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Estado de Minas PRECONCEITO

Corpos dissidentes na est�tica: 'dona de cl�nica gorda? Nunca vi'

Profissionais da est�tica fora do padr�o relatam dificuldades ao lidar com pessoas que duvidam de seu trabalho por preconceito


06/09/2022 08:00 - atualizado 06/09/2022 18:07

Mulher branca de cabelos escuros com olhos fechados enquanto recebe um tratamento no rosto com uma máquina segurada por uma mão com luva de borracha
Corpos dissidentes de profissionais da est�tica t�m maiores chances de terem seu trabalho questionado (foto: Anna Shvets/Pexels)


Nas �ltimas semanas,  a empres�ria do ramo da est�tica, Marina Machado, tem recebido uma s�rie de ataques envolvendo seu corpo e seu trabalho de consultoria em Marketing para pessoas que tamb�m vendem est�tica. Ela e muitas de suas alunas relatam que, regularmente, encontram dificuldades ao realizar seu of�cio por possu�rem corpos dissidentes, fora do padr�o imposto pela sociedade – magro, esguio e sem marcas.

Recentemente, ao promover o an�ncio de um de seus cursos online em seu perfil nas redes sociais, o conte�do de Marina acabou chegando a uma rede de perfis falsos, que conduziram uma onda de ataques gordof�bicos. O ataque afetou n�o apenas sua autoestima, mas tamb�m seu trabalho, que opera principalmente na internet.
 
“Chegaram coment�rios como: ‘dona de cl�nica de est�tica gorda? Nunca vi uma coisa dessas’. Tive problemas que n�o s�o s� de fundo emocional. Foram tantos xingamentos nos meus an�ncios que o Facebook chegou a bloquear a minha conta por quatro dias”, afirma ela.

Com o choque, a empres�ria passou a questionar seus seguidores sobre a tem�tica, e se surpreendeu com a quantidade – e diversidade – de relatos de casos semelhantes ao seu. Do aumento de peso por conta do uso de antidepressivos a casos cr�nicos de vitiligo ou melasma, muitas de suas alunas relataram que possuem dificuldades – e at� chegaram a desistir do ramo – por seus corpos n�o serem a “vitrine ideal” de seus trabalhos.

Sociedade do consumo

Desde o in�cio do s�culo XXI, ideais capitalistas e neoliberais t�m tomado forma cada vez mais consistente, transformando quase tudo em mercadoria. Os corpos n�o escaparam dessa din�mica que, no Brasil, comp�e um dos mercados mais rent�veis e que mais cresceram nos �ltimos anos: o da est�tica.

"Eu tenho alopecia androgen�tica e tenho um sal�o de beleza. Sempre sofro preconceito disfar�ado"

Seguidora da p�gina Divando na Est�tica


Um relat�rio da Euromonitor revelou que o pa�s � o quarto maior mercado desse setor no mundo, ficando atr�s apenas dos EUA, da China e do Jap�o. At� mesmo durante a pandemia, o segmento conseguiu se manter ativo e crescente, com um aumento de 54% na demanda pela categoria de servi�os de beleza em 2020, segundo um levantamento da GetNinjas.

No entanto, com discursos que refor�am progressivamente o car�ter material dos corpos, a rela��o entre trabalho, corpo e mercadoria criou um cen�rio em que os pr�prios profissionais da est�tica se tornaram um produto de seu neg�cio. “Est�tica � sa�de emocional e f�sica. Estudamos muito para conseguir gerar resultados reais, mas o mercado est� adoecido e exige um corpo perfeito, sem respeitar as belezas reais”, explica Marina.

"J� me disseram que estar acima do peso e trabalhar com est�tica era como ser um dentista e ter dentes podres"

Seguidora da p�gina Divando na Est�tica


Um estudo publicado pela revista Nature em 2013 revelou que prestadores de servi�o com sobrepeso ou obesos podem ser alvos de maiores desconfian�as, al�m de terem menos credibilidade com seus pacientes, que se sentem menos inclinados a seguirem seus conselhos.

Preconceito na est�tica

Marina explica que h� preconceito mesmo em casos que envolvem a sa�de dos profissionais. Ela possui prolactinoma, um tipo de tumor benigno localizado na hip�fise que exige um tipo de medica��o que ret�m l�quidos e a deixa inchada, e conta que, quando gravou o v�deo do an�ncio, tinha tomado esse rem�dio.

“Se voc� me ver, vai perceber que eu n�o estou fora de um padr�o ‘normal’, e mesmo assim fui julgada. Naquele dia [da grava��o], o ser gorda, ou o n�o ser gorda, no meu caso, era uma quest�o de sa�de, e n�o porque n�o estudei para entregar um resultado diferente”, relata ela.

"Uma paciente disse para minha funcion�ria que eu n�o tinha como ser competente, sendo gorda assim"

Seguidora da p�gina Divando na Est�tica


Quando os coment�rios em seu v�deo estouraram, a empres�ria abriu uma caixa de perguntas em seus stories do Instagram para que seus seguidores pudessem compartilhar experi�ncias semelhantes � dela e expor a situa��o sem que fossem identificadas. “Cheguei a receber um relato de uma menina com vitiligo que n�o conseguia trabalhar com est�tica, por exemplo, na �rea facial de manchas. Ela tem uma doen�a, n�o � um desleixo ou um descuidado”, relata Marina.

“Eu engordei 11kg em seis meses por causa de medicamentos, e me falaram que preciso emagrecer porque tenho que ser exemplo [para minhas clientes], ou que devo parar com o rem�dio que uso para tratar depress�o e ansiedade para n�o engordar mais”, afirmou uma seguidora.


“Sou plus size e estou na est�tica h� 11 anos. Infelizmente, as pessoas julgam meu corpo, esquecem da minha capacidade profissional. Se eu quiser mudar, sei todos os caminhos, mas no momento me sinto bem assim, ent�o tenho que desconstruir isso todos os dias. Meu conhecimento est� no meu c�rebro, n�o no corpo que as pessoas idealizaram para mim. Obesidade � cr�nico, n�o � escolha. � dif�cil e n�o se trata s� de ‘vergonha na cara’”, respondeu outra aluna de Marina.

Vender belezas reais

Marina tamb�m relata casos de profissionais que fecharam suas cl�nicas porque se julgavam ‘acima do peso’ e n�o tinham coragem de vender tratamento est�tico corporal. “Como vou vender uma barriga zero, se eu n�o tenho barriga zero?”, questionavam suas alunas.

"Tenho melasma e sempre me perguntam como vou melhorar a pele das minhas clientes, se tenho manchas. Somos profissionais que muitos acham que devem ser perfeitos"

Seguidora da p�gina Divando na Est�tica


A empres�ria explica que cada pessoa tem um biotipo espec�fico, e que profissionais da est�tica estudam para que se atinja o maior potencial poss�vel de cada um. “�s vezes, eu j� tive um filho e precisei at� de uma cirurgia, mas a� j� n�o � mais o caso de um tratamento est�tico de cl�nica, e sim, cir�rgico”, diz ela.
 
“Essas profissionais estudaram, fizeram faculdade, p�s-gradua��o, se dedicaram, investiram em aparelhos, em t�cnicas, mas n�o conseguem vender por conta da press�o do mercado”, completa.

Para Marina, al�m da press�o est�tica que parte da sociedade e do mercado, a presen�a de cl�nicas no dia a dia das pessoas tamb�m � um fator que pode interferir na autoestima. “Em toda esquina, nos shoppings, voc� vai ver uma cl�nica que vai pregar o corpo perfeito. E voc� n�o trabalha com a beleza real, voc� trabalha com a beleza intang�vel. J� at� falei com minhas alunas: ‘Gente, o banner que voc�s t�m a�, com mulheres perfeitas, tira isso e come�a a contar hist�rias reais de corpos reais’. Isso, sim, vai ajudar as pessoas a conquistarem a melhor vers�o delas mesmas, e n�o a vers�o da artista da capa de revista”, afirma ela.

"Hoje, eu brigo para levantar a bandeira da Est�tica Humanizada, que olha tanto para o profissional, quanto para o paciente que ir� se entregar aos cuidados dessas pessoas"

Marina Machado


A empres�ria recomenda vender o real para um futuro mais saud�vel e refor�a o sentimento de frustra��o que a m�dia da est�tica perfeita causa. “Se voc� vai vender est�tica, venda uma est�tica real, n�o venda uma mentira; um p�ster de uma mulher com uma barriga que � [feita com] Photoshop; ou ent�o o rosto perfeito do Instagram. Isso acaba gerando nas pessoas que s�o consumidoras de est�tica uma busca por uma perfei��o inexistente. Cada vez mais, as mulheres reais estar�o frustradas com os pr�prios corpos e com nossos tratamentos”, pontua.
 
 *Estagi�ria sob a supervis�o de M�rcia Maria Cruz 

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