Marilton Borges olha para a câmera

Marilton Borges se magoou ao n�o ser convidado por Milton Nascimento para seu show de despedida no Mineir�o, em novembro de 2022. Na foto, ele est� na varanda da casa dos Borges, em Santa Tereza

T�lio Santos EM/DA Press

'Fiquei triste, pois n�o entendi a raz�o de n�o estar entre os convidados (do �ltimo show de Milton Nascimento), pois tocamos juntos, nunca brigamos e sempre fomos amigos'

Marilton Borges, cantor, compositor e instrumentista


Sessenta anos dedicados � m�sica, meio s�culo de mem�rias da noite de Belo Horizonte e muitas hist�rias para contar. Marilton Borges, o primog�nito de Maricota e Salom�o Borges – irm�o de M�rcio e L� –, virou oitent�o no �ltimo m�s de maio, fazendo shows em v�rios espa�os da capital mineira. Um deles ao lado do filho, o cantor, compositor e guitarrista Rodrigo Borges, no Bar do Museu Clube da Esquina – movimento musical que Marilton viu nascer dentro de sua casa, em Santa Tereza.

Em 1963, nas escadarias do Edif�cio Levy, no Centro de BH, Marilton conheceu Milton Nascimento, rapazinho que acabara de chegar de Tr�s Pontas. “Estava indo trabalhar nos Correios e acabou a energia no pr�dio. Desci pela escada, ouvi um viol�o e uma voz diferente. Me apresentei, conversamos um pouco e o convidei para ir l� em casa, depois do servi�o”, relembra.

Marilton foi o primeiro Borges que Milton conheceu. “Disse pra ele: tamb�m gosto de tocar viol�o, vamos nos encontrar depois do trabalho. V� l� em casa, tem uma meninada que adora m�sica”, conta. Ele tinha por volta de 20 anos na �poca. “Quando cheguei do servi�o, l� estava ele na porta do pr�dio me esperando.”

 

Marilton Borges em frente ao Edifício Levy

Marilton Borges em frente ao Edif�cio Levy, onde come�ou a hist�ria do Clube da Esquina, quando o �lbum fez 40 anos, em 2013

Tulio Santos/EM/DA PRESS/2013

Abrigo para Bituca

Foi uma farra s�. “Com o tempo, Bituca acabou virando irm�o. Minha m�e at� o chamava de filho. Passado um tempo, ele se mudou para S�o Paulo e andou passando perrengues l�. Fui com a turma da banda Gemini VII comprar um teclado e nos encontramos. Infelizmente, Bituca n�o estava bem financeiramente. Falei pra ele: 'Vamos voltar e voc� fica l� em casa'. Trouxe Bituca de volta, lhe disse que poderia dar umas canjas comigo no Gemini VII e dividi o cach� com ele, o que fiz por diversas vezes.”

Em 1964, Marilton deixou o emprego nos Correios e virou m�sico profissional. “Quando o Wagner Tiso chegou a BH, criamos o quarteto Evolussamba. Era formado por mim (voz e viol�o), Bituca (baixo e voz), Wagner (piano) e Marcelo Ferrari (bateria). Depois, chegou de Guarani o baterista Paulinho Braga e montou um trio com o Wagner e o Bituca. Os dois tamb�m faziam coisas para o compositor Pac�fico Mascarenhas, gravando discos do quarteto Sambacana”, relembra.

Milton conquistou o Brasil com “Travessia”, parceria com Fernando Brant, no Festival Internacional da Can��o (FIC), realizado no Rio de Janeiro. “A partir dali, Bituca subiu igual a um meteoro e se tornou o grande artista que � at� hoje”, lembra o amigo.

Corpo a corpo nas r�dios

Em 1967, Milton lan�ou seu primeiro �lbum pelo selo Codil. “Fui com ele a todas as r�dios de BH, levando o �lbum e pedindo ao pessoal para toc�-lo. Ele fazia uma m�sica diferente, o pessoal n�o deu muita bola para o LP. Como eu tinha muitos amigos radialistas, pedi que tocassem as faixas. Com isso, Bituca ficou mais conhecido na cidade. Ele ainda n�o era muito conhecido por aqui, embora Elis Regina j� houvesse gravado a 'Can��o do sal'.”

Quando Milton se mudou para o Rio de Janeiro, Marilton se hospedava com ele. “Bituca ia nos lugares onde eu tocava l�. Na �poca,  andava muito com o baixista, pianista e compositor pernambucano Novelli. Eles foram muitas vezes me ver tocar na Number One. Toquei tamb�m no Samb�o e Sinh�, que pertencia ao cantor Ivon Curi, em Copacabana. Quando acabava o show, desc�amos para tomar uma e Bituca estava sempre l� nos esperando.”

Marilton Borges lamenta n�o ter sido chamado para a despedida do amigo Bituca dos palcos, no ano passado, no Mineir�o. “Nem sequer fui convidado. Confesso que fiquei triste, pois n�o entendi a raz�o de n�o estar entre os convidados, pois tocamos juntos, nunca brigamos e sempre fomos amigos. Acho que ele falhou como amigo nessa hora”, afirma.
 

Gemini VII, bailes da vida e Itacolomi

Marilton Borges � praticamente uma "enciclop�dia" ambulante – ou melhor, cantante – sobre a noite de Belo Horizonte. Foi dono de bares famosos, como o 890 e o Marilton's Bar, entre outros.

Tudo come�ou quando o guitarrista Naz�rio Cordeiro, que se apresentava na Churrascaria Pal�cio, no Centro, o convidou para tocar l�. “Toquei uma noite e apareceu o Maquinho Quelotti e seu amigo Bor�. Eles tinham um conjunto chamado Lancaster, precisavam de um cantor e me chamaram para fazer bailes com eles. Por�m, havia tamb�m o Welton e seu Conjunto, de onde surgiu o Gemini VII, comigo (voz), Get�lio (sax), Rubinho (bateria), Marco Ant�nio Moreira (vibrafone), Toninho Costa (guitarra) e Gast�o (contrabaixo). Fizemos uma reuni�o l� em casa e dali nasceu o Gemini VII.”

N�o � exagero dizer que a banda Gemini VII � uma lenda da noite sessentista de BH. Assim como o compositor e acordeonista C�lio Balona, que Marilton conheceu na extinta TV Itacolomi. “Havia um programa aos domingos e ele tocava l�. Ficamos amigos. Depois o Balona abriu a boate Uai, onde eu dava canjas”, conta ele.

No final dos anos 1960, Marilton ficou sabendo, por meio do radialista Assad de Almeida, que a carioca Turma da Pilantragem estava em BH e precisava de um cantor.

“Na �poca, o grupo era formado pela Malu Balona, irm� do C�lio Balona, Regininha, Dorinha Tapaj�s e Edson Trindade. Fui para o Rio e passei a cantar com eles. O grupo durou de 1968 a 1970.” Criada por Nonato Buzar, a banda se destacou por arranjos suingados e dan�antes. Fizeram parte da “Pilantragem” craques como os instrumentistas Jos� Roberto Bertrami, Fredera e Raul de Souza.
 
Maria Alcina canta Fio Maravilha

Maria Alcina, mineira de Cataguases, defendeu 'Fio Maravilha' no FIC e levantou o Maracan�zinho

Acervo Arquivo Nacional/Correio da Manh�/reprodu��o
 

'A Maria Alcina era uma das nossas backing vocals. O Jorge Benjor tamb�m ia muito l�, gostava tocar e cantar conosco. Certa noite, o vi mostrar a m�sica 'Fio Maravilha' para Maria Alcina, que adorou. Naquele dia, estavam l� Daniel Filho e o Boni, que disseram pro Jorge: 'Pode botar essa m�sica no festival da Globo que ela vai ganhar''

Marilton Borges, cantor, compositor e instrumentista

No Rio com Jorge Benjor, Turma da Pilantragem e Milito

Marilton se mudou para o Rio de Janeiro, mas n�o gostava de morar l�, saudoso dos amigos, das rodas de viol�o e dos bailes. Na capital fluminense, o primog�nito do cl� Borges gravou com Maria Alcina e Jorge Benjor, al�m da Turma da Pilantragem.
 
“Fiz muito vocal, principalmente para trilhas de novelas, como 'O bofe', 'Supermanoela e 'Uma rosa com amor'. Entre idas e vindas, fui tocar na banda do maestro Osmar Milito, que se apresentava na boate Number One, em Ipanema. Na �poca, s� brincava no piano, mas Milito sempre dizia: 'Voc� tem jeito para tocar esse trem, vai estudar'.”

E assim foi. “Parti para piano, mesmo, nos anos 1970”, explica ele, que se apresentava com Milito no programa “Show da Girafa”, na TV Globo. “Como sa�amos tarde da boate, o maestro me pedia para ensaiar com a turma. Foi a partir dali que comecei a brincar mais seriamente no piano.”

Na banda de Milito, Marilton ensaiou com um violonista rec�m-chegado de Alagoas que ficaria em seu lugar: ningu�m menos que Djavan.

Poderosos da TV Globo frequentavam a Number One. “A Maria Alcina era uma das nossas backing vocals. O Jorge Benjor tamb�m ia muito l�, gostava tocar e cantar conosco. Certa noite, o vi mostrar a m�sica 'Fio Maravilha' para Maria Alcina, que adorou. Naquele dia, estavam l� Daniel Filho e o Boni, que disseram pro Jorge: 'Pode botar essa m�sica no festival da Globo que ela vai ganhar'.”

'Fio Maravilha': ova��o do p�blico e desclassifica��o

Em 1972, a m�sica foi inscrita no 7º Festival Internacional da Can��o (FIC) e Maria Alcina arrasou. “Ficamos em primeiro lugar na etapa nacional, passamos para a internacional”, conta Marilton, que fazia backing vocal em “Fio Maravilha” ao lado de M�rcio Lott, Suzana e Lula Messina. Severino Filho, integrante d'Os Cariocas, era o maestro.

“O gin�sio do Maracan�zinho estava repleto de flamenguistas, que gritavam: 'Fio Maravilha'!, 'Fio Maravilha'.! Uma das regras do festival era que o concorrente n�o fizesse bis, sob pena de desclassifica��o. Acabamos a nossa apresenta��o e o Boni ficou gritando: 'Volta. Volta, eu estou mandando'. O maestro perguntou: � para voltar mesmo?'. E Boni: '� claro, estou mandando. Pode repetir, porque sou eu quem manda aqui. Fizemos o bis e fomos desclassificados”, relembra o mineiro.

Resultado: por causa de Boni, o trof�u do Galo de Ouro da etapa internacional foi para o americano David Clayton-Thomas, que cantou “Nobody calls me prophet”.
 
 Lô, Marilton, Nico, Márcio , Telo, Yé e Solange

Os Borges: L�, Marilton, Nico, M�rcio e Telo. � frente, Y� e Solange

Paulo Castelo Branco/divulga��o
 

De volta a BH nos anos 1970, Marilton Borges foi cantar na boate L'Hermitage. “Certo dia, o pianista se demitiu e fui obrigado a substitu�-lo. Ali me sentei ao piano e n�o levantei mais. Foi l� tamb�m que conheci minha mulher, a Tat� (Maria Carmem Borges).”

Marilton, ent�o, passou a ser “o pianista da moda” de BH. Artistas faziam quest�o de se apresentar com ele. “Achavam que eu tinha a manha de acompanhar. Realmente, ao longo desses anos, me especializei em acompanhar cantores e cantoras”, comenta.

O homem da noite de BH

Borges montou v�rias casas de sucesso na noite da capital mineira. Com o empres�rio Fl�vio Am�rico, ele abriu o Bar 890, no Bairro dos Funcion�rios. “A casa vivia lotada”, conta. “Depois, montei o Pau de Arara, na Savassi, onde tive uma noite hist�rica. Depois de um show no gin�sio do Mackenzie, Gilberto Gil apareceu l� com sua trupe e tocamos a noite toda”, relembra.

Com Eber Borges, que trabalhava na R�dio Guarani, Marilton montou o bar Reco-Reco, na Savassi. “Mais tarde, j� em 2006, montei o Marilton's Bar, em Santa Tereza, mas cheguei � conclus�o de que m�sico n�o se d� bem como dono. � uma coisa ou outra, pois o nosso neg�cio � tocar, cantar e ver o pessoal se divertir.”

A extensa carreira na noite � um orgulho para Marilton Borges. “Acompanhei muitos cantores, fiz dire��o musical para v�rios artistas. Em BH, toquei com quase todo mundo. No in�cio de 1970, de volta a BH, fui tocar com o grupo de Gilberto Santana, mas a turma do Gemini VII me chamou de volta e fui novamente tocar com eles”, relembra.

“� uma longa hist�ria, daria um livro. Faria tudo de novo”, garante. Em 2019, Marilton Borges lan�ou o �lbum autoral “Do meu jeito”.
 
Marilton, os irmãos com Elis Regina durante a gravação do disco 'Os Borges', nos anos 1970

Marilton (� esquerda) e os irm�os com Elis Regina durante a grava��o do disco 'Os Borges', nos anos 1970, no Rio de Janeiro

Wilton Montenegro/divulga��o