O gloss�rio de fabricantes e consumidores de moda antenados nas demandas do mundo contempor�neo vem ganhando termos novos: couro bio, algod�o org�nico, malha PET, tingimento natural e outros. Creia, eles indicam uma revolu��o iminente na ind�stria fashion. Isso porque o fazer sustent�vel – termo que abarca desde o uso de mat�rias-primas de fonte renov�vel at� o consumo de produtos certificados –, n�o � apenas mais uma quest�o de estilo. Segundo especialistas, atitudes que envolvem a preserva��o do meio ambiente est�o na ordem do dia e j� determinam se um item ser� aceito no mercado. Por aqui, algumas iniciativas chamam a aten��o e demonstram que criadores brasileiros est�o, sim, dispostos a fazer hist�ria. Conhec�-las � o primeiro passo para uma mudan�a de h�bitos, inclusive de consumo.
Debates � parte, o basta �s sacolas pl�sticas derivadas de petr�leo no com�rcio belo-horizontino, fruto da Lei 9.529/2008, n�o tem apenas mudado o cen�rio nos caixas de supermercados e outros estabelecimentos. A pr�pria roda fashion correu atr�s da oportunidade de neg�cio, criando modelos de ecobags assinadas e cheias de estilo. Para al�m da embalagem, o frisson em torno do epis�dio revela um momento de mudan�as nos processos de fabrica��o de bens e produtos, o que tamb�m envolve a ind�stria da moda e confec��o. “Hoje, produtos sem esse vi�s n�o conseguem competir no mercado externo. Pa�ses da Europa e EUA j� exigem a comprova��o desse comportamento, pedem certifica��es e imp�em barreiras t�cnicas para a importa��o. A ind�stria t�xtil brasileira est� come�ando a adaptar suas f�bricas a esse novo conceito”, afirma Sylvio Napoli, gerente de capacita��o tecnol�gica da Associa��o Brasileira da Ind�stria T�xtil (Abit).
Caminho sem volta
Na vis�o do especialista, a busca por sustentabilidade na produ��o fashion � um caminho sem volta. Muito j� tem sido feito, mas a falta de informa��o ainda � comum. “Nosso desafio passa por transformar o que ainda � um nicho em algo com escala de produ��o. Exemplo vem da lei dos res�duos s�lidos, que obriga empresas a darem destino aos res�duos, o que inclui as confec��es. O neg�cio � criar mais condi��es para aproveitar tais res�duos.” Exemplo vem da DTA. A grife, mineira da gema, descobriu um bom uso para as sobras do jeans, cedidas para organiza��es n�o governamentais (ONGs) que produzem bolsas, necessaires, pastas para computadores port�teis e outros. Parte da produ��o � recomprada pela empresa, que aproveita o material em campanhas institucionais.
Num futuro pr�ximo, o comportamento do consumidor tamb�m ser� posto em cheque. “Fazemos parte do mundo. Mais dia, menos dia, a op��o pelo consumo sustent�vel ser� uma a��o natural. Nesse sentido, nossa participa��o � ainda muito t�mida. Ao contr�rio dos mercados japon�s, europeu e norte-americano, ainda temos muito o que aprender.” Para tanto, alguns crit�rios s�o b�sicos. Empresas que fazem uso racional da �gua e da energia, evitam produtos qu�micos e valorizam a m�o de obra local est�o buscando processos de produ��o sustent�veis. Nesse sentido, selos de certifica��o ambiental nas embalagens dos produtos revelam para o consumidor quem � quem.” E nas passarelas? Sylvio acredita que pouco a pouco nossos criadores est�o aderindo � onda sustent�vel. “Ele s�o elemento multiplicador importante, formadores de opini�o. Quando abra�arem a causa v�o difundi-la. E n�o levando em conta apenas o aspecto econ�mico, mas tamb�m o filos�fico.”
Estilo consciente D�-lhe iniciativas pioneiras, e o meio ambiente agradece. A grife Osklen, por exemplo, n�o s� usa mat�ria-prima sustent�vel nas cole��es – vide t�nis de tilapia e salm�o, sapatos e bolsas de pirarucu, joias em pupunha, ecobags em lonas de ecojuta, palha de seda, e outros –, como tamb�m incentiva a pesquisa e a produ��o de alternativas para o mercado fashion. “Temos uma longa rela��o com causas socioambientais. Desde o ano 2000 nos associamos ao movimento e-brigade e participamos do projeto e-fabrics, que identifica tecidos e materiais desenvolvidos a partir de crit�rios socioambientais em parceria com empresas, institui��es e centros de pesquisa brasileiros”, cita Oskar Metsavath, estilista e idealizador da marca.
Sim, esses produtos ainda s�o mais caros que os “tradicionais”. No entanto, muitos consumidores j� est�o dispostos a pagar a diferen�a que embute custos diversos, inclusive de pesquisas. “Entendemos ser poss�vel criar um real desejo de consumo respons�vel, assim como dar foco a importantes iniciativas socioambientais. Al�m do mais, poder escolher e comprar pe�as de design que tenham caracter�sticas sustent�veis faz parte de um novo luxo. � um lifestyle consciente, e n�o um lifestyle ecochato”, aposta Metsavath.
Enfim, uma pergunta que n�o quer calar: o consumo de pe�as feitas com mat�ria-prima sustent�vel faz mesmo diferen�a na preserva��o do meio ambiente? A resposta do fundador da Osk-len � positiva. E justificada. Ele cita que in�meras comunidades dependem da propaga��o dos projetos sustent�veis para garantir ou aumentar a renda. Exemplo vem do l�tex natural da Amaz�nia. O projeto desenvolvido pela Universidade de Bras�lia com apoio do Ibama contribui para o aumento de renda dos seringueiros, beneficiando 460 fam�lias da regi�o Norte, que tamb�m s�o instru�das a preservar a floresta.
A Osklen usa tamb�m o couro de peixe, todos altamente consumidos como g�nero aliment�cio, capturados de forma consciente e com respeito �s leis ambientais. “Al�m de ajudar no aumento de renda dos pescadores, as peles antes descartadas n�o geram mais polui��o biol�gica. E s�o sucesso: os t�nis fabricados com esse material j� ca�ram no gosto do consumidor brasileiro e da imprensa internacional”, garante.
Luxo no lixo
Outras alternativas sustent�veis v�m da reciclagem ou do reaproveitamento de sobras. Em Uberl�ndia, no Tri�ngulo Mineiro, iniciativa da organiza��o n�o governamental Instituto Ip�, no projeto Recicla Cerrado, foi aproveitada pela estilista Fabiana Milazzo. Trata-se do uso de paet�s feitos com garrafa PET e da confec��o de pe�as cuja composi��o traz percentuais da fibra do material. “Me inspirei na teoria de Lavoisier, segundo a qual ‘na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma’. Meu foco principal foi a capacidade de transforma��o da mat�ria-prima, transformar lixo em tecido, rendas, detalhes.”
Na cole��o, a sustentabilidade deu origem a moletons dupla face, retalhos foram aproveitados em desenhos aplicados e os paet�s de PET conferiram diferencial a corseletes, vestidos e outras pe�as. “A abordagem sustent�vel contemplou 20% da cole��o e espero que no futuro seja uma marca registrada da grife. E isso porque ainda existem poucos fornecedores no pa�s, temos dificuldades para encontrar mat�ria-prima. No entanto, h� dois anos minha ideia n�o seria vi�vel, o que mostra evolu��o e boa vontade.” Fabiana, no entanto, � cr�tica. “O importante � a roupa ser bonita, com acabamento legal. Se ainda � ecologicamente correta, ganha valor agregado. S� n�o adianta fazer a pe�a mais sustent�vel do mundo sem design e qualidade.” Ant�nio Pedro da Costa Neto, coordenador do projeto Recicla Cerrado, concorda. “Criando pe�as bonitas, mostramos que o p�blico pode patrocinar projetos sustent�veis por meio do consumo, o que � um meio para sairmos do assistencialismo no tocante � preserva��o ambiental.”
Por falar em paet�s, a Moltec Brasil, com sede em Belo Horizonte e participa��o na Premi�re Vision, na Fran�a, reaproveita restos de PVC para a fabrica��o artesanal da mat�ria-prima fashion. A colora��o das pe�as tamb�m � artesanal. Com m�dia de produ��o de 150 quilos por m�s, Meire Figueiredo Almeida fornece para grifes de peso no cen�rio nacional como Ronaldo Fraga, Animale, Gl�ria Coelho e Sta. Ephig�nia, que criou uma saia no material para a atual cole��o outono/inverno. “O PVC � derivado do petr�leo, mas encontrei no reaproveitamento de restos uma forma de tamb�m contribuir para a sustenbtabilidade.” F� desse tipo de iniciativa, ela aposta na criatividade como fio condutor para outras descobertas. “H� muitos meios ainda para serem explorados.”
Processos sustent�veis O tingimento natural � outra etapa da produ��o fashion que pode respeitar a sustentabilidade. Eber Lopes Ferreira, fundador da Etno-bot�nica, que o diga. Na empresa, pigmentos naturais (extra�dos de fontes renov�veis) e org�nicos (cultivados) s�o utilizados para colorir de um tudo. Mesmo os detergentes s�o produzidos a partir de �leos vegetais, biodegrad�veis. O processo inclui ainda pigmentos de origem mineral que n�o cont�m metais pesados, mordentes (subst�ncia que faz com que um corante se fixe na fibra) e fixadores (resina de origem vegetal, como a de jatob� e pinus) naturais, serigrafia feita a parti do l�tex extra�dos de seringueiras. Verdadeiro Dom Quixote da causa, ele acredita que o tingimento natural j� poderia estar difundido no pa�s, mas n�o existe interesse por parte da ind�stria qu�mica.
“Na Biblioteca da USP n�o existe sequer um livro sobre corantes naturais. A informa��o foi sequestrada e n�o existe interesse no resgate e na difus�o dessas t�cnicas, porque a ind�stria qu�mica n�o quer que exista esse retorno. � o neg�cio deles. E, infelizmente, o interesse econ�mico muitas vezes manda mais”, lamenta.
No entanto, Eber reconhece um esfor�o no sentido oposto, em prol da sustentabilidade. “A pr�pria Abit vem divulgando iniciativas nesse sentido. Existem tentativas de informar, mas � fato que quem est� nessa o faz por ideal. �s vezes, o retorno financeiro nem � o esperado. Mas sei que de alguma forma estou contribuindo para a melhoria do planeta. Minha consci�ncia est� limpa, tranquila.”
O uso de mat�ria-prima sustent�vel, como j� falado, n�o basta. A estilista Gilda Midani � quem explica: “Para uma marca levantar essa bandeira precisa garantir a sustentabilidade em toda a cadeia de produ��o. E hoje em dia o perigo de deforma��o desse sentido � enorme, virou mais comoditie de marketing do que uma tomada de consci�ncia.” Na f�brica da grife, 30% da malha � org�nica, feita de modal e liocel originais de restos de eucalipto e celulose. Mat�ria-prima importada. As pe�as de cor tamb�m t�m tingimento natural. Ainda assim, ela n�o gosta de ser reconhecida como grife sustent�vel. “O Brasil precisa ser mais articulado nesse sentido, esbarramos em in�meras dificuldades. E somos imediatistas. Ainda achamos gra�a na Daslu: falta-nos consci�ncia e cultura para trocar o sentido de bunda de fora e coisa dourada para conforto, consci�ncia e respeito pelo outro.”