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Estado de Minas ZUMBI DOS PALMARES

Dia Nacional da Consci�ncia Negra: mulheres s�o guardi�s das mem�rias

Mulheres mineiras de tr�s gera��es que vivem no Quilombo Manzo, em BH, chamam a aten��o para o respeito ao ser humano e fim do preconceito


20/11/2021 04:00 - atualizado 20/11/2021 10:52

Jéssica Elias, Makota Cássia Cristina e Mãe Efigênia Maria
J�ssica Elias, Makota C�ssia Cristina e M�e Efig�nia Maria da Concei��o, a matriarca do Quilombo Manzo: luta para preservar as tradi��es e a hist�ria de resist�ncia (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)

O sorriso de M�e Efig�nia ilumina o rosto de Makota Kidoial�, alegra o semblante da neta J�ssica Fernanda e, munido de intensa suavidade, parece preencher todos os espa�os do Quilombo Manzo, no Bairro Para�so, na Regi�o Leste de Belo Horizonte.
  
Nesta gera��o de tr�s mulheres mineiras, que vivem em comunidade e preservam a cultura ancestral africana, o Dia Nacional da Consci�ncia Negra, celebrado hoje (20) para reverenciar a mem�ria de Zumbi dos Palmares (1655-1695), vai al�m de uma data.

“Precisamos de ‘consci�ncia pela vida’, de respeito, de amor pelo ser humano”, afirma a matriarca Efig�nia Maria da Concei��o, de 75 anos, nascida em Ouro Preto e moradora da capital desde crian�a.

Na sala onde joga b�zios e mant�m um altar com santos cat�licos e divindades do candombl�, M�e Efig�nia toca em pontos nevr�lgicos, que j� lhe tiraram o sossego por d�cadas devido � cor da pele.

“Recebi pedrada, ouvi humilha��o, meus filhos tamb�m j� sofreram muito. Hoje, a situa��o melhorou, h� mais entendimento. Devemos acabar com o ego�smo, o racismo, o preconceito, por isso falo em ‘consci�ncia pela vida’, no sentido bem mais amplo”, diz a senhora que teve 13 filhos, cinco dos quais est�o vivos, e se orgulha dos 26 netos, mais de 30 bisnetos e dos 20 meninos e meninas criados em sua casa e que lhe pedem a b�n��o.

Efigênia Maria da Conceição, de 75 anos, a Mãe Efigênia do Quilombo Manzo, de BH
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Efig�nia Maria da Concei��o, 
de 75 anos, a M�e Efig�nia do Quilombo Manzo, de BH

"Precisamos de uma 'consci�ncia pela vida', e respeito, de amor pelo ser humano"



SAGRADO

Com 11 fam�lias residentes, o Quilombo Manzo (na l�ngua banto, significa casas) foi fundado por M�e Efig�nia em 1970, reconhecido pela Funda��o Palmares em 2017 e merecedor do t�tulo de Patrim�nio Cultural de Minas em 2018. A cada metro quadrado, as palavras identidade e sagrado se tornam frequentes.

“Amo meu cabelo, amo minha cor, amo minha identidade. E sempre transmiti tal sentimento � minha fam�lia. Tenho meu lado negro, dos antepassados que viveram em Ouro Preto e vieram da �frica escravizados, e tamb�m dos ind�genas. Dos negros, tenho o gosto pela vida, pelas origens, pelo jeito de morar em comunidade. Nos �ndios, admiro a simplicidades das constru��es, das moradias de barro, sem reboco, e a liberdade de viver sem roupa”, conta M�e Efig�nia num jeito bem espont�neo.

No altar da matriarca, ficam as imagens de Nossa Senhora Aparecida, Santa Luzia, S�o Jorge, Santa B�rbara e outras cat�licas ao lado de Iemanj�, Pai Benedito e Preto Velho. “Nossa organiza��o inclui a religiosidade, a cultura e as tradi��es. Tenho muita f�. Todos os dias ao acordar, olho para o c�u e digo baixinho: ‘Senhor, dai-me for�a para guiar meu rebanho’. Cada ovelha aqui � uma joia.” Um dos maiores ensinamentos, avisa, � trabalhar. “Nunca parei um segundo, nunca pedi esmola, nunca me prostitu�.”

As lembran�as familiares aumentam as energias e fortalecem as heran�as culturais. M�e Efig�nia nasceu no Morro da Queimada, um dos pontos mais importantes da geografia e da hist�ria de Ouro Preto e chegou a BH aos 9 anos. Ela fala com devo��o da av� Maria de Lourdes, que lhe contava casos, do pai que “amansava burro” na Pra�a Tiradentes, no Centro Hist�rico de Ouro Preto, e da bisav�, de quem lembra muito pouco, e foi “ind�gena pega no la�o”.

Do lugar que a mem�ria denomina Campo do Raimundo, perto de Passagem de Mariana, chega o balan�ar das bateias, “que a gente chamava de carumb�”, ressalta a matriarca, � cata de ouro nos ribeir�es. E o sabor das comidas d� saudade. “Gostava de comer feij�o com pele de porco defumada...ela ficava pendurada sobre o fog�o a lenha.”
 
Makota Kidoialê, de 51 anos, uma das lideranças do Quilombo Manzo
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Makota Kidoial�, 
de 51 anos, uma das lideran�as do Quilombo Manzo

"O Dia Nacional da Consci�ncia Negra deve ser de reflex�o. � importante trazer para a atualidade a luta de Zumbi dos Palmares e da mulher Dandara, contar esta hist�ria e dar continuidade na forma de pol�ticas p�blicas%u201D

 

REFLEX�O


Cada palavra na voz de M�e Efig�nia fortalece sua admira��o por quem lhe deu a vida e traz o conhecimento repassado �s novas gera��es. Com o nome da tradi��o africana, Makota Kidoial�, nascida C�ssia Cristina, de 51, � zeladora do terreiro de candombl� do Quilombo Manzo e guardi� da mem�ria da comunidade, que se estende ao Bairro Bonanza, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de BH.

“Vejo o Dia Nacional da Consci�ncia Negra como de reflex�o. � importante trazer para a atualidade a luta de Zumbi dos Palmares e da mulher Dandara, contar esta hist�ria e dar continuidade na forma de pol�ticas p�blicas”, conta Makota Kidoial�, uma das lideran�as do Quilombo Manzo, que, em 2012, por determina��o da Prefeitura de Belo Horizonte, “ent�o alegando risco de desmoronamento das constru��es”, teve que migrar para Santa Luzia.



“Hoje a situa��o est� resolvida, mas n�o foi f�cil. Precisamos sair com nossos objetos sagrados, as fam�lias ficaram divididas por um tempo, enfim, foi uma agress�o.”

Para tantos s�culos de exclus�o, d�cadas de intoler�ncia, dias de racismo e horas de viol�ncia, Makota encontra apenas uma palavra: ingratid�o. “Nossos antepassados, diferentemente dos imigrantes europeus, vieram para o Brasil de maneira for�ada. Sofremos tanta ignor�ncia, hostilidade, sem ter qualquer recompensa. Temos nossa cultura e tradi��o, porque as cultivamos e n�o queremos passar por um apagamento de nossa trajet�ria”, afirma a belo-horizontina, que tem quatro filhos e dois netos.

As hist�rias familiares povoam a cabe�a de Makota Kidoial�. Da av� paterna Maria das Dores, ouviu relatos que atravessaram o tempo. “Ela falava de negros de ‘orelha fub�’, relatando que sa�a um pozinho amarelo l� de dentro da orelha deles. Tamb�m citava os calungas, homens e mulheres com o branco da palma das m�os e da planta dos p�s maior do que o natural. Ent�o, a vida inteira, fico procurando esses sinais, negros com a ‘orelha fub�’ ou m�os e p�s do jeito que minha av� dizia. Em resumo, estamos sempre procurando nossa territorialidade, nossas origens.”
 
Jéssica Fernanda Elias, de 29 anos, casada, mãe de Luan, de 8, e de Isac, de 5, moradora do Quilombo Manzo
(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
 
J�ssica Fernanda Elias, 

de 29 anos, casada, m�e de Luan, de 8, 

e de Isac, de 5, moradora do Quilombo Manzo

"A coletividade nos ensina a ser gente, a respeitar o pr�ximo, a acabar com os preconceitos. Sou muito feliz aqui, perto da minha m�e e dos orix�s%u201D

 

PRESENTE

Se a cultura se faz presente no quilombo, onde h� oficinas, aulas de capoeira e outras atividades, incluindo festas regadas a muito samba, o sagrado permeia todas as a��es. “Na hora da refei��o, precisamos agradecer � Natureza, � Terra, tudo isso faz parte do nosso dia a dia”, diz Makota.

Em fam�lia, os integrantes do Quilombo Manzo usam palavras de dialetos africanos. Esse universo, formado por cren�as e costumes, s� faz aumentar a admira��o de J�ssica Fernanda Elias, de 29, casada e m�e de Luan, de 8, e Isac, de 5, j� iniciados no candombl�. Dona de uma lanchonete ao lado de casa, com o marido, J�ssica gosta de viver em coletividade. “A gente se sente mais protegida. Estou perto da minha m�e e dos orix�s.”

Viver em comunidade causa admira��o a muita gente, confessa J�ssica. “Para mim, a coletividade nos ensina a ser gente, a respeitar o pr�ximo, a acabar com preconceitos. Sou muito feliz aqui.” Perto dali, Makota acrescenta: “O povo negro sobreviveu porque ficou unido. Se cada um seguisse sozinho e n�o se organizasse nos quilombos, certamente continuaria escravizado. Precisamos de harmonia no mundo, entre todas as religi�es e povos”.


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