"Minha gravidez foi um baque, mas o Beb� a Bordo abriu uma porta". Aos 18 anos, Elida Santos � m�e de Bryan Murilo, de 4 anos, e de Maria Elisa, de 3. Moradora de Santa Rosa de Lima, em Sergipe, ela ficou gr�vida pela primeira vez aos 14 anos. No Centro de Excel�ncia Dr. Ed�lzio Vieira de Melo, ela teve apoio para continuar os estudos sem ter de se distanciar dos filhos. A escola da cidade de 4 mil habitantes � o ber�o do projeto Beb� a Bordo.
Elida participou da turma de estreia desse programa de acolhimento de jovens m�es e seus filhos, em 2019. Hoje, a escola acolhe cinco alunas nesse formato exclusivo. O Beb� a Bordo e as hist�rias dessas mulheres faz parte desta segunda reportagem da s�rie especial "Antes da Hora", do Estado de Minas, que aborda gravidez na adolesc�ncia, desigualdade social, transmiss�o intergeracional da pobreza e primeira inf�ncia.

A jovem de Santa Rosa de Lima � um dos destaques do Beb� a Bordo. Em 2021, assim que se graduou no Ensino M�dio, Elida foi aprovada em terceiro lugar em engenharia de produ��o na Universidade de Sergipe. Apesar da conquista, n�o se inscreveu na vaga para percorrer o caminho da educa��o. A estudante recebeu uma bolsa de 100% no Prouni para cursar Pedagogia na Universidade Tiradentes (Unit), tamb�m em Aracaju.
O futuro de Elida e das crian�as poderia ter sido bem diferente se n�o fosse o projeto. Na Am�rica Latina, 36% dos casos de evas�o escolar de garotas est�o relacionados � maternidade ou a gravidez na adolesc�ncia, por exemplo. O dado faz parte de estudo da Corporaci�n Andina de Fomento (CAF), institui��o que investe em pesquisas e projetos para desenvolver a regi�o.

O Beb� a Bordo � um projeto criado pela professora de educa��o f�sica Gleide Leandro, em 2019, para ser espa�o de acolhimento das m�es adolescentes durante o per�odo escolar com atividades para seus beb�s e evitar a evas�o escolar. A iniciativa surgiu como uma eletiva, que � uma disciplina semestral institu�da no formato do Ensino M�dio Integral, mas, se tornou fixo no curr�culo do Centro de Excel�ncia Dr. Edelzio Vieira, que � uma escola estadual.
Al�m de evitar a evas�o escolar de m�es, o Beb� a Bordo tamb�m ajuda as alunas a cuidarem dos filhos. A base do projeto � a massagem Shantala, que conecta a m�e e o bebe e tem benef�cios � sa�de f�sica e mental da crian�a. Os professores tamb�m ensinam primeiros socorros, lavagem nasal e banhos.
Primeiro banho em sala de aula
Maria Brena, de 21 anos, participou do projeto, no qual aprendeu algumas coisas b�sicas da nova rotina de m�e, como dar banho no filho. "Foi uma experi�ncia muito doida. Como ele era pequenino, eu tinha medo de derrub�-lo", relembra, comentando que antes esse cuidado ela deixava por conta da av� da crian�a.
"O Beb� a Bordo � uma porta, uma mensagem de: d� pra continuar, eu vou, � por aqui"
Elida Santos, estudante universit�ria e m�e de duas crian�as
Em 2019, quando Elida e Brena estudavam no Dr. Ed�lzio, o Beb� a Bordo era uma disciplina eletiva da grade curricular do Ensino M�dio Integral, modelo adotado pelo col�gio sergipano. Mas os benef�cios da iniciativa para m�es e filhos vieram r�pido e ela se tornou um programa fixo da grade de ensino; e uma refer�ncia nacional nesse tipo de acolhimento de jovens m�es dentro de ambientes escolares.
"O Beb� a Bordo � uma porta, uma mensagem de: d� pra continuar, eu vou, � por aqui. Foi meio que isso. Eu sabia que dava pra mudar a minha vida atrav�s da educa��o. Ent�o, minha gravidez foi meio que um baque porque n�o d� pra continuar. Mas, o Beb� a bordo foi uma porta", comenta Elida.
"N�o tenho com quem deixar e quero estudar"
Antes de o projeto Beb� a Bordo surgir, a escola j� aceitava crian�as nas salas de aulas. O diretor do col�gio, Almir Pinto, disse que na �poca n�o concordava que alunas levassem os beb�s para a escola. Essa vis�o mudou quando uma aluna, no in�cio dos anos 2010, o procurou e fez um apelo para continuar estudando com a presen�a da fila na sala de aula.
"Ela falou: 'professor Almir, eu n�o tenho com quem deixar minha filha e quero ser algu�m na vida. O senhor n�o j� �? O que minha filha est� atrapalhando? Se eu trago ela � porque eu n�o tenho com quem deixar e eu quero estudar, n�o quero abandonar'", relembra Almir.
"Ela falou: 'professor Almir, eu n�o tenho com quem deixar minha filha e quero ser algu�m na vida. O senhor n�o j� �? O que minha filha est� atrapalhando? Se eu trago ela � porque eu n�o tenho com quem deixar e eu quero estudar, n�o quero abandonar'", relembra Almir.
A partir daquele momento, o Centro de Excel�ncia Dr. Ed�lzio come�ou a aceitar m�es e seus beb�s nas salas de aula. Conforme explica a coordenadora da escola, Mary Claudia Teixeira Tavares, essa din�mica foi se aprimorando com o tempo. Mas, desde o in�cio, mant�m as mesmas caracter�sticas de apoio � aluna para evitar a evas�o escolar. "Aqui, voc� v� uma crian�a no colo do professor ou de outro aluno enquanto a m�e est� fazendo uma atividade, prova ou outra coisa. Isso para a gente � uma rotina, � normal."

Ao observar essa din�mica das m�es no col�gio, a professora de educa��o f�sica Gleide Leandro desenvolveu a ideia do Beb� a Bordo, focado nessas alunas e com a preocupa��o de aumentar a sensa��o de pertencimento com o col�gio. "Foi um modo de trazer as meninas mais para perto. N�o s� elas, mas seus filhos tamb�m. Trouxe um sentimento de pertencimento", afirma a professora.
O projeto ganhou ramifica��es e abriu espa�o para o ensino de primeiros-socorros, cuidados b�sicos com beb�s, aulas de planejamento de vida, entre outras demandas. Uma delas � a massagem shantala, uma t�cnica ancestral que proporciona benef�cios f�sicos e emocionais para a m�e e o beb� e foi o ponto de origem do Beb� a Bordo.
A primeira turma foi composta por seis m�es. Suzy Siqueira foi a �nica m�e que n�o foi at� o fim do semestre com o projeto. Ela saiu da escola e engravidou do segundo filho, que � afilhado da professora Gleide, mas retornou um ano depois e concluiu o Ensino M�dio em 2021.
"Dificilmente uma crian�a dessa n�o vai querer estudar"
Durante o auge da pandemia de COVID-19, as aulas no Centro de Excel�ncia Dr. Ed�lzio Vieira de Melo seguiram o modelo remoto em 2020. Por isso, Elida Santos terminou os estudos em casa, enquanto estava com os filhos. Ela e sua irm� mais velha, Erika, tiveram filhos na mesma �poca, com semanas de diferen�as apenas, e participaram, tamb�m juntas, do Beb� a Bordo em 2019.
Durante os meses de ensino a dist�ncia, os ensinamentos ajudaram as m�es a educarem os filhos. Erika criou brincadeiras pedag�gicas para educar seus filhos, B�rbara Helen, de 4 anos, e Nicolas Bernardo, de 3. "Como eles estavam nesse processo de desenvolvimento, de aprender as cores, os n�meros, a gente foi variando as brincadeiras com cores para acertar a f�rmula. B�rbara aprendeu muito r�pido, gra�as a Deus. Atrav�s disso, n�s, eu e meu marido, compramos tintas e v�rias coisas", explica.

Esse modelo educacional remete �s atividades do col�gio. O diretor e os professores, em geral, se tornaram adultos refer�ncia para as m�es educarem seus filhos. As crian�as entrevistadas para este especial v�o � escola em grade regular. O filho de Maria Brena, Brian, de 3 anos, diz que gosta de estudar.
"A gente pensa que as crian�as � que v�o atrapalhar nas aulas, mas a� a gente muda um pouco esse conceito. � dif�cil que uma crian�a dessa, que cresce em um ambiente com tanto amor, n�o cres�a saud�vel. Porque o ambiente da escola � acolhedor. � nesse momento que vai se estabelecer uma base emocional para a crian�a, coisa que ela possa n�o ter na casa dela por conta de uma ruptura na rela��o familiar. Dificilmente uma crian�a dessa n�o vai querer estudar. Ela vai ter uma refer�ncia muito forte da escola", afirma o diretor do col�gio, Almir Pinto.
T�cnica de massagem voltada para as crian�as
A massagem shantala aumentou a conex�o de m�e e filhos e deixou as crian�as calmas durante a quarentena, segundo Erika e Elida. A irm� mais velha disse que teve dificuldade para amamentar os filhos e, por isso, sentia temia a falta de um la�o de afeto com as crian�as. A t�cnica mudou essa situa��o, assim como para a ca�ula. Antes da massagem, os filhos de Elida a chamavam pelo nome e se referiam � av� como 'm�e'.
A matriarca da fam�lia ajuda as filhas e tamb�m participou das din�micas do Beb� a Bordo, como a shantala. "No come�o, minha m�e ficou: 'Vish, o que � isso? N�o vai dar certo'. Mas a gente conseguiu explicar e ela fez. At� a shantala, a gente ensinou, porque �s vezes a gente precisava resolver alguma coisa e precisava deixar as crian�as com ela. Ela tirou de letra", conta Erika.
Hoje com 22 anos, ela mora com o marido, Marcos Vin�cius, que � pai das crian�as. Ao contr�rio de Elida, ela n�o est� estudando no momento, mas pretende fazer enfermagem. No total, s�o 5 irm�os, sendo a mais nova, Elo�, de 7 anos. A matriarca teve a primog�nita com 21 anos. Hoje, o irm�o mais novo de Erica e Elida, Erik, de 15 anos, estuda no Edelzio. Ele namora, mas n�o tem planos de ser pai sem ter uma estabilidade financeira.
A s�rie "Antes da Hora"
A s�rie "Antes da Hora" para o podcast DiversEM conta com o apoio do programa Early Childhood Reporting Fellowship: Desigualdade no Brasil e no restante da Am�rica do Sul, do Dart Center for Journalism and Trauma, da Universidade de Columbia (EUA) e da Funda��o Maria Cecilia Souto Vidigal. O especial ser� publicado semanalmente nas vers�es impressa e digital do Estado de Minas.
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O podcast DiversEM � uma produ��o quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar al�m do convencional. Cada epis�dio � uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar �nico e apurado de nossos convidados.