
"Vamos impulsionar as pequenas e m�dias empresas, potencialmente as maiores geradoras de emprego e renda, o empreendedorismo, o cooperativismo e a economia criativa", prometeu o presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), em seu discurso de posse, em 1º de janeiro.
Naquele mesmo dia, Lula tamb�m afirmou seu compromisso com "combater dia e noite todas as formas de desigualdade", citando entre exemplos dessas iniquidades as serem debeladas as disparidades de renda, g�nero, ra�a e do mercado de trabalho.
Um estudo do Sebrae (Servi�o Brasileiro de Apoio �s Micro e Pequenas Empresas) mostra, no entanto, que estas n�o s�o agendas separadas.Segundo o levantamento Empreendedorismo por Ra�a-cor (e sexo), empreendedores negros ganham menos, t�m menos escolaridade, empresas menores, trabalham mais sozinhos (sem contratar funcion�rios) e contribuem menos � Previd�ncia. As empreendedoras negras especificamente foram as mais prejudicadas pela pandemia e as que mais demoraram a se recuperar.
Assim, num pa�s onde 30% dos ocupados trabalham por conta pr�pria ou s�o empregadores, o novo governo tem como desafio enfrentar a desigualdade n�o s� no mercado de trabalho formal, mas tamb�m entre os mais de 30 milh�es de empreendedores, dizem economistas.
Nascido do sindicalismo e bem sucedido em pol�ticas sociais para os miser�veis, o PT enfrenta no terceiro mandato de Lula o desafio de desenhar pol�ticas para uma classe m�dia baixa de "microempreendedores por necessidade", cujo voto em grande medida se voltou � direita nas �ltimas elei��es.
Desigualdade de ra�a e g�nero entre empreendedores
Segundo o estudo do Sebrae, os negros (pretos e pardos) representam 52% dos empreendedores brasileiros, considerando como parte deste grupo trabalhadores por conta pr�pria e empregadores.Mas, enquanto os empreendedores negros tinham renda m�dia mensal de R$ 2.079 no segundo trimestre de 2022, os brancos ganhavam R$ 3.040. Ou seja: o rendimento de empreendedores negros � em m�dia 32% inferior ao de empreendedores brancos.
Considerando a quest�o de g�nero, as mulheres negras t�m o mais baixo rendimento entre os empreendedores, de R$ 1.852, comparado a R$ 2.188 para homens negros, R$ 2.706 para mulheres brancas e R$ 3.231 para homens branco, mostra o levantamento do Sebrae.
Portanto, entre homens brancos empreendedores e mulheres negras empreendedoras, a diferen�a de renda m�dia � de 74%.
"O pa�s estruturalmente teve uma inser��o tardia de mulheres e negros no mercado de trabalho, isso vale para todas as profiss�es e vale para empreendedores tamb�m", observa Marco Aur�lio Bed�, analista de gest�o estrat�gica do Sebrae e respons�vel pela pesquisa, sobre um dos motivos por tr�s da diferen�a de remunera��o entre empreendedores.
O economista observa que, al�m dessa inser��o tardia — um resultado de fatores como a escravid�o e a desigualdade de pap�is sociais de g�nero —, os brancos em geral t�m escolaridade superior aos negros, o que tamb�m afeta o n�vel de rendimentos.
Essa diferen�a de escolaridade � percept�vel no pr�prio perfil dos empreendedores: 41% dos donos de neg�cios negros t�m apenas o ensino fundamental, comparado a 28% dos brancos. J� entre os empreendedores com ensino superior, 32% s�o brancos, ante 13% de negros.
Entre as mulheres, apesar de elas atualmente superarem os homens em forma��o escolar, h� a particularidade de muitas vezes atuarem no mercado de trabalho para complementar a renda da fam�lia. Com o cuidado de casa, filhos e idosos, elas acabam se dedicando apenas parcialmente a seus neg�cios, o que tamb�m impacta o n�vel de rendimentos.
"E ainda tem a quest�o cultural de que, para mesmas atividades, � comum encontrar mulheres ganhando menos", observa o analista do Sebrae.
Empreendedorismo por necessidade
A an�lise do perfil dos empreendedores brasileiros por ra�a e g�nero deixa evidente que boa parte desses considerados "donos de neg�cios" s�o n�o verdade empreendedores por necessidade — n�o aqueles que criam novas empresas a partir de inova��es disruptivas, mas os que abrem pequenos neg�cios para sobreviver.
A maioria nem sequer tem empregados, trabalhando por conta pr�pria e oferecendo ao mercado apenas a pr�pria m�o de obra.
Entre mulheres negras, apenas 8% das empreendedoras s�o empregadores, comparado a 11% dos homens negros, 17% das mulheres brancas e 19% de homens brancos que podem contar com funcion�rios em sua atividade empreendedora.
Dentro da pequena parcela de empregadores negros, a grande maioria (82%) tem apenas entre 1 e 5 empregados. Assim, al�m de trabalharem mais por conta pr�pria, os empreendedores negros tamb�m t�m neg�cios de menor porte.

Empreendedor negro ganha 32% menos e desigualdade desafia novo governo
"A motiva��o por necessidade � maior entre negros e est� ligada � baixa escolaridade e � taxa de desemprego maior nesse grupo", afirma o economista do Sebrae.
"Quem inicia um neg�cio por necessidade, em geral inicia com uma lacuna em termos de forma��o, de tempo para pensar o empreendimento. Muitas vezes, com menos capital e no esp�rito do desespero", completa o analista.
Bruno Imaizumi, economista especializado em mercado de trabalho da LCA Consultores, observa que esses n�o s�o os �nicos problemas enfrentados pelos empreendedores por necessidade.
"Temos que lembrar que o trabalhador por conta pr�pria, no geral, tem um rendimento muito vol�til, muito inconstante m�s a m�s. Com menos qualifica��o, ele vai ter mais dificuldade de que seu neg�cio se mantenha, de conseguir uma renda maior, de empregar mais gente", diz Imaizumi.
As dificuldades enfrentadas por esses empreendedores por necessidade se refletem no baixo n�vel de contribui��o � Previd�ncia Social.
Segundo a pesquisa do Sebrae, no segundo trimestre de 2022, 72% dos empreendedores brasileiros negros n�o contribu�am para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), comparado a 52% dos brancos. Assim, a situa��o de precariedade desses trabalhadores durante a idade ativa tende a se reproduzir tamb�m na velhice, quando ter�o menos renda dispon�vel via benef�cios.
Desafios para o novo governo
A desigualdade entre empreendedores, parcela crescente no mercado de trabalho brasileiro e global, imp�e desafios ao novo governo, avalia o analista do Sebrae.
"� n�tido que � importante ter uma pol�tica de apoio �s empreendedoras mulheres e, particularmente, aos empreendedores negros, para que essas lacunas possam ser diminu�das", defende Marco Bed�.

Segundo ele, o que precisa ser feito nesse sentido ainda ter� que ser definido, mas vai desde a amplia��o do n�vel de escolaridade, passando pela oferta de creches, capacita��o de empreendedores e pol�ticas de acesso a cr�dito com menos burocracia e taxas menos acess�veis.
Em 2022, entre o primeiro e o segundo turno das elei��es, o governo Jair Bolsonaro chegou a lan�ar um programa da Caixa Econ�mica Federal de cr�dito para mulheres empreendedoras. Parte do pacote do ex-presidente na tentativa de se reeleger, o programa ainda � pouco conhecido.
Para o analista do Sebrae, o come�o do novo governo � um momento prop�cio para essa discuss�o entrar na pauta.
"Estamos num momento em que a discuss�o est� come�ando. O governo que assume, no passado, teve uma experi�ncia forte com redu��o das desigualdades. Estamos num momento em que elas voltaram a aumentar e � preciso mover pol�ticas p�blicas para reduzi-las", diz Bed�.
Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, avalia que faltou nas �ltimas d�cadas um olhar do poder p�blico para o pequeno empreendedor. Ele lembra, por exemplo, da pol�tica dos governos petistas de "campe�es nacionais", que priorizou investimentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social) em grandes empresas.
"A pandemia, querendo ou n�o, marcou uma revers�o dessa tend�ncia dos desembolsos do BNDES, que se voltaram para pequenas e m�dias empresas. Pode ser um ponto positivo se o novo governo mantiver essa pol�tica adotada durante a pandemia, focando mais as micro e pequenas empresas, j� que elas geram a maior parte dos empregos formais no pa�s", defende o economista.
Para o analista, garantir a melhora do ambiente de neg�cios atrav�s de reformas estruturais, como a tribut�ria e a administrativa, tamb�m seria importante para melhorar o cen�rio econ�mico e fortalecer a atividade empreendedora.
Do sindicalismo ao empreendedorismo por necessidade
O soci�logo Celso Rocha de Barros, autor do livro PT, uma hist�ria (Cia. Das Letras, 2022), observa que esse olhar para os micro e pequenos empres�rios ser� um desafio dentro da trajet�ria do PT, partido que nasceu ligado ao sindicalismo.

"Em algum ponto entre os anos 1980 e 1990, a industrializa��o brasileira travou e come�ou a andar para tr�s. Ali j� ficou claro que o Brasil n�o viraria um 'Grande ABC', e que o PT precisaria de estrat�gias espec�ficas para atingir os trabalhadores desorganizados, em especial os do setor informal", lembra Barros.
Ele lembra que, nessa �poca, houve uma s�rie de iniciativas nesse sentido — � aqui, por exemplo, que surge a ideia do Bolsa-Escola, que depois se tornaria o Bolsa-Fam�lia — mas observa que a grande aproxima��o do PT com os informais s� acontece mesmo quando Lula chega ao governo e implementa sua agenda de pol�ticas sociais.
Agora, o PT de volta ao poder enfrenta um novo desafio: o de fazer pol�ticas p�blicas que respondam �s necessidades econ�micas de uma classe m�dia baixa, formada por trabalhadores aut�nomos e pequenos empreendedores, que em grande medida se afastou do partido rumo ao bolsonarimo.
"Essa � uma pergunta que os petistas se fazem com frequ�ncia. Ainda n�o h�, nem no PT nem em lugar nenhum, uma resposta definitiva, mas acho que parte da quest�o � o partido entender que os trabalhadores no setor de servi�os, ou os micro (muito micro mesmo) empreendedores t�m interesses espec�ficos", observa o soci�logo.
"Eles precisam muito da rede de prote��o das pol�ticas sociais, mas, da� em diante, precisam de condi��es para prosperar, e elas nem sempre passam por se tornar um trabalhador da ind�stria ou um funcion�rio p�blico. Haver� um longo aprendizado sobre como oferecer boas pol�ticas de cr�dito para os pequenos empreendedores, como regul�-los sem sufoc�-los."