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Estado de Minas DIVERSIDADE

Como jovem com fam�lias branca e negra e um festival de m�sica ati�aram guerra por direitos trans

Rebecca Walker acabou lan�ando as bases da terceira onda feminista - que tinha vis�o inclusiva de transsexuais; mas festival frequentado exclusivamente por mulheres nos EUA colocou em cheque essa vis�o.


26/09/2022 06:05 - atualizado 26/09/2022 08:59


A pequena Rebecca no colo dos pais, Alice Walker e Melvyn Leventhal
Rebecca Walker, fotografada ao lado dos pais, iria puxar a terceira onda do feminismo (foto: Getty Images)

Uma garotinha criada de forma n�o convencional na d�cada de 1970, nos Estados Unidos, mudaria de maneira profunda a face do feminismo dos anos 1990 em diante — e desempenhando um papel importante na luta pelos direitos das mulheres trans.

Estamos falando da escritora Rebecca Walker, que declarou a chamada terceira onda do feminismo — que viria a desafiar vis�es discriminat�rias dentro do movimento em rela��o �s mulheres trans.

Uma guerra cultural que ainda reverbera com for�a — e travou uma de suas batalhas mais emblem�ticas nos anos 1990 durante o Michfest, um festival s� para mulheres no Estado americano de Michigan, que expulsou uma frequentadora trans.

Esta hist�ria � contada no quarto epis�dio do podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais, da BBC News Brasil. Trata-se de uma adapta��o em portugu�s da s�rie em ingl�s Things Fell Apart, da R�dio 4, da BBC, escrita e apresentada pelo autor e jornalista anglo-americano Jon Ronson.

No quarto epis�dio (chamado Muitas Vidas Diferentes), Ronson entrevista Rebecca Walker e outras personagens envolvidas nesta guerra cultural, como Nancy Burkholder, a mulher trans que foi expulsa do Michfest sob o argumento de que o festival era s� para "mulheres nascidas mulheres".

A inf�ncia dividida de Rebecca

Filha de um casal inter-racial, a escritora Rebecca Walker nasceu em 1969 em um hospital n�o-segregado em Jackson, no Estado americano do Mississippi — um lugar em que beb�s mesti�os eram pouco comuns.

"Quando as enfermeiras entraram com minha certid�o de nascimento, na margem perto de (onde estava escrito) "ra�a da m�e: negra, ra�a do pai: branca" havia um ponto de interroga��o e uma pergunta: 'T� certo isso?'", diz Rebecca em entrevista ao podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.


Rebecca Walker em 2019
'A gente definitivamente lutou por direitos trans', diz Rebecca, hoje com 52 anos (foto: Tibrina Hobson/Getty Images)

Filha da autora Alice Walker, que mais tarde escreveria A Cor P�rpura, e do advogado judeu Melvyn Leventhal, ela conta que os pais eram ativistas na luta pelos direitos civis americanos.

"Com a minha cria��o, eles queriam estabelecer um modelo em que a humanidade de cada ser humano — e n�o sua ra�a — estivesse no centro da quest�o."

Eles queriam ser exemplos vivos de uma fam�lia inter-racial bem-sucedida em um estado racista do sul americano. E Rebecca, por sua pr�pria exist�ncia, iria personificar esses ideais.

Mas, quando ela tinha sete anos, eles se divorciaram.

"Meu mundo realmente se despeda�ou. Eles criaram esse acordo de guarda maluco. Ela se mudou para San Francisco, ele se mudou para a capital, Washington."

E a pequena Rebecca passou a se revezar, a cada dois anos, entre a casa de sua fam�lia branca e sua fam�lia negra.

"Comecei a ter uma exist�ncia muito dividida. Os dois acabaram voltando para suas respectivas culturas. Meu pai se casou com uma boa mo�a judia do acampamento de ver�o, e minha m�e arrumou como companheiro um intelectual afro-americano que foi colega de faculdade dela. Foi muito dif�cil."

Ao oito anos, ela lembra da discrimina��o que sofreu ao fazer um teste para um papel na pe�a M�gico de Oz, enquanto estudava em uma escola predominantemente branca.

"Acabei pegando o papel da Bruxa M� do Oeste. Nunca me consideraram para o papel de Dorothy porque eu n�o era branca. Como uma menina negra, eu j� era vista em um contexto negativo", afirma.


Betty Friedan em esntrevista coletiva à imprensa, 25 de agosto de 1970
Betty Friedan lan�ou a segunda onda do feminismo em 1963 com o livro 'A M�stica Feminina', que combatia ideia de que as mulheres deveriam apenas cuidar de suas casas, filhos e maridos (foto: Bettmann/Getty)

Por outro lado, enquanto estava com sua fam�lia negra, tamb�m n�o se sentia totalmente inclu�da. Ela recorda de ser chamada pelos primos de cracker (forma depreciativa de se referir a uma pessoa branca).

"Eles eram bem mais tolerantes em geral, mas com certeza houve momentos em que meus parentes negros reparavam na minha branquitude."

Como Rebecca escreveu em seu livro Black, White and Jewish ("Negra, Branca e Judia", em tradu��o livre), ela ia de um mundo a outro, como se fossem planetas diferentes.

A divis�o no movimento feminista

Em poucos anos, esta experi�ncia �nica iria inspir�-la a fazer algo extraordin�rio dentro do movimento feminista. Mas a cria��o pouco convencional n�o foi sua �nica fonte de inspira��o. Ela tamb�m era afilhada da l�der feminista Gloria Steinem, cofundadora da revista Ms..

"Fui criada nos escrit�rios da revista Ms., a revista para mulheres que era t�o radical e revolucion�ria e intr�nseca ao movimento das mulheres", revela.

A revista tinha surgido com a segunda onda do feminismo — que havia come�ado em 1963 com o livro A M�stica Feminina, de Betty Friedan, que combatia a ideia de que as mulheres deveriam apenas cuidar de suas casas, filhos e maridos.


'Women's Strike For Equality', protesto organizado pela National Organization for Women, em Nova York, em 26 de agosto de 1970
A segunda onda feminista foi marcada por protestos e conquistas, como o direito ao aborto em todos os estados americanos (recentemente revogado) (foto: Bob Parent/Getty Images)

Ao colocar o desconforto das mulheres em palavras, Friedan come�ou uma revolu��o. Suas leitoras rec�m-galvanizadas come�aram a protestar, pedindo mudan�as e demandando direitos iguais.

A segunda onda do feminismo foi poderosa. Houve protestos contra concursos de beleza e contra a revista Playboy, al�m de manifesta��es contra viol�ncia dom�stica. E foram obtidas algumas importantes vit�rias, como a decis�o do caso Roe x Wade na Suprema Corte em 1973, que concedeu �s mulheres o direito ao aborto em todos os estados americanos — e que recentemente foi revogada.

Mas, na �poca em que Rebecca frequentava a reda��o da revista Ms., no fim dos anos 1980, o feminismo passava por uma fase complicada.

"Eu tinha sido criada em uma comunidade muito feminista,, de uma maneira diferente de muitas das minhas colegas da �poca. E elas tinham muita resist�ncia ao feminismo, ningu�m queria ser chamada de feminista", diz ela.

"A propaganda contra o feminismo na �poca era incrivelmente forte. As feministas eram todas vistas como odiadoras de homens, l�sbicas, mulheres que n�o depilavam as pernas."

Na verdade, quando Rebecca estava no final da adolesc�ncia, algumas mulheres tinham come�ado a se chamar p�s-feministas.

E como se n�o bastasse, tamb�m havia grandes cis�es dentro do movimento — com a percep��o de que estava sob o dom�nio de mulheres brancas heterossexuais e ricas.

"Mulheres n�o-brancas se sentiam exclu�das do movimento feminista. E havia muita pol�mica em torno da inclus�o das l�sbicas, se elas poderiam desestabilizar a causa", explica a escritora.

'Eu sou a terceira onda'

Mas Rebecca via as coisas de outra maneira. Tendo crescido com a experi�ncia de dois mundos completamente diferentes, ela achava que o movimento podia ser algo bem mais abrangente, mais ciente dos diferentes tipos de injusti�a.


Rebecca Walker, aos 24 anos
Em 1992, aos 21 anos, Rebecca deu in�cio a uma nova onda feminista (foto: JERRY HOLT/Star Tribune via Getty Images)

Da maneira como ela via, uma mulher heterossexual poderia ser v�tima de misoginia, enquanto uma mulher l�sbica poderia ser v�tima de misoginia e homofobia. E o movimento deveria lidar com os dois tipos de preconceito, porque as dificuldades impostas aos grupos se cruzavam — ou melhor, se interseccionavam.

Na �poca, Kimberl� Crenshaw, professora de direito na Universidade da Calif�rnia em Los Angeles, estava cunhando um termo que consolidou esta ideia. O feminismo, conforme as duas concordavam, deveria ser "interseccional".

"Meu projeto se tornou como podemos permitir a essa gera��o redefinir o que � o movimento? Porque estamos perdendo uma gera��o", conta Rebecca.

"Escrevi ent�o um artigo na revista Ms. bastante emocionado. A �ltima linha diz que n�o sou uma feminista p�s-feminista. Eu sou a terceira onda. Sou a nova vers�o das guerreiras do movimento."

Foi assim que, em 1992, aos 21 anos, Rebecca deu in�cio a uma nova onda feminista — a terceira onda.

"Aquele artigo come�ou o movimento. As pessoas escreveram centenas de cartas. Eram cartas de mulheres e homens jovens de todo o pa�s que diziam: Sim, n�s somos a terceira onda tamb�m", relembra.

A agita��o come�ou logo depois de Rebecca publicar seu artigo. Pessoas que pensavam como ela agora tinham um guarda-chuva para ficar debaixo, para repensar princ�pios at� ent�o sacrossantos da segunda onda. A maneira como as mulheres deveriam encarar a pornografia, por exemplo.

"Havia um sentimento no meu grupo de que a sexualidade livre tinha sido castrada pela segunda onda, ent�o havia uma esp�cie de clamor por mais liberdade e prazer dentro da terceira onda", explica.

A inclus�o de mulheres trans

E da fil�sofa americana Judith Butler, um dos principais expoentes da terceira onda feminista, veio um clamor para repensar as categorias de g�nero como um todo.

"A gente definitivamente lutou por direitos trans. Havia muito mais julgamento contra mulheres trans na segunda onda. A gente era muito favor�vel a pessoas trans", diz Rebecca.


A filósofa Judith Butler em 2018
Judith Butler � uma das principais refer�ncias em estudos de g�nero (foto: Paco Freire/SOPA Images/LightRocket via Getty Imag)

A partir da ideia de Simone De Beauvoir de que "n�o se nasce mulher, torna-se mulher", Butler argumentou que a identidade de g�nero n�o est� vinculada �s caracter�sticas f�sicas biol�gicas, mas surge a partir das normas sociais.

Na vis�o dela, as pessoas poderiam se libertar dessas normas — tendo liberdade de express�o de g�nero.

E, por consequ�ncia, o feminismo interseccional significava abrir a categoria "mulher" para muito mais gente.

MichFest, um festival s� para mulheres...

Numa noite de ver�o de 1991, na zona rural de Michigan, sua ideia estava prestes a ser testada.

Todos ano, havia um evento em que, apesar das tens�es geracionais do movimento feminista, todo mundo tendia a se dar bem: o MichFest — o Festival da Mulher de Michigan.

Ao longo de uma semana, milhares de mulheres de todas as proced�ncias acampavam em uma �rea cercada por florestas, faziam as refei��es juntas, participavam de oficinas e ouviam bandas formadas s� por mulheres tocar.

O Michfest era uma sociedade multigeracional e multicultural — um acampamento constru�do por mulheres, para mulheres.

Rebecca e sua m�e Alice participavam, assim como Bonnie Morris, historiadora especializada em estudos sobre as mulheres.

"Foi um dos primeiros lugares onde as mulheres se sentiram seguras para tirar suas blusas. Ent�o voc� chegava nesse lindo ambiente rural com os morros cobertos de amazonas sem camisa — mulheres de todas as cores, formas, idades e tamanhos. Eu rapidamente tirei minha pr�pria blusa. Corri pelos morros, descal�a, me sentindo forte", conta Bonnie em entrevista ao podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.

"Havia mulheres que s� queriam curtir, flertar — e outras ocupadas fazendo planos para derrubar o patriarcado e implementar o poder das mulheres. Havia uma gama de oficinas, de como combater o racismo a como lidar com o abuso de mulheres."

"E est�vamos todas cobertas de lama, alegremente dan�ando na chuva. E toda noite havia estrelas cadentes e beleza. Ent�o, havia uma sensa��o de seguran�a", diz ela.

... mas s� 'mulheres que nasceram mulheres'

Entre as participantes do festival, tamb�m estava a americana Nancy Burkholder, uma mulher trans.

Ela conta que se descobriu como trans quando tinha 28 anos — quando n�o conseguia mais suprimir a vontade de ser mulher.

"Pela primeira vez na minha vida, fui fazer terapia. E minhas primeiras palavras para ela foram: Eu quero ser uma garota. Simplesmente saiu. �quela altura, eu apenas disse: J� chega, n�o vou viver o resto da minha vida desse jeito", conta Nancy em entrevista ao podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.

Dois anos depois, em 1983, ela fez uma cirurgia de redesigna��o de g�nero. E, sete anos depois, viajou 30 horas acompanhada da amiga Laura para se juntar a milhares de mulheres no MichFest.

"A gente se divertiu muito", diz Nancy.

"A gente se sentia totalmente segura... voc� estava cercada de mulheres e de energia de mulheres. Toda a psique do lugar fazia a gente se sentir muito confort�vel — sentada perto de algu�m, n�o importando se voc� est� nua ou sem blusa ou o que for, � parte de estar ali. As conversas… tudo parecia apenas como estar fazendo parte de um grupo de pessoas com quem voc� tem muito em comum."

Elas se divertiram tanto que voltaram no ano seguinte.

Mas desta vez, logo na primeira noite, algo inesperado aconteceu. Nancy foi abordada por duas mulheres — e compartilhou no podcast o di�logo que se deu na sequ�ncia:

"A primeira coisa que essas pessoas disseram para mim foi: 'Voc� sabe que o festival de mulheres de Michigan � s� para mulheres'. E eu digo: Sim. E da� ela me pergunta: 'Voc� � uma mulher?' Eu digo: Sim. E ela me pergunta se eu sou transexual. E eu digo: Bom, meu hist�rico m�dico n�o � da sua conta, eu tenho uma carteira de motorista, eu tenho certid�o de nascimento. Sou legalmente mulher como qualquer outra mulher."

"Mas ent�o ela disse: 'Bom, Michigan � s� para mulheres que nasceram mulheres e voc� tem que ir embora.. Voc� tem que sair, tem que sair agora'."

Passava da meia-noite quando Nancy foi expulsa do festival.

"Comecei a sentir tipo uma devasta��o dentro de mim, tipo 'n�o consigo acreditar no que est� acontecendo'."

"A Laura voltou, pegamos o carro e fomos embora por volta de uma e meia da manh�, eles tinham pago para ficarmos em um quarto de motel a mais de 15 quil�metros de dist�ncia. Na manh� seguinte, reservei duas passagens para voar de volta pra New Hampshire", relembra.

Na volta, Nancy publicou um artigo de opini�o no Bay Windows, um jornal LGBT de Boston. E, de acordo com seu relato, n�o havia nada nos materiais impressos do festival que indicassem que mulheres trans n�o eram bem-vindas.


Capa do jornal TransSisters, que mostra fotografia do Camp Trans - Gabriel, Davina Anne, and Skyclad Publishing Co.. 'TransSisters: The Journal of Transsexual Feminism No. 7 (Winter 1995).' Periodical. 1995. Digital Transgender Archive
Capa do jornal TransSisters, que mostra fotografia do Camp Trans (foto: Davina Anne Gabriel e Skyclad Publishing Co/Digita)

Quando ela disse para a mulher que a expulsava "que havia outras trans no festival", ela reconheceu que era verdade. E acrescentou: "A gente n�o pegou elas ainda. Mas a gente pegou voc�".

"Quem tem o ouro faz as regras, e acho que no ano seguinte colocaram algo sobre 'mulheres nascidas mulheres' no material do festival. E todas sab�amos que esse era um c�digo para dizer que pessoas trans n�o eram bem-vindas", diz Nancy.

Os organizadores do MichFest afirmaram que, embora o festival fosse para mulheres nascidas mulheres, eles n�o tinham o h�bito de ficar perguntando qual era o g�nero das pessoas — e que Nancy foi a �nica mulher trans expulsa da propriedade na hist�ria do festival.

Um ano depois, em 1992, uma amiga de Nancy foi ao MichFest e fez uma pesquisa informal. Segundo ela, 75% das mulheres com quem tinha conversado disseram que teriam ficado felizes com a presen�a de Nancy.

Camp trans, um acampamento de protesto

Ent�o, no ano seguinte, Nancy voltou. Desta vez, para o terreno do outro lado da estrada, onde ela e algumas amigas trans e da terceira onda feminista montaram um acampamento.

"Havia talvez 10 ou 15 pessoas ali reunidas. A gente tinha uma mesa com publica��es, t�nhamos cartazes e convidamos as pessoas de Michigan para se juntarem a n�s. Voltamos no ano seguinte e fizemos a mesma coisa outra vez."

Elas chamaram o evento de Camp Trans — e centenas de mulheres sa�am do Michfest para levar comida, �gua e flores para elas.

"Lembro de mulheres saindo e dizendo 'obrigado por fazer isso, voc� me ajudou a enxergar um outro ponto de vista', havia muito valor nisso."

Talvez a maior conquista do Camp Trans tenha sido em 1995, quando, com a ben��o do MichFest, elas entraram na propriedade acompanhadas por algumas amigas l�sbicas.

O encontro que aconteceu na sequ�ncia se tornou lend�rio nos c�rculos trans, conforme documentado no curta-metragem Camp Trans, de Rhys Ernst.

Mas Nancy n�o estava entre elas naquela noite. Ela havia deixado o Camp Trans um ano antes. Em parte, por causa das diverg�ncias que vinham fermentando ali.

"Dentro do nosso pr�prio grupo, havia pessoas que estavam dizendo que dever�amos estar fazendo campanha para transexuais que n�o haviam feito a cirurgia (de redesigna��o de g�nero) estarem em Michigan."

O argumento era que mulheres trans como Nancy eram privilegiadas — ela tinha como pagar a cirurgia. Mas e as mulheres trans que n�o tinham condi��es? Elas n�o deveriam ser autorizadas a entrar no MichFest?

"E eu n�o estava confort�vel com isso. S� de aparecer em um espa�o para mulheres com sensibilidade agu�ada com um p�nis seria incrivelmente perturbador para as pessoas. A vis�o de um p�nis pode ser muito desconcertante, para mim �, eu tive um por muitos anos. Ent�o, havia um ponto de divis�o dentro do nosso pr�prio grupo. E, �quela altura, foi o �ltimo envolvimento que tivemos", explica Nancy.

Ou seja, tanto entre as ativistas do Camp Trans, como entre as frequentadoras do MichFest, havia diverg�ncias e di�logo. E talvez uma base para constru��o.

A origem n�o-ofensiva da express�o 'TERF'

Mas todas essas nuances n�o s�o claras. � s� perguntar para a blogueira feminista Viv Smythe.

"Em 2008, o MichFest entrou em contato comigo para pedir ajuda na promo��o do festival. E eu fiz isso. Depois disso, passei a receber v�rios emails furiosos com o fato de que o MichFest n�o permitia que mulheres trans frequentassem o festival porque era para mulheres que nasceram mulheres. Ent�o foi meio constrangedor. E eu aprendi muito falando com v�rias pessoas, incluindo algumas que eram apoiadoras do MichFest. E elas n�o aceitavam serem chamadas de transf�bicas", conta Viv em entrevista ao podcast As Estranhas Origens das Guerras Culturais.

Ela precisava achar ent�o um termo para descrever no blog as mulheres do MichFest que queriam excluir as mulheres trans. E decidiu fazer uma consulta privada com cerca de uma d�zia de mulheres — algumas feministas interseccionais, outras feministas radicais e algumas poucas mulheres trans.

"Foi ent�o que chegamos � express�o 'feminista radical transexcludente', que depois foi abreviada para a sigla em ingl�s TERF."

A inten��o, segundo ela, estava longe de ser um insulto.

"Acho que a primeira vez em que me toquei que o termo vinha sendo usado como forma de agress�o ou insulto foi quando vi cenas de um v�deo, acho que feito em Londres... de protestos pr� e contra direitos trans."

O conflito era sobre como as pessoas trans deveriam ser reconhecidas por lei no Reino Unido. Atualmente, voc� precisa ter mais de 18 anos e provar a m�dicos que viveu em seu g�nero de prefer�ncia por dois anos. Se eles concordarem em te diagnosticar como tendo disforia de g�nero, ent�o sua certid�o de nascimento pode ser alterada.

Mas ativistas trans queriam que estes obst�culos fossem eliminados — e que as pessoas pudessem simplesmente autodeterminar sua identidade de g�nero.

"Acabou havendo um conflito. E houve viol�ncia. E foi tudo realmente bastante acalorado."

"Isso n�o era o que nenhuma de n�s, que est�vamos tentando ter um di�logo razoavelmente respeitoso em 2008, queria que acontecesse com essa palavra", esclarece Viv.

O MichFest encerrou suas atividades em 2015. Por um lado, por motivos financeiros e, por outro, devido ao barulho e aos boicotes, segundo Bonnie, historiadora e devota do festival.

"A essa altura, Michigan tinha se tornado um s�mbolo de exclus�o, e n�o uma inova��o maravilhosa e radical de mulheres que n�o tinham outras alternativas", afirma.

Nos �ltimos anos, algumas pessoas v�m dizendo que a terceira onda do feminismo est� se transformando na quarta onda, influenciada sobretudo pelo ativismo das redes sociais.

Ronson pergunta a Rebecca no podcast se ela tem algum conselho para dar � pr�xima gera��o de guerreiras do movimento.

"Todo movimento social � fundamentalmente um experimento. E eu acho que todos os experimentos precisam ser rigorosamente avaliados. Se eles estiverem criando o resultado que tinham inten��o de criar, ent�o podemos seguir em frente com rapidez."

Neste exato momento, em meio � toda a pol�mica em torno dos direitos trans, pode parecer que o tom do debate est� sendo dado por algumas poucas pessoas de cada lado, trazendo � tona as piores maneiras (e mais nocivas) de difamar seus oponentes.

No in�cio dos anos 1990, Nancy apoiava totalmente o ativismo e a constru��o de pontes no Camp Trans. Mas ela diz que n�o tem mais est�mago para lidar com todas as posi��es inflex�veis que fazem com que ela se afaste — e decidiu ficar totalmente fora desta guerra.

"Comecei a simplesmente viver minha vida. Aqueles dois grupos, trans e feministas, eles que briguem o quanto quiserem. Eu vou ficar sentada na arquibancada, comendo pipoca."

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