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Estado de Minas #PODCAST

Como os povos ciganos ajudaram a construir a identidade brasileira

Culin�ria, m�sica e festas t�picas: estudos mostram influ�ncias dos povos ciganos na constru��o da cultura brasileira, apesar de sofrerem apagamento hist�rico


29/07/2022 10:20 - atualizado 29/07/2022 10:25


O Brasil � conhecido pela sua miscigena��o e as influ�ncias de v�rios povos que migraram para o territ�rio nacional e ajudaram a construir o que hoje reconhecemos como identidade brasileira. Enquanto algumas refer�ncias culturais s�o exaltadas, outras sofrem apagamento, como � o caso da cultura cigana, que ajudou a moldar aspectos da m�sica, da dan�a e da culin�ria. 

Os primeiros registros de ciganos no Brasil s�o de 1574, quando o cigano Jo�o Torres, sua mulher e filhos foram degredados de Portugal para o Brasil. Em Minas Gerais, a presen�a cigana � notada a partir de 1718, vindos da Bahia, de onde chegaram deportados de Portugal.

Atualmente existem no Brasil tr�s grupos ciganos: os Rom, os Sinti e os Cal�n. Cada grupo possui l�ngua e costumes pr�prios. Dentro de cada grupo ainda � poss�vel existir subgrupos. Sendo assim, o correto � denomina-los como povos ciganos.

ilustração com vários elementos e cores das etnias ciganas
Atualmente existem no Brasil tr�s grupos ciganos: os Rom, os Sinti e os Cal�n (foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)


"H� muitos pontos comuns entre os povos ciganos que nos ligam e nos levam esse nome de cigano como gen�rico. Assim como os povos ind�genas s�o chamados de ind�genas, um leque de etnias, os povos ciganos s�o da mesma forma", explica Alu�zio de Azevedo, cigano da etnia Cal�n, jornalista e pesquisador das comunidades ciganas.

Presen�a cigana na cultura brasileira

Alu�zio explica que muito do que se acredita ser heran�a portuguesa �, na verdade, heran�a cigana Cal�n, que pode ser observada em diversos aspectos da sociedade nos dias de hoje.

Comidas muito tradicionais mineiras, como o feij�o tropeiro, galinhada e as carnes secas, s�o t�picas de culturas n�mades. "A pr�pria carne de porco, que � uma especialidade de todos os povos ciganos - n�o s� dos ciganos Cal�n, a� eu amplio para todos em todos os lugares do mundo -, � uma grande especialidade. E a comida mineira tem na base dela a carne de porco em todas as formas", conta Alu�zio. 

Foto em preto e branco de ciganos Rom presos em um campo de concentração nazista
Ciganos Rom presos em um campo de concentra��o nazista (foto: Holocaust Memorial Day Trust)


Na m�sica j� foram identificadas influ�ncias ciganas na moda de viola, por exemplo, mas tamb�m no sertanejo e at� mesmo no ritmo mais nacional de todos: o samba. Uma tese de doutorado do professor Samuel de Ara�jo comprova por meio de pesquisas, fotos, textos e relatos que os ciganos ajudaram na constru��o do samba. 

Al�m disso, na dan�a temos o exemplo da catira, uma dan�a que bate as botas no ritmo da m�sica, muito t�pica em Minas Geris e Goi�s, muito pr�xima do flamenco e dan�a espanhola, tamb�m de origem cigana.

Aluízio e sua família, ciganos Calón, em foto ao ar livre
Alu�zio e sua fam�lia, todos ciganos da etnia Cal�n (foto: Arquivo pessoal)


� poss�vel que tenham influ�ncias dos ciganos Cal�n tamb�m na tradicional festa junina. Alu�zio observa uma semelhan�a entre as Festas de Santo, muito comuns em comunidades ciganas, no casamento cigano e na festa junina. Os trajes usados na festa popular, tanto por homens quanto por mulheres - cinto, bota e chap�u para os homens e vestido rodado colorido e com fitas para as mulheres-, se parecem com roupas tradicionais da etnia Cal�n.

Al�m das comidas t�picas feitas de milho e a fogueira serem pontos muito presentes em casamentos ciganos, cerim�nia interpretada durante as quadrilhas juninas. 

retrato do Aluízio de Azevedo, jornalista e pesquisador
Alu�zio de Azevedo, cigano da etnia Cal�n, jornalista e pesquisador das comunidades ciganas (foto: Arquivo pessoal)


"Acredito que essas coisas foram todas apagadas ao longo da hist�ria e precisam vir � tona. Precisam ser reconhecidas. Porque n�s contribu�mos para hist�ria do Brasil, para a identidade nacional e n�s somos invisibilizados, nos livros did�ticos, dos curr�culos, dos livros de hist�ria. E quanto somos abordados � de uma forma preconceituosa", afirma Alu�zio.

O que � ser cigano?

"Ser cigano � nascer cigano. � uma origem �tnica, uma descend�ncia, se passa de pai para filho, m�e para filho, av�s para netos... n�o � uma coisa que voc� possa se tornar cigano, � uma coisa heredit�ria, ancestral", conta Alu�zio.

"Acredito que essas coisas foram todas apagadas ao longo da hist�ria e precisam vir � tona. Precisam ser reconhecidas. Porque n�s contribu�mos para hist�ria do Brasil, para a identidade nacional e n�s somos invisibilizados"

Alu�zio de Azevedo, cigano da etnia Cal�n, jornalista e pesquisador



Apesar das diferen�as culturais entre as tinias ciganos, com seus pr�prios costumes, l�ngua e vestimentas tradicionais, existem pontos em comum para que sejam considerados cigano. Aspectos com o nomadismo, morar em barracas, semelhan�as na forma tradicional de viver, na organiza��o familiar e na valoriza��o da fam�lia e do grupo est�o presentas nas tr�s etnias. Al�m disso, a persegui��o, o racismo e a exclus�o social tamb�m � comum a todos os povos ciganos. 

Origens dos povos ciganos

N�o � poss�vel tra�ar a origem dos povos ciganos at� sua forma��o, os primeiros registros datam do s�culo 10 e em Portugal h� registros do s�culo 15. "N�s n�o somos povos originalmente europeus, ali�s, h� uma d�vida quanto a essa origem. Se seria do Egito ou se seria da �ndia. A mem�ria oral cigana fala Egito, as pesquisas acad�micas falam �ndia: talvez as duas coisas. O fato � que n�o s�o povos europeus", afirma Alu�zio. 

Os Cal�n tiveram longa perman�ncia com a Pen�nsula Ib�rica, de onde vieram deportados para o Brasil durante quase 300 anos. Sendo assim, a l�ngua Cal� tem muita influ�ncia do portugu�s e do espanhol. Os povos Rom tem longa conviv�ncia com pa�ses do leste europeu, como Rom�nia e Cro�cia, e os Sinti est�o mais localizados na Europa Central, como Alemanha, It�lia e Fran�a.

Ciganos Calón em trajes tradicionais em área rural
Ciganos Cal�n em trajes tradicionais (foto: Arquivo pessoal)


Existe um tronco ancestral comum entre as l�nguas, como o latim est� para o portugu�s, espanhol, italiano e franc�s. Mas assim como ocorre com as l�nguas latinas, as diferen�as chegam ao ponto de serem completamente diferentes e um povo n�o entender a l�ngua do outro.

O ponto em comum � que todas s�o l�nguas apenas orais, n�o existindo na forma escrita. Costumes, hist�rias e conhecimentos no geral s�o passados oralmente para os mais novos. Nas sociedades itinerantes e sem registros escritos, como os povos ciganos, seus pr�prios corpos carregam as mem�rias atrav�s do tempo.

Os povos ciganos e o nomadismo

Um dos pontos mais relacionados aos povos ciganos, o nomadismo, est� fortemente relacionado � origem desses grupos, juntamente com a origem do preconceito e do racismo. V�rios pa�ses ditaram leis proibindo "ser cigano": proibindo falar as pr�prias l�nguas, de andar em bando e expulsando dos territ�rios.

Alu�zio conta que em Portugal, at� a d�cada de 2000, existia uma lei que proibia ciganos de fixarem um acampamento por mais de 72 horas no mesmo lugar, for�ando-os a seguir adiante. 

"O nomadismo foi mais uma condi��o social pol�tica, colocada pelos estados por onde n�s passamos. Mas tamb�m, ao logo do tempo, foi tanto nos dado isso que a gente acabou incorporando isso e transformando em uma quest�o cultural", explica Alu�zo.

Atualmente, mais de 80% dos ciganos brasileiros n�o s�o mais n�mades. S�o itinerantes. A itiner�ncia, diferentemente do nomadismo, tem uma rota pr�-estabelecida e um mesmo ponto de partida e de chegada.
 

Estere�tipos e preconceito

Existe um imagin�rio social comum de quando voc� fala que voc� � cigano as pessoas sempre colocam ciganos como perigosos, ladr�es ou trapaceiros. Ou ent�o quest�es ligadas ao misticismo: belas mulheres, leitura de m�o ou de bolas de cristal. 

Esse tem imagin�rio preconceituoso atravessa o racismo institucional e o pr�prio racismo estrutural. Hoje a maioria das comunidades ciganas est�o em uma situa��o de exclus�o social devido a essas leis persecut�rias e ao imagin�rio negativo que ainda persiste.

"O nomadismo foi mais uma condi��o social pol�tica, colocada pelos estados por onde n�s passamos. Mas tamb�m, ao logo do tempo, foi tanto nos dado isso que a gente acabou incorporando isso e transformando em uma quest�o cultural"

Alu�zio de Azevedo, cigano da etnia Cal�n, jornalista e pesquisador



"Por eu ter uma cor mais clara e n�o me vestir a l� cigana no dia a dia, eu tenho uma certa passabilidade. Mas quando eu digo que sou cigano, dependendo da pessoa os olhares come�am a mudar, elas se tornam mais vigilantes, vem sempre as piadinhas, as brincadeiras 'ah ent�o l� a minha m�o', ou ent�o 'cigano � tudo rico', 'dono do ouro'. Alguma coisa espiritual tamb�m aparece", diz Alu�zio.

Alu�zio ainda conta que quando vai a alguma loja com a m�e ou a av�, existe uma vigil�ncia das pessoas, como se esperassem serem roubadas, e afirma que essas situa��es s�o muito desgastantes. 

"Todos os produtos simb�licos e culturais acabam reproduzindo isso de alguma forma n�? Da� a import�ncia que a m�dia tem para poder combater esses estere�tipos, quebrar esse racismo, mostrar que n�s temos culturas valorosas, super antigas, com conhecimentos e inclusive reconhecidos como povos e comunidades tradicionais", aponta Alu�zio.

*Estagi�ria sob supervis�o do subeditor Rafael Alves

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