade. H� uma luta brilhante contra a barb�rie na �frica do Sul, contra o racismo nos Estados Unidos, na Europa e na �sia. E h� tamb�m uma luta brilhante pela igualdade por parte do movimento negro brasileiro.

As novas regras da Lei Rouanet preveem que sejam contempladas novas linguagens art�sticas, englobadas no Projeto de Cultura Afro-brasileira e Express�es Urbanas. Como o senhor avalia essa mudan�a?
A Lei Rouanet precisava de v�rios ajustes, como o territorial, com mais projetos do Nordeste, do Norte, do Centro-Oeste, e precisava tamb�m de um recorte de g�nero e de diversidade da quest�o racial. Ora, quando voc� inclui o rap, o funk, o reggae, a m�sica de periferia, d�-se sentido �quelas vozes, incentivo, investimentos, apoio. Ao mesmo tempo, a popula��o afro-brasileira � de mais de 105 milh�es de pessoas. S�o muitos pa�ses dentro de um s�.
Quando voc� pega a Lei de Incentivo � Cultura, (setor) em que a popula��o negra � grande em contribui��o, n�o ter os recortes para o funk, jazz, blues, samba-reggae n�o faz o menor sentido. Ent�o � um avan�o. A l�gica da ministra Margareth Menezes � avan�ar para que a cultura seja inclusiva. A l�gica da Funda��o Palmares � de inclus�o, de diversidade, e, ao mesmo tempo, de trabalhar bastante na defesa dos quilombos – urbanos tamb�m. Dos setores onde est�o as mulheres negras, empresariado negro, o tombamento de espa�os bacanas, como do Cais do Valongo.
 

'A luta dos quilombos pela liberdade religiosa, pelo acesso � universidade � uma brilhante luta da humanidade. H� uma luta brilhante contra a barb�rie na �frica do Sul, contra o racismo nos Estados Unidos, na Europa e na �sia. E h� tamb�m uma luta brilhante pela igualdade por parte do movimento negro brasileiro1

Jo�o Jorge Rodrigues, presidente da Funda��o Palmares

 

Quais s�o os planos para o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, marco hist�rico onde desembarcavam os africanos escravizados?
Vamos recuper�-lo, trazendo centralidade de mem�ria para aquela �rea, com visita guiada. O comit�, do qual a funda��o faz parte (composto por 15 institui��es da sociedade civil e 16 governamentais nas esferas federal, estadual e municipal, dentre elas o MinC e o Instituto Brasileiro de Museus), est� juntando or�amento para fazer uma a��o bacana. Ao mesmo tempo, tudo isso tem que envolver a comunidade do Cais do Valongo, da Pedra do Sal e as comunidades pr�ximas que formam a Pequena �frica.
Temos tamb�m o Parque do Quilombo dos Palmares (localizado na Serra da Barriga, em Alagoas), o centro urbano de Salvador, de S�o Lu�s do Maranh�o, obras de negritude em S�o Paulo, em Porto Alegre, espalhadas pelo pa�s. Ent�o, talvez n�s tenhamos que criar um sistema nacional de prote��o museol�gica, um centro de refer�ncia desses espa�os que t�m muito conte�do da mem�ria afro-brasileira.

No caso dos quilombos, como est� o reconhecimento ou titulariza��o de novos territ�rios?
No geral, h� uma lentid�o muito grande entre a identifica��o e a documenta��o final de titula��o. Afinal, isso passa por um processo de pesquisa arqueol�gica, identifica��o, comprova��o. Nesse processo, alguns propriet�rios de terra recorrem. Essa estimativa demorada tem que cair para 20% do tempo que leva hoje. Vamos tentar fazer isso em conjunto com o Incra (Instituto Nacional de Coloniza��o e Reforma Agr�ria) e todos os �rg�os de governo. Vamos verificar a lista de quilombos que est�o para ser certificados e dar agilidade. Porque, repare, quando um quilombo se autoidentifica, ele pode pedir pela prote��o do Estado brasileiro e muito mais. Ele quer condi��es para sobreviver.
Ora, tudo que o Brasil fazia era limitar isso. Estamos buscando, al�m de reconhecer, dar apoio a essas comunidades, seja em trabalho, energia el�trica, no acesso �s redes digitais. Criamos uma cartilha, que est� no site da Funda��o Palmares, de f�cil acesso, chamada Prote��o Territorial Quilombola. Quem quiser falar sobre alguma ocupa��o pode procurar a Funda��o Palmares. Vamos tamb�m contar com os minist�rios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial para nos auxiliar na prote��o dessas comunidades.

O Minist�rio da Igualdade Racial tem o projeto Aquilomba Brasil, que � para aquilombar territ�rios no pa�s inteiro. A quest�o � que a Funda��o Palmares foi paralisada, mas agora o pique est� acelerado. Veja s� as medidas nestes 100 dias relativas a esses assuntos.
 

Como est� a interface da Funda��o Palmares com outros minist�rios, al�m da pasta da Cultura?
Estamos em um momento de organiza��o, e esses minist�rios (Igualdade Racial e Direitos Humanos e Cidadania) s�o os priorit�rios na comunica��o, assim como queremos ampliar o di�logo com a Educa��o, o Trabalho e a Sa�de. A popula��o negra est� em todos os lugares. H� um di�logo para que possamos fazer coisas com proximidade. Por exemplo, vamos ter um bom di�logo com a EBC (Empresa Brasileira de Comunica��o), para que o conte�do da Palmares seja veiculado. Nosso foco tem sido a Lei Paulo Gustavo, pois � um recurso de n�vel municipal que vai dar um potencial para os artistas desenvolverem seus projetos. Isso ajuda muito a popula��o negra, a comunidade perif�rica.

Quais s�o as prioridades da Funda��o Palmares neste momento?
Vamos recuperar a credibilidade da Funda��o Palmares. De janeiro para c�, n�o tivemos not�cias ruins vindas da Palmares, nem ataques direcionados ao movimento negro, � sociedade. Pelo contr�rio. O tempo inteiro uma fala direta, simples, sobre igualdade e oportunidade. Ent�o, neste primeiro momento, � credibilidade. Segundo, queremos mudar a sede da funda��o para um local adequado, no Setor de Autarquias (em Bras�lia), mais central. A Funda��o Cultural Palmares � um esfor�o extraordin�rio do povo brasileiro para atingir a igualdade. N�o vai haver a igualdade no Brasil sem a popula��o negra. �rg�os como a Palmares e tantos outros s�o fundamentais para isso. Agora � a hora, n�o podemos mais esperar.