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Estado de Minas MEM�RIA

Ant�nio Camb�o, o bordadeiro l�der da comunidade quilombola de Marinhos

Seu Camb�o passou a bordar ap�s o falecimento da esposa e, hoje, cultiva mem�rias, afetos e a��es para contribuir para o bem-estar de sua comunidade


07/04/2022 09:00 - atualizado 07/04/2022 09:42

Seu Cambão é um senhor negro. Seus cabelos são grisalhos e ele usa uma camiseta verde com estampas africanas e um óculos. Ao seu redor, estão alguns de seus trabalhos bordados e ele olha para a câmera enquanto segura um de seus bordados em progresso
Seu Camb�o come�ou a bordar ap�s o falecimento de sua esposa e troca seus trabalhos por alimentos que comp�em cestas b�sicas (foto: Acervo Pessoal/Reprodu��o)

 
Marinhos � uma das quatro comunidades quilombolas reconhecidas pela Funda��o Palmares em Brumadinho. Est� localizada no Vale da Serra da Moeda, a cerca de 62 km de Belo Horizonte e foi fortemente impactada pelo rompimento da barragem em janeiro de 2019. O l�der dessa comunidade, ainda associado � sua funda��o, � Ant�nio Alves da Silva, conhecido como Seu Camb�o.

Nascido em Vargem do Sap� e filho de Olandina Alves da Silva, m�e solo, a refer�ncia paterna de Ant�nio foi seu av�, Joaquim Ger�nimo, o qual carinhosamente chamava de “Inh�-pai”. Aos 74 anos, apesar da voz mansa, Seu Camb�o tem uma hist�ria s�lida e repleta de lutas. Hoje, ele � o primeiro mordomo de S�o Benedito e faz parte da Pastoral da Fam�lia, oferecendo o curso de noivos e de batizado.

Sua vida � marcada pelas a��es comunit�rias e beneficentes que foram respons�veis por auxiliar diversas fam�lias que passaram - e ainda passam - por seu caminho. Uma de suas maiores motiva��es, no entanto, j� n�o est� mais presente, ao menos fisicamente.

“Minha amada, Leide”

Seu Cambão e Leide são negros e têm expressões felizes enquanto cantam. Ele usa um adereço em sua cabeça com uma camisa colorida. Ela, tem cabelos crespos, usa brincos e uma saia estampados com uma regata preta, simples
Seu Camb�o com sua amada, Leide, que o incentivava - e ainda o incentiva - a fazer seus trabalhos (foto: Acervo Pessoal/Reprodu��o)

 
Seu Camb�o se autodescreve como um passarinho de uma s� asa. O falecimento de sua esposa, de quem fala com muito carinho - “minha amada, Leide” - ainda o afeta, mesmo depois de tr�s anos. “Estou sem ela em mat�ria, mas n�o a perdi e sei onde ela est�: no c�u. Essa saudade s� vai passar no nosso pr�ximo encontro”, conta ele.

De fato, foi sua amada, Leide, que o motivou a continuar explorando a cultura de seu passado e de sua comunidade, o que resultou em um livro sobre sua pr�pria hist�ria. “Ela gostava muito da cultura, vivia falando sobre os antepassados. Eu, como gosto de manter essas coisas antigas, escrevi um livro de pensamentos meus e de minha amada: ‘Olhar o Passado, para Viver o Presente”.

Publicado em 2021, o livro faz parte do projeto de extens�o Oficinas Psicossociais – fortalecendo v�nculos familiares e comunit�rios em Brumadinho, que integra o programa PUC Minas e Brumadinho – Unindo For�as e conta com um cap�tulo inteiro para contar a hist�ria de amor de Seu Camb�o e de Leide: “eu e minha amada”.

A��es comunit�rias

“Camb�o � uma pe�a de madeira encaixada sobre o pesco�o dos bois para que possam ser atrelados. E esse � o trabalho social que realizo, de ligar as pessoas e as comunidades”, explica o quilombola.

Com o incentivo de sua esposa, Seu Camb�o foi respons�vel por liderar diversos movimentos que levaram uma qualidade de vida melhor a diversas fam�lias de Marinhos e regi�o, incluindo Belo Horizonte.

“Sempre gostamos de fazer trabalho social para pessoas menos favorecidas. Na comunidade, j� est�vamos acostumados, todos os lugares tinham pessoas precisando de ajuda. Um dia, minha amada disse que precis�vamos fazer alguma coisa, dar um jeito de melhorar e come�amos com duas vi�vas. Da�, surgiu o grupo de ro�a ‘Quem Planta e Cria, Tem Alegria”, relata Seu Camb�o sobre o sustento por meio da agricultura. “Foi fant�stico. Ajudou muitas pessoas de rua de Belo Horizonte, da APAE, da Sociedade de S�o Vicente de Paula… divid�amos tudo entre as institui��es”, completa ele.

Ap�s a partida de sua esposa, entretanto, Seu Camb�o perdeu o rumo e teve que descontinuar o grupo de ro�a. Apesar disso, pediu a Deus que mostrasse um novo caminho para continuar seu trabalho de servir a outras pessoas.

Depois de um per�odo sofrido de mendic�ncia para conseguir insumos para suas planta��es e ajudar outras fam�lias, Seu Camb�o foi convidado para um encontro com a Funda��o Alphaville, no qual p�de aprender a fazer seu pr�prio adubo org�nico. Com essa nova t�cnica, foi contribuindo com as atividades na ro�a at� se encontrar em seu of�cio atual: o bordado.

Seu Camb�o come�ou aos poucos e foi se aperfei�oando, segundo ele mesmo, com for�as de Deus e de sua amada, Leide. “Deus tem sido muito generoso comigo. J� perguntei a Ele o que v� em mim e j� agradeci pelo tanto que fez por mim. Pedi que me mostrasse o jeito para bordar, e Ele o fez. Meus bordados n�o t�m pre�o”, explica ele, que, realmente, n�o vende seu trabalho e, sim, troca por alimentos que comp�em cestas b�sicas que s�o doadas a moradores da comunidade que est�o passando por dificuldades financeiras.

Al�m de tudo isso, Seu Camb�o tamb�m � atual presidente da Associa��o �gua Cristalina 2000, iniciada pelos padres da Congrega��o dos Sagrados Cora��es. Respons�vel pelo fornecimento de �gua limpa a baixo custo para oito comunidades quilombolas, a associa��o possui o pr�prio po�o artesiano. “Foi uma hist�ria sofrida, mas foi bonita. E a gente continua mantendo essa rela��o com a �gua. � �gua de qualidade na torneira de todos”, comenta ele.

Guardi�o cultural

Seu Camb�o tamb�m � uma figura importante na conserva��o das manifesta��es culturais de seu povo, como o Congado de S�o Benedito, do qual participa h� anos e, hoje, � primeiro mordomo, tradi��o herdada de sua sogra.

Ele tamb�m � respons�vel por guardar, em sua casa, rel�quias do Congado de S�o Benedito, e por colher sementes de caet� e latinhas para fazer instrumentos usados nos p�s durante as apresenta��es da festa. Para Seu Camb�o, um dos bens mais preciosos � uma bandeira de Nossa Senhora do Ros�rio, que estava em processo de restaura��o h� mais de um ano.

“Essa bandeira ficava na casa do meu padrinho macedonho, aquele que me levou � pia batismal. Depois que ele faleceu, seu filho quis deixar a bandeira comigo e, ent�o, juntamente com o santo bispo Dom Vicente e Santa Maria, jurei que daria um jeito de restaur�-la”, conta ele, que tamb�m � Ministro Extraordin�rio da Eucaristia.

Em seu livro, Seu Camb�o explica que preservar sua cultura faz parte da resist�ncia de ser quilombola. “Para mim, ser quilombola � ser uma pessoa resistente, resistir em minha cultura, naquilo que temos na comunidade. Por exemplo, quando a Ferrous, a mineradora, queria acampar aqui na nossa regi�o, eu fui um dos “cabe�as-de-ferro” que lutou para que ela n�o entrasse, para proteger a nossa cultura”, explica.
 
 
*Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz 


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