
Ele ficou conhecido como o homem retratado pelo renomado pintor espanhol Diego Vel�zquez (1599-1660) na tela que leva seu nome, Juan de Pareja, de 1650. Mas, durante muito tempo, os detalhes de sua trajet�ria permaneceram desconhecidos.
Quando a pintura foi conclu�da, Juan de Pareja, um espanhol descendente de africanos, tinha pouco mais de 40 anos e trabalhava no ateli� de Vel�zquez.
Durante mais de duas d�cadas ele foi assistente do pintor na condi��o de escravizado, em uma �poca em que o uso de trabalho escravo n�o era raro na produ��o art�stica da Espanha.
Pouco tempo depois do retrato, Pareja foi emancipado e iniciou uma carreira como pintor independente. Entre suas obras mais conhecidas est� A Voca��o de S�o Mateus, de 1661, que faz parte do acervo do Museu Nacional do Prado, em Madri.
Agora, sua vida e obra ser�o tema da exposi��o "Juan de Pareja, Pintor Afro-Hisp�nico", que ser� inaugurada em 3 de abril no Metropolitan Museum of Art (Met), em Nova York.
Segundo o museu, esta ser� a primeira grande mostra a se debru�ar sobre a trajet�ria pessoal e art�stica de Pareja, e a examinar o papel do trabalho artesanal de pessoas escravizadas no contexto da sociedade multirracial do chamado S�culo de Ouro da cultura espanhola.
O diretor do Met, Max Hollein, diz que, "ao reexaminar a narrativa em torno de uma das obras mais celebradas da hist�ria do retrato ocidental, essa exposi��o nos desafia a questionar as no��es existentes sobre arte e objetos hist�ricos".
Al�m disso, segundo Hollein, a exposi��o vai apresentar "um artista not�vel cujo nome pode ser familiar para muitos, mas cuja obra n�o foi explorada em profundidade".

'Um tipo peculiar de celebridade'
H� poucos documentos que detalham a biografia de Pareja, mas acredita-se que ele nasceu em torno de 1608 na cidade espanhola de Antequera.Sua m�e era uma mulher escravizada de descend�ncia africana, e seu pai um espanhol branco.
N�o se sabe a data exata de quando Pareja passou a trabalhar escravizado no ateli� de Vel�zquez, que era pintor da corte do rei Filipe 4°, mas a pr�tica era comum no mundo art�stico espanhol da �poca.
Segundo os organizadores da exposi��o, arquivos hist�ricos da Espanha do s�culo 17 "oferecem ampla evid�ncia de uma sociedade multirracial na qual artistas e artes�os usavam trabalho escravo".
"O trabalho escravo na Espanha do s�culo 17 era, na verdade, muito mais difundido na cultura visual – da pintura e escultura ao trabalho em metal e madeira – do que geralmente se reconhece", diz � BBC News Brasil um dos curadores da exposi��o, David Pullins.
"Conforme explorado na exposi��o, entre os principais artistas que usaram trabalho escravo estavam o professor e sogro de Vel�zquez, (Francisco) Pacheco, e o principal artista de Sevilha na gera��o subsequente, (Bartolom� Esteban) Murillo", afirma Pullins, que � curador associado do Departamento de Pinturas Europeias do Met.

Quando seu retrato foi pintado, Pareja e Vel�zquez estavam na It�lia, em uma viagem iniciada um ano antes, em 1649, e que � um dos focos da mostra no Met.
Conclu�da em Roma, a pintura foi recebida com grande sucesso na �poca e, segundo os organizadores da exposi��o, "abriu caminho para que Vel�zquez criasse uma extraordin�ria s�rie de retratos", incluindo o do papa Inoc�ncio 10°.
"O retrato [de Pareja] ficou famoso desde o momento em que foi pintado e exposto em Roma, no Pante�o, em 1650", ressalta Pullins.
De acordo com os organizadores da mostra no Met, ter seu retrato pintado por Vel�zquez garantiu a Pareja "um tipo peculiar de notoriedada" e "levanta quest�es importantes sobre a rela��o entre artista e modelo quando um � legalmente propriedade do outro".
Na apresenta��o da mostra, os organizadores observam que a viagem � It�lia foi um marco na trajet�ria pessoal e profissional de Pareja.
"Sua condi��o de escravizado perversamente permitiu-lhe um raro acesso a monumentos da arte europeia que dariam forma � sua voz art�stica", afirmam.
Foi tamb�m nessa viagem que Vel�zquez assinou os documentos de alforria de Pareja, que previam que ele seria libertado quatro anos depois.
Estilo pr�prio
Em 1654, Pareja finalmente conquistou a liberdade. Ele passou a se dedicar � sua carreira art�stica em Madri, onde desenvolveu um estilo pr�prio, independente do de Vel�zquez.
"Ao se colocar em di�logo com um grupo de artistas hoje conhecido como a Escola de Madri, cujas paletas e composi��es vivas contrastavam com a sobriedade de Vel�zquez, Pareja tra�ou seu pr�prio caminho art�stico em vez de seguir o estilo de seu antigo escravizador", diz o Met na apresenta��o da mostra.
Al�m de A Voca��o de S�o Mateus, que inclui um autorretrato no lado esquerdo da tela, a mostra traz tamb�m outras obras importantes produzidas por Pareja ao longo de sua carreira, como A Fuga para o Egito (1658), do acervo do John and Mable Ringling Museum of Art, na Fl�rida, Retrato do Arquiteto Jos� Rat�s Dalmau (1660-1670), do Museu de Belas Artes de Val�ncia, e O Batismo de Cristo (1667), do Museu Nacional do Prado.
"A reuni�o dessas obras marca um novo cap�tulo na recupera��o cont�nua da arte de Pareja", dizem os organizadores da exposi��o no Met.
Pareja morreu em 1670, em Madri. Mais de 300 anos depois, seu retrato pintado por Vel�zquez foi adquirido pelo Met, em 1971, por quase US$ 5,5 milh�es, no que foi considerada uma das mais importantes aquisi��es do museu.
David Pullins lembra que a aquisi��o da obra de Vel�zquez pelo museu "ganhou as manchetes na �poca", mas observa que "os estudiosos e a imprensa n�o disseram praticamente nada sobre o homem retratado".
"Esta exposi��o n�o apenas lan�a mais luz sobre a vida de Pareja, mas tamb�m coloca �nfase em sua ag�ncia como uma for�a criativa, por meio de suas obras negligenciadas por tanto tempo", diz Pullins.

Detalhes da exposi��o
A mostra em Nova York fica aberta at� 16 de julho e vai reunir cerca de 40 pinturas, esculturas e objetos de arte decorativa. Tamb�m inclui livros e documentos hist�ricos do acervo do Met e de outras cole��es nos Estados Unidos e na Europa.
Al�m das obras de Pareja e Vel�zquez, h� pinturas de outros artistas espanh�is do s�culo 17, como Francisco de Zurbar�n e Bartolom� Esteb�n Murillo, que trazem raras representa��es das popula��es negra e mourisca da �poca.
Tamb�m est�o em exposi��o pe�as em madeira, prata e cer�mica que mostram os vest�gios do trabalho escravo empregado na produ��o art�stica do per�odo.
A mostra retrata ainda os esfor�os do escritor e historiador negro Arturo Schomburg pelo reconhecimento da obra de Pareja.
Schomburg nasceu em Porto Rico e foi figura importante no movimento cultural de Renascimento do Harlem, que reuniu artistas e intelectuais negros no bairro nova-iorquino no in�cio do s�culo 20.
Na d�cada de 1910, Schomburg viajou � Espanha para pesquisar o papel dos descendentes de africanos na sociedade espanhola do s�culo 17. Seus esfor�os levaram a um novo entendimento da obra e da vida de Pareja.
Segundo os organizadores, as fotografias de viagens e escritos de Schomburg, cedidas para a mostra pela Biblioteca P�blica de Nova York, "servem como um fio condutor que liga a Espanha do s�culo 17 � Nova York do s�culo 20".
Para uma das curadoras da mostra, Vanessa K. Vald�s, que � reitora associada para Engajamento Comunit�rio e professora de espanhol e portugu�s na universidade City College, de Nova York, a exposi��o "se une aos esfor�os de estudiosos que continuam a recuperar contribui��es de todos os povos de ascend�ncia africana, incluindo os de heran�a afro-hisp�nica, como Pareja, a fim de entender melhor toda a complexidade e riqueza da experi�ncia negra global".
-Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51eyzq9r36o