
Para os brasileiros, antes de 1994, quando foi lan�ado o Plano Real, manter a casa abastecida com alimentos e produtos de limpeza era uma tarefa quase ol�mpica. Com a hiperinfla��o, as compras feitas nos supermercados tinham de durar por no m�nimo um m�s. Por isso, a despensa da classe m�dia vivia t�o abarrotada que muitas vezes os produtos venciam e tinham de ser jogados fora. O problema � que essa fartura n�o era fruto de riqueza. Ao contr�rio, nascia da fragilidade da moeda nacional, que se corro�a diariamente. Era imposs�vel ir ao supermercado sem trombar, por exemplo, com a figura um funcion�rio em plena atividade de remarca��o de pre�os nos corredores. O mesmo acontecia em outras �reas do com�rcio, na presta��o de servi�os e em outros ramos da economia.
Enquanto eles falam sobre o per�odo de hiperinfla��o, os filhos de M�nica e M�rio – Mariana Magalh�es Avelar, 22 anos, e os g�meos Let�cia de C�ssia Magalh�es Avelar, 19, e Matheus Magalh�es Avelar, 19 -, fazem cara de quem n�o imagina o que � viver com uma corrida de pre�os que somente em 1993 (nos 12 meses que foram de dezembro de 1992 a igual m�s do ano seguinte) avan�ou 2.477,1%. Naquele ano, o real ainda n�o existia, mas � como se o consumidor tivesse comprado um presente de Natal por R$ 100 e no Natal seguinte ele tivesse passado a custar R$ 2.477 – 25 vezes mais. A situa��o era t�o dram�tica que em julho de 1994, quando foi lan�ado o Plano Real, a infla��o acumulada no ano j� estava na casa dos 815,9%.
Ant�nio Braz, analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) em Minas, recorda que a hiperinfla��o levava � substitui��o de uma moeda por outra. Diante da troca incessante, ele guardava algumas notas que j� tinham perdido valor e permitia que seus filhos brincassem com elas. Foi quando, em 1990, o ex-presidente Fernando Collor batizou uma nova moeda como cruzeiro, nome que o brasileiros j� tinham visto circular entre 1942 e 1967 e entre 1970 e 1986. “Quando essa denomina��o voltou, meu filho achou que a gente estava rico por que nossas notas (sem valor) tinham um punhado de zeros”.
“Acho surreal tamanha oscila��o nos pre�os. N�o gostaria de estar na pele de um chefe de fam�lia daquela �poca. Penso que devemos sempre lembrar dessas situa��es do nosso passado para evitar que ocorram novamente em nossa hist�ria”, observa Mariana. “Esse percentual de infla��o est� t�o distante da nossa realidade que eu nem consigo imaginar como me viraria nessa situa��o”, reconhece Let�cia. “Eu teria s�rias dificuldades em conviver com essa enorme oscila��o dos pre�os. Certamente n�o conseguiria planejar as minhas compras e muito menos fazer uma poupan�a para aquisi��o de um produto mais caro, afirma Matheus.
Dispensa lotada e calculadora na m�o
A secret�ria de Desenvolvimento Econ�mico de Minas Gerais, que foi ministra da Ind�stria e Com�rcio do governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1996, explica que antes da estabiliza��o econ�mica no Brasil, que chegou com o real, era imposs�vel acompanhar o que ocorria no pa�s ou mesmo prever o que aconteceria com o consumo. “As pessoas recebiam o sal�rio e corriam para gastar tudo ou para aplicar o dinheiro, por medo que ele perdesse o valor”. Um eletrodom�stico indispens�vel nessa fase da economia brasileira era o freezer, que obrigatoriamente vivia abarrotado de carnes e de congelados. O h�bito durou tanto que muitas fam�lias at� hoje n�o conseguiram se livrar dele.
“Ah! Isso n�o podia faltar. E aqui em casa temos (freezer) at� hoje”, diz o engenheiro Dimas Meirelles. A esposa dele, a dentista Rosana Silva Cunha Meirelles, conta que a despensa ficava lotada e que quando um paciente do consult�rio atrasava o pagamento,era um ‘deus nos acuda’. “O pre�o estava combinado previamente, mas se as pessoas demorassem a pagar, a infla��o corro�a tudo”. Naquele �poca, quando o consult�rio dela recebia um cheque, era preciso deposit�-lo rapidamente. “Quando o plano real foi lan�ado eu n�o acreditei. Achava que era imposs�vel viver sem infla��o. At� hoje guardo or�amentos antigos e, lendo-os, nem sei qual era a moeda”.

Calculadora
O drama do comerciante Alberto Reis Borges, 52, e de sua esposa, F�tima Cristina Magalh�es Borges, 50, era outro. Em 1993 eles eram propriet�rios de uma loja de biciclietas, o que obrigava Alberto passar todos os s�bados, por pelo menos oito horas, calculando os reajustes que seriam implementados na segunda-feira seguinte. “Era uma corre��o de 20% a 30% por semana”, sustenta Alberto. A tabela de produtos da loja contava com 1.200 itens e os c�lculos tinham de ser feitos com a ajuda de uma calculadora e, depois, passados para a tabela. O lado bom, segundo ele, � que os comerciantes ganhavam dinheiro com os reajustes sucessivos. "A gente comprava por um pre�o, para pagar com 30 dias, mas ao longo do m�s a tabela de valores aos clientes ia sendo reajustada. Isso nos ajudava a crescer”.
Outra caracter�stica do per�odo inflacion�rio era a inexist�ncia de redes de supermercados de pequeno porte em cada esquina dos bairros. Por isso, os belorizontinos se programavam para ir aos hipermercados ou atacadistas para fazerem suas compras. Para facilitar a vida, Alberto e F�tima faziam compras em parceria com outros dois casais, arrematando pacotes de �leo, a��car, caf�, sabonete, sab�o em p�, entre outros produtos. “A gente comprava barato e depois dividia tudo”.