
No mundo das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas), laranjas brotam aos montes. Mas n�o a fruta, e sim pessoas usadas como testas de ferro de empres�rios para ocultar um esquema de sonega��o fiscal. Um vigilante e sua esposa, uma operadora de caixa e um gerente de vendas, moradores de bairros populares da Grande BH, t�mem seu nome duas grandes empresas atacadistas de a��car envolvidas num rombo que supera os R$ 50 milh�es, segundo concluiu o Minist�rio P�blico depois de analisar o esquema de um dos maiores empres�rios do setor de abastecimento do estado. O Estado de Minas teve acesso exclusivo a documentos da Opera��o Laranja Lima e esmiu�a a vida de falsos empres�rios manipulados por um suposto “bar�o” do a��car: �dson Bicalho Braga.
Na raz�o social das empresas Mercantil Vale do Sol (Mercavale) e World Brasil constam como s�cios, respectivamente, o casal Jos� Hazenclever Ramos e Rose Maire de Almeida Ramos e Gilmar Augusto e Lucimar Duarte da Silva. No entanto, no caso da Mercavale, procura��es registradas por Hazenclever pelos supostos donos d�o plenos poderes para familiares de �dson administrarem a firma. Documento registrado no Cart�rio de Primeiro Of�cio de Contagem em 5 de mar�o de 1992 concede autonomia para Sebasti�o Gon�alves de Queir�z e Enilson Bicalho Braga, irm�o de �dson, praticarem “atos de administra��o e interesses da outorgante, podendo para tanto o procurador pagar e receber contas, comprar ou vender mercadorias, (…), fazer dep�sitos e retiradas, endossar e assinar duplicatas, admitir, demitir, fixar ordenados e dispensar empregados (…)”. A procura��o tem “validade por tempo indeterminado”.
Al�m disso, os supostos donos t�m vidas incompat�veis com a de grandes empres�rios. No per�odo de mar�o de 2008 a dezembro de 2010, por exemplo, segundo a Receita Federal, a Mercavale comprou mais de R$ 270 milh�es em mercadorias. Enquanto isso, o casal Ramos, por exemplo, mora em uma casa na Rua S�o Salvador, no Bairro Jardim Teres�polis, bols�o de pobreza de Betim. Na parte de baixo do im�vel, ele trabalha num armaz�m, vendendo objetos diversos, enquanto Rose Maire jamais esteve na Mercavale, segundo Jos� Hazenclever. A dois quarteir�es dali, ele aluga um im�vel para conhecidos, na Rua Bahia, 71. Ele diz que �dson � um dos s�cios da empresa, apesar de n�o constar o nome dele no registro, que � mesmo dono da empresa e que permanece no Jardim Terez�polis “por quest�o de seguran�a”.
De acordo com a Rela��o Anual de Informa��es Sociais (Rais), do Minist�rio do Trabalho, de 1996 a 2006, Hazenclever era contratado da empresa como vigilante, tendo rendimentos mensais de R$ 641,34. Depois de “virar” s�cio, receberia sal�rio sem precisar trabalhar. Ele nega e diz que na ter�a-feira (dia que o Estado de Minas conversou com ele) teria ido ao m�dico. S� por isso, segundo ele, estava na vendinha cujo nome leva seu apelido: Armaz�m do Cl�ver.
O mesmo se repete com Gilmar Augusto e Lucimar Duarte da Silva. A empresa World Brasil, que abastece supermercados no interior de Minas, est� registrada em nome deles. Ele mora em conjunto habitacional no Bairro Arvoredo, em Contagem, enquanto ela vive com toda a fam�lia numa casa no Bairro Floramar, Regi�o Norte da capital. Segundo o Rais, de 2004 a 2009 ela era operadora de caixa da empresa, recebendo R$ 700 mensais. Na ter�a-feira, na casa de Lucimar, estava apenas Cl�udia, que se apresentou como irm� dela. Perguntada se Lucimar � a verdadeira dona da empresa, Cl�udia respondeu: “Dona assim, n�? Est� no nome dela”. Sobre se seria �dson o verdadeiro dono, a irm� preferiu n�o responder: “A� voc� olha com ela”.
Outra irm� de Lucimar, Marlucy, funcion�ria de �dson h� mais de 10 anos – informa��o confirmada por ela em depoimento no inqu�rito –, tamb�m est� envolvida no esquema. O contrato de loca��o do im�vel da World Brasil est� em nome dela. Al�m disso, em agosto de 2009, quatro im�veis pertencentes a �dson foram transferidos para o nome dela.
Provas devem ser devolvidas
Apesar das v�rias contradi��es em rela��o ao patrim�nio e tantas evid�ncias quanto � sociedade fraudulenta das duas empresas, o juiz Danton Soares, da 1ª Vara Criminal de Contagem, revogou o pedido de pris�o tempor�ria contra o empres�rio �dson Bicalho, impediu o sequestro de seus bens e ainda mandou que fossem devolvidos todos os documentos e material apreendidos durante a opera��o, o que dificulta a elabora��o do inqu�rito. “� uma decis�o surpreendente. N�o tivemos tempo para analisar o que foi apreendido”, afirma o promotor de Justi�a designado para atuar no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justi�a de Defesa da Ordem Econ�mica e Tribut�ria do (Caoet), Renato Froes, considerando que est� “mais que evidenciada a liga��o de �dson com as empresas”. “Todos dizem que ele responde pela empresa e ele era o dono do im�vel”, afirma.
O promotor diz ainda que o material est� sendo devolvido, mas, com isso, “a opera��o praticamente � inviabilizada” e fica complicada a produ��o de novas provas contra o empres�rio. O MP recorreu da decis�o.
�dson Bicalho mora em uma mans�o no Bairro S�o Bento, Regi�o Centro-Sul de BH. Ele � tido como o principal benefici�rio do esquema operado por Lino Marcos de Lima, segundo o Minist�rio P�blico de S�o Paulo e o de Minas Gerais. No site da Companhia de Armaz�ns e Silos de Minas Gerais (Casemg), �rg�o vinculado ao Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento, ele � apontado nominalmente como um dos principais clientes de Contagem.
Nos quatro volumes do inqu�rito, escutas telef�nicas e depoimentos de funcion�rios das empresas ligam �dson a um esquema muito bem articulado para se manter invis�vel nas fraudes. No entanto, lig�-lo �s empresas foi tarefa simples para os promotores, bastando fazer perguntas simples aos laranjas e, inclusive, entrando em contato com as pr�prias empresas. Uma das testemunhas do esquema � Nivanilde Soares Ferreira, a V�nia. Na transcria��o do depoimento, ela diz que trabalhava diretamente com Lino, mas “nos neg�cios relacionados ao a��car, [Lino] tratava somente com o �dson”, diz. Ela cita no depoimento outras tr�s empresas pertencentes a �dson (Tip Top, Embrafor e Top Alimentos) e respons�veis por rombo de R$ 30 milh�es na Receita Estadual.
O Estado de Minas tentou contato com Bicalho, mas as liga��es da reportagem n�o foram atendidas. (PRF)