
Por que cozinhar ainda � visto como um trabalho masculino? Por que a maioria das mulheres preferem ser chefs dos seus pr�prios restaurantes? Quest�es que precisam ser discutidas se queremos uma gastronomia diversa e inclusiva.
Na semana do Dia Internacional da Mulher, vamos contar a hist�ria de duas jovens chefs de Belo Horizonte que conquistaram espa�o no mercado com compet�ncia e determina��o. Exemplos de que as mulheres s�o capazes de vencer os desafios e brilhar em uma cozinha profissional.
Desde o primeiro dia em que decidiu ser cozinheira, Sofia Marinho, que � formada em biologia, j� sentiu a diferen�a por ser mulher. “Quando falei para o meu pai que ia fazer gastronomia, ele me perguntou: ‘Filha, voc� tem certeza? � um trabalho pesado’.” Mesmo consciente de todos os desafios, ela n�o se intimidou. Entrou no jogo para romper barreiras e mostrar que est� tudo bem pedir ajuda para carregar uma panela pesada.
Mas isso n�o significa que foi f�cil. Sofia conta que sempre precisou provar seu valor, que pode fazer o mesmo que um homem, ainda mais por ser jovem, feminina, delicada e com voz suave. Em um dos restaurantes onde trabalhou, ela chegou a ser amea�ada por um cozinheiro que n�o aceitava receber ordens de uma mulher. Como consultora, percebeu que conseguia cobrar um valor mais alto quando teve um s�cio ao lado. Alguns clientes, inclusive, s� se dirigiam a ele nas reuni�es.

“N�s, mulheres, enfrentamos mais dificuldades, mas nunca deixei isso me afetar. Lamentar n�o me fez ganhar espa�o, pelo contr�rio. Sempre foquei no meu trabalho, em fazer o meu melhor.”
Sofia come�ou sua carreira na Praia de Pipa (RN), onde teve restaurante e caf�. De volta a BH, ela passou pelo Glouton e ajudou na abertura do Nicolau Bar da Esquina. Diz que aprendeu com o chef Leo Paix�o tudo o que sabe sobre administrar uma cozinha profissional e empreender. Depois trabalhou com Massimo Battaglini. “Com ele, enxerguei que poderia ser chef sem estar no fog�o dia e noite”, destaca.
Quando decidiu seguir a profiss�o sem estar na cozinha de um restaurante, Sofia come�ou a trabalhar como personal chef, dar aulas, consultorias, eventos e vender produtos, como o famoso pat� de foie gras.
No m�s que vem, ela deve inaugurar seu espa�o f�sico, A Cozinha de Sofia, onde vai fazer tudo o que gosta. “N�o ser� um restaurante, mas quero muito fazer jantares uma vez por m�s, com menu degusta��o, e trazer chefs de v�rios lugares do Brasil para cozinhar comigo.”
Cozinha contempor�nea
Nas receitas, a chef une bons produtos, t�cnicas modernas, combina��es de sabores surpreendentes e apresenta��o sofisticada. Seu lema � seguir o conceito da cozinha italiana: real�ar as caracter�sticas dos ingredientes sem muita interfer�ncia.

A costelinha glaceada com pur� de avel� e vinagrete de uva representa bem o tipo de prato que ela gosta de fazer. “Uso um elemento tradicional da cozinha mineira, mas trago de forma contempor�nea, sofisticada e autoral, com influ�ncias de lugares por onde passei”, relaciona. Outra receita dela que chama a aten��o s�o as vieiras grelhadas, pur� de ervilha com menta e presunto crocante.
Assim que abrir seu espa�o, Sofia pretende lan�ar um card�pio semanal com produtos para consumir em casa. Al�m do pat� de foie gras, feito com f�gado de galinha, redu��o de vinho do Porto, ervas frescas e especiarias, ela quer incluir as massas artesanais, que a acompanham desde o in�cio em Pipa. Entre elas, n�o pode faltar o sorrentino de cordeiro, que sempre fez muito sucesso.
A massa � recheada com paleta de cordeiro marinada com a pasta argentina adobo, assada, desfiada e refogada com cebola, alho, cenoura, passata de tomate e vinho tinto.
A grande refer�ncia de Sofia na cozinha � a chef T�ssia Magalh�es, do Restaurante Nelita, em S�o Paulo. “Vejo que ela � muito parecida comigo. � mulher, jovem, faz uma gastronomia elegante e conquistou um espa�o enorme no mercado”, pontua.

Na v�spera do Dia Internacional da Mulher, Sofia deixa um recado para as colegas de profiss�o: sejam fortes, mantenham a postura firme, mostrem com as suas atitudes do que s�o capazes e n�o deixem ningu�m dizer o contr�rio. Segundo ela, s� assim para vencer o preconceito e conquistar o seu lugar.
“Tenho quase 10 anos da gastronomia e sempre conquistei espa�o com o meu trabalho. Em vez de me impor, mostrei do que sou capaz e conquistei respeito”, diz a chef, que quer ser refer�ncia em consultoria.
Luta di�ria
Marcela Guerra sempre gostou de cozinhar, mas n�o se imaginava como chef. “O desafio de ser mulher na cozinha come�a justamente com o tabu de que n�s estamos na cozinha de casa, e nos restaurantes est�o os homens. Eu mesma me condicionava a isso, acreditando que n�o era capaz de cozinhar profissionalmente”, comenta. Aos poucos, ela foi ganhando confian�a e ocupou seu lugar no mercado com o Comidaria Guerra.
Antes de abrir o seu neg�cio, Marcela passou por outros restaurantes. Em um deles, entrou como auxiliar e chegou a ser subchef. Apesar disso, ela enxerga que ainda existem muitas barreiras para a mulher crescer na cozinha profissional.
“As mulheres tendem a ficar lavando lou�a, fazendo os pr�-preparos, mas nunca brilham na finaliza��o do prato”, observa. Com isso, muitas cozinheiras, como ela, acabam optando por serem chefs dos pr�prios restaurantes.

Guerra � o sobrenome de Marcela, mas tamb�m carrega um simbolismo. O nome do restaurante representa a luta dela para quebrar tabus, ocupar espa�o por compet�ncia, e n�o imposi��o, conquistar respeito e ter seu trabalho reconhecido. “Infelizmente, s� quem � mulher sabe que temos que enfrentar uma guerra todos os dias, mas cada passo faz muita diferen�a.”
Quando coloca o d�lm�, Marcela se sente com o m�ximo de pot�ncia. “Sinto que tenho poder nas minhas m�os para agu�ar os sentidos das outras pessoas, e isso � incr�vel. At� me emociono.” Atr�s do balc�o, ela se mostra como um exemplo de que as mulheres s�o capazes de vencer os desafios e ter brilho pr�prio na cozinha. Na opini�o dela, o importante � trabalhar com amor, garra e fazer aquilo em que acredita.
No card�pio do Comidaria Guerra, encontramos lanches veganos e vegetarianos. Marcela diz que a sua cozinha � totalmente intuitiva. Como n�o come carne, ela faz o que gostaria de encontrar nos restaurantes. “N�o tenho forma��o acad�mica. Fui construindo sabores dentro do que conheci de cozinha com a minha av� e a minha m�e.”
Em destaque, o sandu�che de cogumelos com pasta de lim�o siciliano, a torta cremosa de mandioca com alho-por� e o bolo de chocolate com mousse de cappuccino.

Na hora da contrata��o, a chef tenta sempre dar prioridade a quem tem menos oportunidades, especialmente as mulheres. Hoje, fazem parte da equipe uma mulher negra e uma mulher trans. Mas esse n�o � o �nico motivo.
Marcela lista algumas habilidades femininas que s�o desejadas na cozinha, como senso de organiza��o, concentra��o e capacidade de executar v�rias tarefas ao mesmo tempo com muita qualidade. “Isso � maravilhoso para o nosso trabalho.”
Costelinha glaceada com pur� de avel� e vinagrete de uva (Sofia Marinho)
Ingredientes
1 costelinha de porco cortada por ossinho; sal e pimenta-do-reino; suco de 2 lim�es capeta; 1 colher de sopa de a��car mascavo; 3 folhas de louro; tomilho fresco; 5 dentes de alho amassados; 1 colher de sopa de banha de porco; 1 cebola; ½ cenoura; 1 alho-por�; 2 colheres de sopa de extrato de tomate; 200ml de vinho branco; 1 colher de sopa de manteiga; 1 colher de sopa de farinha de trigo; 8 gotas de molho de pimenta; �gua; 300g de car�; 150g de avel�s; sal; 10 uvas verdes sem caro�o; 1 colher de sobremesa de azeite; 1 colher de sobremesa de suco de lim�o siciliano
Modo de fazer
Tempere a costelinha com sal, pimenta-do-reino, lim�o, a��car mascavo, louro, tomilho e alho e deixe pegando sabor por pelo menos 1 hora. Em uma panela de fundo grosso, derreta a banha (se preferir, use azeite) e doure as costelinhas, poucas por vez, at� estarem bem douradas. Retire o excesso de gordura e refogue a cebola, a cenoura e o alho-por�. Deixe tostar bem os legumes e entre com o extrato de tomate. Adicione o vinho branco e v� passando uma colher de pau ou esp�tula para desgrudar todo o sabor que ficou no fundo da panela. Coloque a manteiga e deixe derreter. Coloque as gotas de pimenta e a farinha de trigo. Mexa bem at� engrossar. Volte com as costelinhas para a panela e coloque um pouco de �gua, mexendo para dissolver bem a massa que se formou com os vegetais e a farinha. Complete com �gua apenas o suficiente para cobrir as costelinhas e cozinhe por cerca de duas horas, ou at� estarem bem macias. Adicione �gua quando necess�rio. Enquanto isso, cozinhe o car� at� ficar quase desmanchando. Coloque a avel� em um bowl e cubra com �gua fervente at� a �gua esfriar. Retire a pele das avel�s. Bata em um liquidificador ou processador o car� e a avel� at� formar um pur�. Tempere com sal. Quando a costelinha estiver pronta, retire-as da panela e coe o molho. Leve o molho para outra panela e deixe reduzir at� ficar com a consist�ncia grossa. Corte as uvas em cubinhos e misture com o azeite e o suco do lim�o. Para montar o prato, sirva uma colher generosa de pur�, coloque a costelinha ao lado e cubra com o molho. Sirva uma colherada do vinagrete de uva e decore com um pouco de avel� tostada e brotos.
Servi�o
(31) 98331-8009
(31) 99787-3087