
H� exatos 18 anos surgia a moeda que transformou a economia brasileira ao interromper a espiral inflacion�ria que tomou conta do pa�s a partir da d�cada de 1980 e que obrigou a popula��o a conviver com reajustes di�rias de pre�os e as empresas a recorrer � ciranda financeira para preservar o valor do dinheiro. Depois de congelamentos de pre�os, confisco da poupan�a e v�rios cortes de zero nas moedas (cruzado, cruzado novo, cruzeiro e cruzeiro real) que entraram em vigor nas seis tentativas frustradas de estabilizar a economia, o real come�ou a circular em 1º de junho de 1994. O Plano Real, que chega � maioridade, desindexou a economia e acabou com a distor��o da corre��o monet�ria (com pre�os indexados � infla��o, os reajustes eram realimentados e para conservar o poder do dinheiro ele era corrigido monet�riamente). Em uma s�rie de reportagens, o Estado de Minas mostra a partir de hoje o drama da conviv�ncia com uma infla��o que chegou aos hoje inimagin�veis 2.477,15% ao ano, os avan�os da estabilidade na economia do pa�s, as conquistas e os desafios que ainda h� pela frente. A diferen�a de personagens que conviveram com a corrida de pre�os e os que desconhecem essa rotina e entrevistas com alguns dos criadores do Plano Real, mostram que a moeda deu outra cara � economia brasileira.
Disposto sempre a um dedo de boa prosa, Fernando Henrique Soares, de 74 anos, tem muitas hist�rias para contar. Aos amigos de sua gera��o, sente orgulho em dizer que trabalha duro desde a inf�ncia: “Aos 7 anos, numa fazenda em Ponte Nova (Zona da Mata), tirava leite e cuidava da cria��o. Na d�cada de 1960, j� em Belo Horizonte, comecei no com�rcio. Sou vendedor, e dos bons, at� hoje”. Aos mais jovens, ele destaca uma recorda��o que pode soar como brincadeira de 1º de abril, mas que, por d�cadas, foi um pesadelo s�rio para a maioria dos brasileiros: “Houve um tempo em que a infla��o era coisa de louco. Eu colocava o pre�o num produto pela manh� e, � tarde, precisava remarc�-lo. Sabe por que isso acabou? Por causa do Real”.
A atual moeda do pa�s, que enche Fernando Henrique de orgulho, chega � “maioridade”, hoje, com o principal objetivo alcan�ado: domar o drag�o da infla��o. A t�tulo de exemplo, ela havia sido de 2.477,15% em 1993. “De 1º de julho de 1994, quando o Real entrou em vigor, a 31 de maio de 2012, o indicador foi de ‘apenas’ 305,92%”, calculou o economista Mauro Rochlin, professor da Funda��o Getulio Vargas (FGV/IBS). Para este ano, segundo o �ltimo relat�rio Focus, cujo estudo � baseado em consultas do Banco Central (BC) aos principais economistas, a infla��o deve ficar em 4,95%. “Temos o dinheiro mais forte da hist�ria de nosso pa�s”, afirma “seu” Fernando Henrique, funcion�rio da Casa Cabana, especializada em chap�us, no Centro de BH.

Mesmo n�o sendo graduado em economia, o vendedor diz ter propriedade para ressaltar a for�a da moeda em rela��o �s outras sete que vigoraram no Brasil entre 1942, quando o governo substituiu os r�is por cruzeiro, e 1994. “Como comecei a trabalhar em 1945, aos 7 anos, sou um dos poucos brasileiros que receberam sal�rios em todas as moedas (cruzeiro, de 1942 a 1967; cruzeiro novo, 1967 a 1970; cruzeiro (2), de 1970 a 1986; cruzado, de 1986 a1989; cruzado novo, de 1989 a 1990; cruzeiro (3), de 1990 a 1993; cruzeiro real, de 1993 a 1994; e real)”. Ele s� muda o humor quando se recorda – e nesse caso n�o se importa em fazer caretas – da �poca em que as fam�lias precisavam estocar alimentos para fugir dos aumentos di�rios de pre�os nos supermercados.
A professora aposentada L�cia Pac�fico, de 77, se recorda bem daquela �poca: “Era um mart�rio. N�o sab�amos como administrar o or�amento dom�stico, porque a infla��o corro�a tudo”. Em 1983, na companhia de algumas amigas, ela criou o Movimento das Donas de Casa (MDC-MG), entidade cujas participantes ficaram conhecidas como “superministras”. Ela pr�pria explica o motivo: “Faz�amos pesquisas em supermercados e divulg�vamos os pre�os na imprensa para alertar os consumidores e pressionar os estabelecimentos a reduzir os pre�os”, conta L�cia, presidente do MDC-MG.
“O que ocorreu no passado � uma situa��o que n�o d� para imaginar nos dias de hoje”, se surpreendeu a jovem Juliana Mara Silva Correia, que, assim como o real, completa 18 anos. Aluna do terceiro ano do ensino m�dio, ela cursa ingl�s no Number One: “O mercado de trabalho est� bem competitivo. Temos de saber outra l�ngua. Mas, em rela��o ao passado (a infla��o galopante), posso dizer, ent�o, que tive sorte de nascer na era do Plano Real”, concluiu Juliana sem saber que seus pais, “ele � porteiro e ela, dona de casa”, ainda se recordam dos falidos planos econ�micos anteriores ao Real.
No governo Jos� Sarney, por exemplo, o Plano Cruzado teve como uma das caracter�sticas o congelamento de pre�os. No governo Collor, houve o confisco da caderneta de poupan�a. O Real, por sua vez, p�s fim � infla��o galopante sem recorrer �s duas medidas. Mas dom�-la n�o foi tarefa f�cil.
“Dois fatores foram fundamentais para o sucesso do Real. O primeiro foi a desindexa��o da economia com a Unidade Real de Valor (URV), que contribuiu para se ter uma refer�ncia est�vel de pre�os. Quando a moeda entrou em vigor, os pre�os, por meio da URV, j� tinham uma certa estabilidade. O segundo aspecto fundamental foi a chamada �ncora cambial. Naquele momento, o c�mbio era fixo, com o BC determinando a taxa de c�mbio e, ao mesmo tempo, houve a abertura comercial externa no Brasil. As importa��es passaram a ter tarifas mais baixas, garantindo por meio da concorr�ncia a estabilidade de pre�os”, explicou o economista Mauro Rochlin.
Desafios para o futuro da economia
O real chega � fase “adulta” consolidado, mas diante de v�rios desafios. O maior deles � recolocar o pa�s na rota de um crescimento robusto, como ocorreu em 2010, quando o Produto Interno Bruto foi de 7,5%, o que levou a presidente Dilma Rousseff a classific�-lo como “um pib�o”. Em 2011, o PIB caiu para 2,77%. Para este ano, segundo o relat�rio Focus, deve fechar em 2,18%. “A receita � o governo acelerar os investimentos. Veja: a constru��o de uma hidrel�trica pelo estado pode estimular aportes privados”, defendeu o economista M�rio Rochlin, professor da Funda��o Getulio Vargas (FGV).
O economista Paulo Casaca, da Federa��o das Ind�strias de Minas Gerais (Fiemg), diz que outra f�rmula � o governo pensar mais em reformas estruturais, como a Fiscal e a Tribut�ria. “S�o pautas que precisam voltar � discuss�o. O poder p�blico tem adotado medidas pontuais e emergenciais (como a redu��o de impostos em alguns setores). Por�m, n�o resolvem o problema a longo e m�dio prazos”.
Para o economista Wanderley Ramalho, da Funda��o Instituto de Pesquisas Econ�micas Administrativas e Cont�beis (Ipead), “uma economia n�o pode confiar apenas no consumo. A m�dio e a longo prazos s�o precisos mais investimentos”. Fernando Henrique, o vendedor de chap�us, tem uma sugest�o para impulsionar a economia: acabar com a corrup��o e investir o dinheiro da “roubalheira” em projetos sociais.
