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Estado de Minas NOME SOCIAL

Homem trans tem nome retificado depois da morte

Dem�trio Campos suicidou-se aos 23 anos, em 2020, e teve nome retificado no Dia do Orgulho LGBTQIA+ em 2022


01/07/2022 12:26 - atualizado 01/07/2022 13:15

Demetrio, homem negro e trans, sem camisa, de braços abertos contra o céu azul
Dem�trio foi para S�o Paulo para seguir o sonho de se tornar modelo (foto: Reprodu��o/Instagram)

Duas datas importantes marcaram a hist�ria de Dem�trio Campos. O jovem negro e trans de 23 anos, que ainda tinha muito o que viver, suicidou-se no dia 17 de maio de 2020, Dia Internacional do Combate � LGBTfobia.
 
E agora, na �ltima ter�a-feira (28/06), Dem�trio se tornou a segunda pessoa no Brasil a receber retifica��o de nome depois da morte, no Dia do Orgulho LGBTQIA+, o primeiro caso foi Samantha, uma mulher trans, em maio deste ano.

A retifica��o foi conquistada no mutir�o de requalifica��o civil realizado pela Defensoria P�blica do Rio em parceria com a Justi�a Itinerante, na Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz). Na presen�a de tr�s ju�zes e um promotor, 100 pr�-inscritos tiveram seus documentos retificados.

“Foi a conclus�o de um sonho, eu senti liberdade. Naquele momento eu senti como se meu filho tivesse aberto as asas e falado ‘m�e, agora eu sou Dem�trio, olha aqui. Ningu�m pode dizer que eu n�o sou Dem�trio’. Tenho certeza absoluta que onde ele estiver, ele t� orgulhoso do que eu tenho feito”, disse Ivoni Campos, m�e de Dem�trio.

Quem foi Dem�trio

Filho de Ivoni Campos, Dem�trio Campos era natural de Tamoios, distrito de Cabo Frio, e em 2017, aos 19 anos, foi atr�s do sonho de ser modelo e se mudou para S�o Paulo. Carism�tico, contagiava com sua alegria quem o conhecia. 

Por�m, sofria com o preconceito pela cor e por ser um homem trans. Chegou a ser agredido e ter as costelas quebradas, al�m de ter sido parado pela pol�cia diversas vezes. Profissionalmente, tinha dificuldade de encontrar trabalhos como modelo, e os contratos acabavam nas m�os de homens cis e brancos. O racismo e a transfobia que o atravessavam levaram Dem�trio a lutar contra a depress�o por cinco anos, com ajuda de psic�loga e psiquiatra. 

“Meu filho foi para S�o Paulo para tentar a vida, e l� ele foi massacrado. Massacrado de todas as maneiras. Meu filho saiu daqui ing�nuo, achando que as pessoas eram am�veis, confi�veis, e n�o foi isso”, conta Ivoni.

"Eu preciso continuar, eu preciso transformar a minha dor em luta, eu preciso ajudar as pessoas de alguma maneira"

Ivoni Campos, m�e de Dem�trio



Dem�trio tentava trabalhos como modelo em uma ag�ncia de S�o Paulo e, para completar a renda, conseguia trabalhos independentes e bicos como barman e seguran�a de boates para conseguir sobreviver. Com a Pandemia de COVID-19, o jovem perdeu todas as fontes de renda e tentou, pela terceira vez, suicidar-se. Com isso, Ivoni o levou de volta para casa, onde foi acolhido pela fam�lia. Por�m, a depress�o levou Dem�trio aos 23 anos. 



“Eu passei um ano me culpando pela morte do meu filho. Eu parei e falei ‘eu preciso continuar, eu preciso transformar a minha dor em luta, eu preciso ajudar as pessoas de alguma maneira’”, desabafa Ivoni.

De m�e a Ilha de Acolhimento 

Ivoni, mulher negra, e seu filho Demétrio, um homem preto e trans
Ivoni e Dem�trio eram, al�m de m�e e filho, amigos e confidentes (foto: Arquivo pessoal)


Depois da morte de Dem�trio, Ivoni passou a se dedicar � luta LGBTQIA+  e ao acolhimento de membros da comunidade que estivessem desemparados. Recebe jovens que est�o colocados para fora de casa pelos pais e os encaminha para casas de acolhimento. Ela mant�m a p�gina do Instagram do filho como espa�o de homenagem e resist�ncia.

Tamb�m faz parte do Instituto Nacional Brasileiro de Trans Masculinos (Ibrat) e d� palestra para ajudar fam�lias a acolherem seus filhos LGBTQIA+. O pr�ximo sonho � cursar psicologia e montar uma ONG de acolhimento para pessoas LGBTQIA+.

Na cidade onde mora, Tam�ios, foi aberto o Ambulat�rio Municipal Dem�trio Campos, que atende trans e travestis com apoio psicol�gico, psiqui�trico e assist�ncia social. O ambulat�rio atua na distribui��o de horm�nio para o processo de transi��o.

Experi�ncias compartilhadas

Arthur Bugre, homem trans, jornalista especialista em diversidade e inclus�o e colunista do DiversEM, conheceu Dem�trio nas redes sociais, e trocavam mensagens sobre as experi�ncias como homens trans e negros em uma sociedade preconceituosa. 

“Dem�trio era aquele tipo de pessoa que quando falava, quando dan�ava, quando apresentava algum trabalho, fazia todo mundo parar para ver, era meio hipnotizante. Ent�o voc� acabava indo buscar informa��es sobre ele, e foi o que eu fiz. A partir dali a gente come�ou a manter algumas conversas, foram poucas, mas as poucas conversas que eu tive com ele, pelas redes sociais, ele relatou muita dificuldade para conseguir trabalho”, conta o jornalista.



Hoje Arthur mant�m contato com a m�e de Dem�trio, acompanhando seu trabalho como ilha de acolhimento para jovens de v�rios estados. “Eu tenho certeza que o cora��o da comunidade trans e travesti est� aquecido, porque Dem�trio sempre foi uma refer�ncia e sempre ser� presente na vida de todas as pessoas e sempre ser� essa refer�ncia para gente. Est�o mesmo ap�s a morte dele, � uma grande vit�ria”, comemora Arthur.

Mais que um nome, uma identifica��o

H� pessoas trans e travestis que n�o alteram o nome pois se identificam, e n�o sentem necessidade de usar nome social ou fazer retifica��o de nome, como � o caso do Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen. Entretanto, muitos n�o t�m um sentimento de identidade e identifica��o com o nome que receberam ao nascer. 

“Para essas pessoas essa n�o identifica��o gera uma dor muito grande, uma ang�stia muito grande. Posso falar da minha experi�ncia, � uma dor, angustia, um desconforto. � como se fosse uma luta constante internamente”, conta Arthur.

Arthur conta que passou por situa��es nas quais as pessoas fizeram piadas e ca�oaram por ser chamado pelo nome que foi batizado em locais p�blicos, como consult�rios m�dicos. O nome feminino n�o condizia com a apar�ncia masculina que adquiria pela transi��o. 

“Em alguns casos, acaba at� resguardando essa pessoa trans ou travesti, porque infelizmente o Brasil � o pa�s que mais mata pessoas trans no mundo, e quando essa pessoa, dependendo da situa��o e do ambiente, � exposta dessa forma, ela tem risco de sofrer uma agress�o verbal e o emocional ser impactado, e em muitos casos at� agress�o f�sica”, afirma.

Quando a gente fala de nome, a gente fala de um direito b�sico e universal que tem a ver com identidade, da ess�ncia da pessoa, ent�o esse nome precisa ser respeitado e respeito a gente n�o negocia

Arthur Bugre, homem trans, jornalista e especialista em diversidade e inclius�o



Al�m disso, devido ao alto �ndice de desemprego e o preconceito que muitas pessoas trans sofrem das pr�prias fam�lias, grande parte dessa popula��o vive em situa��o de vulnerabilidade. Mesmo tendo a vontade de realizar a retifica��o de nome, n�o conseguem pagar o processo de retirada de algumas das certid�es.

Nome, ess�ncia e sa�de mental

Para al�m dos desafios de viver em uma sociedade que n�o acolhe as pessoas trans, a utiliza��o do nome social ou a retifica��o de documentos � t�o importante que afeta diretamente a sa�de mental dessa popula��o.

“Quando a gente fala de respeitar nomes e pronomes, sobretudo de pessoas negras trans e travestis, � refor�ar ainda mais que essas pessoas tem nome e esse nome n�o � motivo de piada, n�o � motivo de brincadeira, � a exist�ncia dessa pessoa", defende Arthur. O jornalista refor�a que o nome � um direito b�sico e universal.
 
Uma  pesquisa, realizada em 2015 pelo N�cleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e pelo Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, constatou que 85,7% dos entrevistados  cogitaram ou tentaram o suic�dio. Na mesma linha de pesquisa, a Universidade da Calif�rnia, em Los Angeles, mostrou que a popula��o trans pensa 14 vezes mais em suic�dio se comparado � popula��o geral. 

Para mostrar o impacto da utiliza��o do nome social, o site  Journal of Adolescent Health  publicou uma pesquisa onde o foco era identificar os contextos onde os nomes eram aceitos. Os resultados mostram que quem pode usar o nome escolhido em mais ambientes tem at� 71% menos sintomas de depress�o, pensa 34% menos em suic�dio e tem 65% menos risco de tirar a pr�pria vida quando comparado aos entrevistados que s�o constantemente chamados de outras formas. 

“Respeita os nomes, respeita os pronomes, isso tem impacto gigantesco na sa�de mental das pessoas, porque � a ess�ncia dessa pessoa sendo respeitada, � a exist�ncia sendo respeitada”, conclui Arthur.
 
*Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz 

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