
Ao entrar, por exemplo, em estacionamentos ou elevadores exclusivos de ju�zes, elas sempre eram barradas, exceto quando deram carona para uma colega branca.
"N�o � um processo de sofrimento, mas uma constata��o para ver como muita coisa precisa mudar. As pessoas n�o nos enxergavam como ju�zas", afirma Gabriela.
Segundo ela, a rea��o das pessoas na sala de julgamento tamb�m � diferente quando � uma mulher negra presidindo a audi�ncia.
Gabriela afirma que colegas homens brancos relatam n�o ter problemas de serem interrompidos ou de haver discuss�o na audi�ncia —o contr�rio da sua experi�ncia.
"Sempre fui interrompida, porque as pessoas n�o enxergam em mim uma figura de autoridade. N�o que eu quisesse que elas enxergassem no sentido de arrog�ncia, porque n�o acho que � assim que funciona, mas, em uma audi�ncia, eu inspiro menos respeito que um homem branco", afirma.
Relatos assim foram comuns nas entrevistas com cinco ju�zas estaduais e uma magistrada federal na pesquisa de mestrado da advogada Ra�za Feitosa Gomes, na Universidade Federal da Para�ba, em 2018. A disserta��o deu origem ao livro "Cad� a Ju�za?" (Lumen Juris), t�tulo que vem do questionamento ouvido pelas magistradas.
"O Brasil lida com o racismo de forma bastante problem�tica. Pune as pessoas que sofrem com o racismo e n�o quem pratica. N�o falar sobre isso pode ser uma forma de resistir", diz.
Estudo feito pelo CNJ (Conselho Nacional de Justi�a) com mais de 11 mil magistrados mostrou que, entre as mulheres, as negras s�o 11,2% (365) das ju�zas titulares e 12,1% (45) das desembargadoras.
Uma das ju�zas ouvidas por Ra�za contou a hist�ria de uma menina negra, que ao sofrer racismo na escola tentou mudar a cor da pele com p� branco. A m�e, ent�o, mostrou o retrato da magistrada para a garota e conseguiu marcar um encontro das duas. Dali em diante, a menina passou a dizer para todos que ser� ju�za.
Ouvidora no TRT (Tribunal Regional do Trabalho do Paran�) da 9ª Regi�o, no Paran�, a desembargadora Neide Alves dos Santos, 62, conta que ao ver um juiz negro, quando era funcion�ria da Justi�a do Trabalho em S�o Paulo, percebeu que tamb�m poderia exercer o cargo, desejo que espera despertar em outras mulheres negras.
Natural de Mogi das Cruzes (SP), ela diz que fez vaquinha para se matricular na universidade e trabalhou para pagar os estudos. Ela afirma que o debate sobre diversidade era menos presente nos anos 1980, quando se formou como �nica negra da turma.
"Era muito velado. �bvio que me impactou o fato de olhar para o lado e n�o reconhecer pessoas iguais a mim. Faltava e ainda hoje falta representatividade", diz ela, que � presidente da comiss�o de ra�a e g�nero da corte.
Para Neide, o padr�o das decis�es judiciais tamb�m reflete o perfil do homem branco heterossexual. "A gente precisa de diversidade em todos os sentidos inclusive racial para ter decis�es que passem a ser mais equ�nimes", diz.
Angela Maria Moraes Salazar, 64, desembargadora do TJ-MA (Tribunal de Justi�a do Maranh�o), tamb�m se deparou com esse cen�rio ao ingressar na magistratura na d�cada de 1980, depois de atuar como delegada de pol�cia e promotora.
"Foi desafiador, porque n�o tinha nenhuma ju�za negra como refer�ncia. Tinha brancas, mas negras n�o. At� hoje carrego esse desafio, porque desembargadora s� tem eu de negra e a responsabilidade aumenta muito mais", diz.
Angela terminou neste m�s o mandato de dez meses como presidente do TRE-MA (Tribunal Regional Eleitoral). Ela conta que � frente da corte implementou uma pol�tica institucional para enfrentar a viol�ncia pol�tica contra as mulheres e candidaturas fict�cias. Agora, pretende se candidatar para uma vaga no STJ (Superior Tribunal de Justi�a).
A presidente do TJ-RS (Tribunal de Justi�a do Rio Grande do Sul), Iris Helena Medeiros Nogueira, 65, antes de assumir a fun��o, n�o participou de grupos em defesa dos direitos das mulheres ou dos negros, mas quando tornou-se a primeira mulher negra a presidir o TJ ga�cho em 148 anos a quest�o racial veio � tona.
"Isso se deve a luta de muitas mulheres. Para que hoje eu desfrute disso, reconhe�o que � gra�as � luta das mulheres negras e das mulheres de modo geral, que sedimentaram o meu espa�o", afirma.
Gabriela Rodrigues, ju�za titular da vara criminal de Franco da Rocha, tornou-se magistrada em 2018, depois de um longo processo. Ela foi contemplada pela pol�tica de cotas na primeira fase do concurso, mas nas seguintes enfrentou percal�os para provar a experi�ncia jur�dica. Precisou acionar um advogado e fez a prova oral no pen�ltimo dia
Fabiana Severi, professora da Faculdade de Direito de Ribeir�o Preto da USP, diz que a ascens�o das mulheres na carreira � prejudicada por regras masculinizadas. No caso das magistradas negras, soma-se o racismo institucional.
"N�o d� para fazer combate � fome, � viol�ncia contra as mulheres e pensar as quest�es estrat�gicas do pa�s sem refor�ar o direito antidiscriminat�rio. Isso passa por aumentar a paridade de pessoas negras no c�rculo do poder", diz.
Ra�za afirma que o fato de o STF (Supremo Tribunal Federal) nunca ter tido uma ministra negra ilustra uma s�rie de dificuldades impostas para essas mulheres, entre elas o n�o reconhecimento.
"A sociedade invisibiliza essas mulheres e elas precisam ser extraordin�rias para acessar esses espa�os, enquanto pessoas brancas podem ser medianas", afirma.
Para a desembargadora Maria Ivat�nia Barbosa dos Santos, do TJDFT (Tribunal de Justi�a do Distrito Federal e dos Territ�rios), o STF n�o teve uma ministra negra por falta de boa vontade de quem indica, porque compet�ncia as mulheres negras t�m.
"Este � o momento que aparentemente tem tudo para haver uma indica��o de uma mulher negra", afirma, por causa das iniciativas de comiss�es e as discuss�es sobre equidade racial no Judici�rio.
Segundo a desembargadora, essa indica��o j� passou da hora. "Se n�o entenderem que esse � o momento � uma pena para o pa�s", conclui.
Iris Helena considera que � s� uma quest�o de tempo para se ter uma mulher negra na fun��o. "Estamos ocupando os espa�os e que as nossas juristas negras se habilitem a estas vagas", afirma.
Gra�as � atua��o de anos do movimento negro e de mulheres negras, Ra�za diz � mais dif�cil ignorar a falta de representatividade nesses espa�os.
"� preciso que as pessoas brancas se responsabilizem por isso. A quest�o da diversidade muitas vezes � tratada de forma rasa, sem mexer no que precisa ser mudado."
