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Estado de Minas SEMANA SANTA

P�scoa: como eram os alimentos da Santa Ceia

O p�o era aquela que chamavam de '�zimo', feito apenas com farinha e �gua. Quanto ao vinho, poucos se arriscam a descrever como era a bebida consumida por Jesus


14/04/2022 23:40 - atualizado 14/04/2022 23:40

Reprodução da Pintura 'A Santa Ceia', de Leonardo da Vinco
'N�o era uma mesa farta no sentido de sobrar, mas havia o trivial. P�o, vinho, algumas poucas frutas', diz historiador (foto: Dom�nio P�blico)
De acordo com os relatos b�blicos, Jesus sabia que seria morto quando celebrou a P�scoa com seus seguidores.

 

"Bem sabeis que daqui a dois dias � a P�scoa; e o filho do homem ser� entregue para ser crucificado", diz o Evangelho de Mateus.

 

"E, no primeiro dia da festa dos p�es �zimos, chegaram os disc�pulos junto de Jesus, dizendo: Onde queres que fa�amos os preparativos para comeres a p�scoa? E ele disse: Ide � cidade, a um certo homem, e dizei-lhe: O mestre diz: o meu tempo est� pr�ximo; em tua casa celebrarei a p�scoa com os meus disc�pulos", prossegue o texto.

 

"E os disc�pulos fizeram como Jesus lhe ordenara, e preparam a P�scoa. E, chegada a tarde, assentou-se � mesa com os doze."

 

Ent�o, Jesus teria repartido o p�o e o vinho, dito que o que ali estavam era o seu corpo e o seu sangue, recomendado que seus seguidores prosseguissem fazendo isso "em mem�ria de mim".

 

Historicamente, o que podemos supor que Jesus tenha comido e bebido com seus amigos nesse jantar eternizado no imagin�rio coletivo?

 

A B�blia fala em p�o �zimo, um tipo de p�o assado sem fermento, feito somente com farinha e �gua. Na �poca, era comum que se misturassem o trigo mo�do com outros cereais, como aveia, cevada e centeio, o que houvesse dispon�vel.

 

De acordo com a tradi��o, se a P�scoa � a mem�ria da fuga dos antigos judeus do Antigo Egito, o p�o �zimo se tornou obrigat�rio porque era a refei��o prec�ria que eles podiam ter ao longo do trajeto. Considerando ser Jesus um judeu pobre, assim como seus disc�pulos, � de se supor tamb�m que tais ingredientes fossem o que havia dispon�vel.

 

"Na mesa da P�scoa, havia p�o, o p�o �zimo, e vinho. N�o para beber de cair, porque imagina-se que n�o era uma mesa de grandes farturas", diz � BBC News Brasil o historiador Andr� Leonardo Chevitarese, autor de Jesus de Nazar�: Uma Outra Hist�ria e professor do Programa de P�s-Gradua��o em Hist�ria Comparada do Instituto de Hist�ria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"N�o era uma mesa farta no sentido de sobrar, mas havia o trivial. P�o, o vinho, algumas poucas frutas. Era a comemora��o da P�scoa. Na mesa da imensa maioria dos judeus era o trivial. Apenas a elite tinha mais. Indiv�duos como Jesus e sua trupe, n�o", acrescenta.

 

"De qualquer maneira, o vinho estava presente. N�o um vinho importado, mas o vinho de produ��o local, de baixa qualidade."

 

As frutas que compunham a mesa de Jesus provavelmente eram rom�s, t�maras e uvas.


Pão em uma tábua de madeira
Releitura de p�o da �poca de Cristo, feita pelo padeiro Johannes Roos (foto: Johannes Roos)

Vinho ancestral

Se h� um consenso de que o vinho foi inventado h� cerca de 6 mil anos, poucos arriscam determinar como era o vinho bebido por Jesus e seus seguidores.

 

Pesquisas indicam que, naquela �poca, a bebida — de m� qualidade e sem padr�o consistente — era misturada com ervas arom�ticas, mel e frutas. Isso servia para v�rias coisas. Primeiro, para dar mais frescor. Tamb�m para disfar�ar o gosto n�o muito palat�vel. Por fim, fazer diminuir o gosto avinagrado e oxidado de um vinho que n�o era conservado adequadamente.

 

Em seu livro Ancient Wine: The Search for the Origins of Viniculture, o arque�logo Patrick Edward McGovern, pesquisador da Universidade da Pensilv�nia, nos Estados Unidos, explica que era h�bito misturar � bebida alcaparras, a�afr�o, pimenta e toda a sorte de especiarias.

Na hora de beber, misturava-se com �gua.

 

Como n�o havia garrafas nem ton�is adequados para preservar o vinho, a ideia era guardar as uvas da colheita para que vinhos fossem feitos ao longo do ano.

Isso significa que na maior parte do tempo eram uvas secas — e n�o frescas — que acabavam utilizadas. Assim, � de se supor que os vinhos fossem semelhantes �queles feitos hoje com passas, que resultam em bebidas de �lcool mais intenso, e sabor entre o doce e o amargo.

 

O clima da regi�o, quente e seco, garante a produ��o de uvas com mais a��car, o que significa vinhos com maior teor alco�lico.

 

Na �poca de Jesus, beber vinho era tamb�m quest�o de saneamento b�sico. Como n�o havia tratamento de �gua, a bebida alc�olica era melhor — at� para crian�as — para evitar problemas de contamina��o.

 

Com a expans�o do imp�rio romano, foi incentivada a prolifera��o de vinhedos. A ideia era garantir o suprimento aos soldados, que atuavam em todas as possess�es.

 

N�o h� um consenso entre pesquisadores sobre qual era o tipo da uva que se plantava na regi�o de Jerusal�m — acredita-se que mudas eram levadas de um ponto a outro e acabavam ficando aquelas que mais se adaptavam a cada clima e solo.

 

O mais prov�vel � que a uva daquela regi�o era uma variedade ancestral daquela que hoje � chamada de syrah.


Releitura de pão da época de Cristo, feita pelo padeiro Johannes Roos
Padeiro alem�o Johannes Roos acredita que Jesus consumisse p�o fermentado, e n�o somente o �zimo mencionado na B�blia (foto: Johannes Roos)

'P�o nosso de cada dia'

No livro Seis Mil Anos de P�o: A Civiliza��o Humana Atrav�s de Seu Principal Alimento, o pesquisador Heinrich Eduard Jacob aborda em profundidade como Jesus, e posteriormente o cristianismo, se apoderou do campo sem�ntico do p�o em seus ensinamentos.

 

Da ora��o do Pai Nosso aos relatos dos milagres, passando por par�bolas e, claro, a Santa Ceia.

 

T�cnico da sele��o brasileira de panifica��o e gerente do Inspiration Center da multinacional Puratos, o padeiro alem�o Johannes Roos acredita que no dia a dia Jesus consumisse p�o fermentado — e n�o somente o �zimo mencionado na B�blia.

 

"O p�o comido naquele per�odo era algo integral, com uma mistura de farinhas de v�rios cereais, trigo, sorgo, espelta… Fermentado naturalmente, de forma lenta", conta o padeiro, em entrevista � BBC News Brasil.

 

"Acho que seria um p�o mais escuro, de moagem mais grossa."

Roos foi al�m. Motivado pela reportagem, acabou criando uma receita de p�o contempor�neo que seria uma releitura atual do p�o consumido na Jerusal�m de 2 mil anos atr�s.

 

"� a receita do p�o que eu faria para Jesus na Santa Ceia", comenta ele.

 

O padeiro utilizaria 400 gramas de farinha de trigo, 200 gramas de farinha de centeio, 100 gramas de farinha de espelta, 100 gramas de farinha de sorgo, 200 gramas de farinha de trigo integral, 200 gramas de fermenta��o natural, 22 gramas de sal do Mar Morto, 30 gramas de semente de gergelim, 30 gramas de semente de girassol, 30 gramas de semente de linha�a, 30 gramas de semente de ab�bora e 550 gramas de �gua.

 

Para fazer, "amassaria lentamente todos os ingredientes, menos os gr�os, at� que a massa ficasse homog�nea por completo".

 

"Ent�o deixaria descansar por 2 horas, sovaria por mais 15 minutos e deixaria descansar por outras 2 horas. Dividiria em tamanhos de 1,2 quilo cada p�o, modelaria e deixaria fermentar por 16 horas", explica.

 

"Assaria em forno a lenha com madeiras arom�ticas, por 50 minutos."

"Antes, limparia o forno com alecrim do mato, que � um planta que deixa um aroma incr�vel quando utilizada para varrer", diz ainda ele.

Sacramento

Entre te�logos e pesquisadores do cristianismo n�o h� d�vidas de que o p�o e vinho, carregados de significados religiosos, foram os protagonistas daquela �ltima refei��o.

 

"Estamos falando da comemora��o da P�scoa acontecendo. � uma celebra��o t�pica de um judeu, uma festa estabelecida desde a antiguidade, para marcar a sa�da apressada do Egito, quando na fuga eles se alimentaram de ervas amargas, repartiram o p�o, comeram um cordeiro que foi sacrificado", pontua � BBC News Brasil o historiador, fil�sofo e te�logo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

 

"Essa festa rememora um momento de liberta��o. Os p�es �zimos, sem fermento, rememoram essa sa�da, essa fuga, porque eram p�es de pobre, da pessoa com pressa e poucos recursos", completa ele.

 

"O vinho era uma bebida comum, que fazia parte da alimenta��o e dos costumes, dos h�bitos de todo mundo."

 

Moraes afirma que, mesmo que alguns moralistas religiosos abst�mios se incomodem, � fato hist�rico que Jesus bebia vinho com frequ�ncia.

 

"Isso deve ser entendido sem nenhum tipo de esc�ndalo. Em algum momento, Jesus acaba sendo acusado de beberr�o, de acolher prostitutas, de participar de festas, de andar com pessoas simples e pobres… Jesus era um homem festeiro e o �ltimo momento dele � um momento em que ele est� como um judeu t�pico celebrando a P�scoa", contextualiza o historiador.

 

O importante, entende o pesquisador, � como ele acaba ressignificando o gesto — e, assim, fundando o cristianismo.

 

"Ele modificou o processo [da P�scoa]. Aproveitou aquela situa��o toda para ressignificar a ceia, transformando aquela reuni�o de um grupo de judeus, instituindo um novo sacramento. E � exatamente isso que fundamenta a igreja: a eucaristia, a Santa Ceia", comenta.

 

"De uma festa judaica da P�scoa, ele instituiu um novo sacramento. Ressignificou o p�o e o vinho", acrescenta.

 

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