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Estado de Minas RELIGI�O E DIVERSIDADE

S�o Benedito: de religioso discriminado por ser negro a santo que 'n�o deixa faltar comida' em casa

Filho de africanos escravizados, Benedito Massarari (1524 ou 1526-1589) ingressou na vida religiosa mas nunca foi ordenado padre. O motivo seria a cor de sua pele. Mesmo assim, ele acabaria se tornando santo: S�o Benedito.


05/10/2022 05:24 - atualizado 05/10/2022 13:00
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Imagem de São Benedito em preto e branco e em papel envelhecido
Imagem de S�o Benedito, autor desconhecido, s�culo 18 (foto: Dom�nio p�blico)

Filho de africanos escravizados, provavelmente et�opes, Benedito Massarari (1524 ou 1526-1589) ingressou na vida religiosa mas nunca foi ordenado padre. O motivo seria a cor de sua pele.

Mesmo assim, por conta de sua atua��o, sobretudo junto a frades franciscanos em Palermo, na Sic�lia, hoje It�lia, ele acabaria se tornando santo. S�o Benedito, tamb�m chamado pelos ep�tetos de "o Mouro", "o Negro" e "o Africano".

"Ele � considerado, no catolicismo p�s-tridentino [ap�s o Conc�lio de Trento, ocorrido entre 1545 e 1563], com todas as regras de canoniza��o oficiais da Igreja, o primeiro santo negro, canonizado segundo os tr�mites legais de todo o processo can�nico", enfatiza frei Alvaci Mendes da Luz, historiador cujo mestrado foi sobre a irmandade de S�o Benedito da cidade de S�o Paulo e autor do livro Um Preto no Altar: Resist�ncia e Protagonismo em um Territ�rio de Disputas, com lan�amento previsto para novembro.

Mas, como o pr�prio historiador enfatiza, pouco se sabe sobre a inf�ncia e a vida desse santo, antes de seu ingresso no exerc�cio religioso. Ele nasceu na pequena cidade de San Fratello, na Sic�lia, e, de acordo com o historiador, mesmo filho de escravizados teria recebido a liberdade.

Autor de Os Santos de Cada Dia, o escritor e pesquisador J. Alves, membro da Academia Brasileira de Hagiologia, conta que Benedito era um dos tr�s filhos de Crist�v�o e Diana, crist�os et�opes escravizados por uma fam�lia siciliana cat�lica.

Quando completou 18 anos foi "alforriado, ganhando a condi��o de homem livre", afirma Alves. Passou a ganhar a vida como pequeno pecuarista. At� que ouviu um chamado: "� Benedito, de outro arado mais agudo necessitas, porque outra terra mais dura tens ainda que lavrar. Vende, pois, esta junta de bois e este arado e vem comigo!"

"Foi o que fez", narra Alves. "Vendeu o arado e a junta de bois que possu�a. Distribuiu o dinheiro aos pobres e tornou-se eremita, submetendo-se �s mais rigorosas penit�ncias na solid�o das cavernas. Logo sua fama de homem misericordioso e compassivo se espalhou na regi�o."

Impedido de se tornar padre

"Primeiro, ele se filiou a um grupo de eremitas franciscanos na regi�o de Palermo. Depois de um tempo, acabou se juntando a um convento franciscano da regi�o, de uma ramifica��o muito pequena", pontua Luz. "Construiu sua hist�ria no convento de Santa Maria de Jesus de Palermo, onde ficou at� morrer."

Segundo o pesquisador Jos� Lu�s Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor na Universidade Estadual Vale do Acara�, no Cear�, a transi��o de eremita para frade conventual se deu quando Benedito tinha 21 anos. Mas h� vers�es que afirmam que isso teria ocorrido mais tarde — Alves fala que foi quando o santo j� tinha 38 anos.

Mesmo tendo passado a vida toda no servi�o que abra�ou, Benedito seguiu sem nunca ter sido ordenado sacerdote. Conforme explica o historiador Luz, isto tinha um motivo: a discrimina��o racial.

"Ele n�o se tornou padre porque isso n�o era permitido a homens negros", afirma. "No convento, assumiu diversas fun��es, sempre de forma simples, como homem simples. A cor da pele definia os crit�rios para ascens�o social ou n�o, ele era um homem negro e tamb�m no convento existia essa estratifica��o social."

"No convento ele sempre teve fun��es mais, digamos, 'subalternas', fazendo por exemplo trabalhos manuais. Durante muito tempo ele foi cozinheiro, tamb�m trabalhou como o irm�o encarregado da portaria… Mais no fim da vida ele adquiriu o status de guardi�o, de superior daquele convento", conta Luz.

O historiador aponta que isso era algo "muito raro", tanto pelo fato de ele ser negro quanto pelo fato de ele n�o ser padre. Lira acrescenta que ele foi "eleito superior do convento, apesar de nunca ter tido estudo formal e apesar de ser analfabeto" e isso tudo teria acontecido por conta de "sua sabedoria e santidade."

O amado cozinheiro

"Cozinheiro e analfabeto, a todos surpreendia com sua sabedoria e o dom da profecia", diz Alves. "Sua confian�a em Deus era t�o profunda que, com apenas o sinal da cruz, curava os enfermos, fazia os mortos reviverem e multiplicava os alimentos, para saciar a fome dos pobres. Foi superior do convento em 1587. Mais tarde, vig�rio conventual e mestre de novi�os. Cumpridos esses of�cios, voltou � cozinha e cozinheiro morreu."


Pesquisador Lira, na Sicília, em frente a estátua em honra a São Benedito em praça sob dia ensolarado
Pesquisador Lira, na Sic�lia, em frente a est�tua em honra a S�o Benedito (foto: Arquivo Pessoal)

"[Ao longo da vida,] S�o Benedito exerceu v�rios of�cios: cuidava da sacristia, da portaria, da limpeza, da lavanderia e da cozinha", acrescenta Alves. "De todos, o de cozinhar � o mais lembrado pela tradi��o popular, que afirma que que o santo transformou a cozinha do convento em um lugar sagrado, em que as refei��es tinham um indescrit�vel toque de m�os de anjo e o segredo da multiplica��o. S�o muitos os relatos edificantes que o enaltece como prodigioso cozinheiro."

Em meio "�s panelas ferventes e �s cubas cheias de lou�as", Benedito sempre agia com determina��o e cuidado. "No seu tempo, o of�cio de cozinheiro n�o tinha o glamour dos grandes chefs", ressalta Alves. "Ser cozinheiro era um trabalho destinado a criados e servos."

E foi por causa dessa atua��o como cozinheiro que, por tradi��o, muitos cat�licos passaram a colocar uma imagem do santo negro na cozinha. E, para quem acredita, S�o Benedito � o que jamais deixa faltar comida na mesa.

"Muitos prod�gios s�o atribu�dos a ele", explica Alves. "Por v�rias vezes, os alimentos se multiplicavam milagrosamente, para que nenhum pobre deixasse as portas do convento sem ser atendido. Quantas vezes ordenara ele que dessem aos pobres todo o p�o que havia nos cestos, que a provid�ncia divina haveria de achar um meio de socorr�-los? At� hoje, em muitas casas, conserva-se o costume de colocar a imagem de S�o Benedito na cozinha, para que n�o falte � fam�lia o alimento necess�rio."

Sincretismo � brasileira


Xícara de café em cima da mesa
No Brasil, h� a tradi��o de deixar um caf� para S�o Benedito (foto: Getty Images)

No Brasil, essa propriedade de santo que n�o deixa faltar alimento ganhou contornos pr�prios em meio ao cen�rio de sincretismo religioso. "Ele foi um irm�o cozinheiro, ent�o h� toda a rela��o de S�o Benedito com o pedido de prosperidade, para que n�o falte comida nas casas", comenta Luz. "E para que n�o falte caf�, por isso h� o costume popular de deixar um cafezinho para a imagem do santo no orat�rio da casa."

O historiador conta que a figura acabou tamb�m apropriada pelas religi�es de matriz africana. "Na umbanda, ele � o preto velho. E tamb�m h� uma rela��o de S�o Benedito com os orix�s", pontua. Tanto na umbanda como no candombl�, ele � o orix� Ossain, da cura.

Mas h� uma hist�ria curiosa que exemplifica bem como a tradi��o de rezar para S�o Benedito se transformou no Brasil: a data de sua festa. Segundo o Vaticano, o dia do santo � 4 de abril, que foi quando ele teria morrido.

� nessa data que est� registrada a sua pequena sinopse hagiogr�fica no 'Martirol�gio Romano', o livro oficial dos santos. "Em Palermo, na Sic�lia, regi�o da It�lia, S�o Bento Massarari, chamado 'o Negro' por causa da cor da pele, que foi eremita e depois religioso na Ordem dos Frades Menores, sempre humilde em todas as circunst�ncias e cheio de confian�a na divina provid�ncia", diz o texto.

Mas no Brasil, a festa em honra a S�o Benedito ocorre em 5 de outubro. "A data foi escolhida pela CNBB [a Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil], nos anos 1980", conta Luz.

� um fen�meno decorrente do sincretismo e de como S�o Benedito acabou sendo abra�ado pelos cat�licos negros. "Em nossa heran�a colonial, muitas festas foram dedicadas a esse santo, como congadas, cavalhadas, marujadas, catumbis e mo�ambiques, festas mais populares do que religiosas", diz o historiador.

Essas festas eram a maneira como cat�licos negros buscavam ecoar, a seu modo, as datas mais importantes do calend�rio lit�rgico cat�lico, como a P�scoa e o Natal. "Mas eram sempre nos dias seguintes, porque negros n�o podiam celebrar junto com os brancos nas igrejas", contextualiza Luz. "Por exemplo: a P�scoa dos negros era na segunda-feira depois do domingo de P�scoa."

Como S�o Benedito era figura cativa de todos esses festejos, cada regi�o do pa�s passou a adotar uma data do ano para honrar sua mem�ria. De acordo com o historiador, a CNBB aceitou essa peculiaridade, mas decidiu unificar as datas em uma: o 5 de outubro.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63126615

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