Trabalho rouba inf�ncia de quase 60 mil mineiros
Levantamento mostra que, mesmo com proibi��o legal, crian�as e adolescentes encaram o batente no estado. Em todo o pa�s h� 710 mil menores de 13 anos usados como m�o de obra
postado em 29/05/2013 06:00 / atualizado em 29/05/2013 07:42
Embora a legisla��o brasileira pro�ba o trabalho aos menores de 14 anos, quase 60 mil mineirinhos de 10 a 13 anos (4,5% da popula��o dessa faixa et�ria) trabalham nos 853 munic�pios do estado, sendo 3.818 em Belo Horizonte (2,8%). No pa�s, o universo � de 710.139 crian�as e adolescentes (5,2% do total). Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), com base no censo 2010, para ajudar as prefeituras a elaborar pol�ticas p�blicas de combate ao trabalho infantojuvenil – os n�meros de cada cidade contemplam ainda a ra�a e o n�vel de alfabetiza��o. Mas a realidade pode ser muito maior do que a divulgada ontem.
“Como a pesquisa � autodeclarativa, h� um sub-registro”, avalia Isa Oliveira, secret�ria executiva do F�rum de Enfrentamento do Trabalho Infantil no Brasil. Ela explica que muitos entrevistados confundem trabalho infantil com ajuda familiar. E cita como exemplo cl�ssico o dos pais que delegam � filha ou ao filho mais velho o cuidado dos irm�os menores enquanto os adultos ganham a vida fora de casa. Para muitos pais, trata-se de uma ajuda familiar da crian�a ou do adolescente. Para os especialistas, � trabalho infantojuvenil.
“� recorrente, na sociedade em geral, o reconhecimento desse trabalho como uma ajuda e n�o um trabalho. Quando falamos em trabalho, falamos em responsabilidade transferida � crian�a ou ao adolescente.” Muitas vezes, a principal consequ�ncia dessa responsabilidade � a evas�o escolar. Segundo o IBGE, 30.787 jovens mineiros entre 10 e 13 anos, o que representa 2,3% do total dessa faixa et�ria, n�o frequentavam a escola na semana do censo. Dessas, 3.410 estavam em Belo Horizonte. No pa�s, eram 403,4 mil. Em 2011, aos 13 anos de idade, a jovem Tayuana Menezes Silva faltou diversas vezes da escola porque, no hor�rio da aula, “estava olhando os quatro irm�os mais novos”.
Al�vio no circo
At� o fim de 2012, ela chegava a faltar �s aulas a semana inteira. Cabia � garota dar banho nas crian�as, cozinhar as refei��es e fazer toda a faxina da casa. N�o sobrava tempo para as tarefas escolares. Sua vida deu uma reviravolta, h� poucos meses, gra�as � ONG Circo de Todo Mundo, voltada para a defesa dos direitos da crian�a e do adolescente. Os educadores da entidade conversaram com a fam�lia da menina e mostraram aos pais dela a import�ncia de Tayuana n�o faltar �s aulas. “Tudo est� diferente. Minha av� cuida dos meus irm�os. Sinto um al�vio, porque n�o podia fazer nada e tamb�m ficava cansada”, conta a garota.
Como aprendiz de capoteiro em uma oficina, o menino de 14 anos estuda pela manh� e trabalha � tarde (foto: APAR�CIO MANSUR/ESP. EM/D.A PRESS)
Agora, al�m de sobrar tempo para os livros, ela se dedica � arte circense, com acrobacias em tecido e lira. Maria Eneide Teixeira, coordenadora da ONG, avalia que boa parte do trabalho infantil se enraizou na cultura brasileira. “� um ciclo perverso, no qual os pais desses meninos trabalharam quando crian�as. Da mesma forma, os av�s. N�o h� outro caminho a n�o ser uma proposta educacional que envolva a escola e a fam�lia”, afirma. O t�cnico do IBGE Ant�nio Braz, que ajudou a copilar os dados do censo para elaborar as tabelas em Minas, tem pensamento semelhante: “Uma das ideias de a crian�a e o adolescente frequentarem a escola � que a probabilidade de eles trabalharem � menor”.
Com apenas 17 anos, jovem come�ou a trabalhar no mercadinho da fam�lia com 15 anos sem deixar estudos (foto: SOLON QUEIROZ/ESP. EM/D.A PRESS)
Nas fazendas
Os dados do IBGE revelaram que a maior parte do trabalho de jovens de 10 a 13 anos no estado est� concentrado na agricultura. Dos quase 60 mil garotos e garotas que trabalham em Minas, 25.342 o fazem no campo. Outros 8.716 ganham a vida no com�rcio. No Brasil, h� 346.363 no campo e, no com�rcio, outros 93.534. Para C�lia Nahas, coordenadora da equipe t�cnica do Programa de A��es Integradas e Referenciais de Enfrentamento da Viol�ncia Sexual contra Crian�a e Adolescente, “todos os n�meros que violam (os direitos) de crian�as e adolescentes s�o grandes”.
Entre a aula e o servi�o
O estudo do IBGE n�o concentrou os dados na faixa et�ria de 10 a 13 anos: o levantamento levou em conta o universo de jovens de 10 a 17 anos. Nesse caso, quase 350 mil mineiros trabalham no estado, o que representa 12,8% da popula��o dessa faixa et�ria. Muitos jovens dividem o tempo da labuta com os livros escolares, mostrando que, embora a desigualdade social tenha diminu�do no pa�s nos �ltimos anos, nem todos t�m o privil�gio de frequentar as salas de aula sem ajudar no sustento da fam�lia.
O trabalho � uma realidade na vida de P.X. (iniciais de nome fict�cio), de 14 anos. H� dois meses, o garoto conseguiu uma vaga de aprendiz de capoteiro numa oficina numa cidade no Norte do estado. A remunera��o n�o � alta, mas � o suficiente para ele custear os estudos – o jovem assiste �s aulas pela manh� e, � tarde, aprende o of�cio. “E sobra ainda uma parte para ajudar nas despesas de casa”, diz o rapaz, aluno da 8ª s�rie. Outro garoto que divide o tempo entre escola e trabalho � Q.J. (iniciais fict�cias), de 13.
Matriculado no 6� ano, garoto de 13 anos estuda e vende picol�s no interior de Minas para ajudar a fam�lia (foto: APAR�CIO MANSUR/ESP. EM/D.A PRESS)
O menino, que est� matriculado no 6º ano do ensino fundamental, estuda no per�odo da manh� e, � tarde, vende picol�s e sorvetes perto do leito do Rio S�o Francisco, o Velho Chico. O melhor, diz ele, � que h� tempo para molhar o corpo quando o sol est� escaldante: ”D� para uma ducha”. O garoto conta que trabalha por necessidade financeira.
“A gente precisa ganhar um dinheirinho”, revela o adolescente, que disse faturar de R$ 100 a R$ 150 por semana. Tudo que ganha vai direto para sua m�e, respons�vel pelas despesas do lar. Na mesma regi�o do estado, Z.Z. (in�ciais fict�cias), de 16 e que est� matriculado no segundo grau, consegue cerca de R$ 400 mensais como auxiliar de mec�nico numa oficina. Ele revela que come�ou a aprender o of�cio aos 12 anos. “O dinheiro � para minhas despesas mesmo. J� estou ‘liberado’, pelos meus pais, de ajudar em casa. Mas continuo ajudando nas despesas do lar.”
Quem tamb�m come�ou a pegar cedo no batente � P.N. (iniciais fict�cias), que come�ou a trabalhar, aos 15 anos, no mercadinho da fam�lia. L� se v�o dois anos. Matriculado no terceiro ano do ensino m�dio, o garoto conta que sente orgulho em conseguir o “pr�prio dinheiro”. (LR)