
Governador Valadares – Waltency Vieira, de 54 anos, morou cinco anos nos Estados Unidos, onde ganhou a vida na faxina e em sal�es de beleza. “Houve �poca que tirei US$ 300 (R$ 900) por dia. No Brasil, como cabeleireiro, fa�o menos de R$ 100 (US$ 33,3)”, comparou o morador de Governador Valadares, cidade do Vale do Rio Doce conhecida por exportar uma multid�o para a terra do Tio Sam desde a d�cada de 1960, quando engenheiros norte-americanos que chegaram � regi�o para a amplia��o da estrada de ferro Vit�ria–Minas despertaram na popula��o o desejo pelo glamour de um pa�s com a economia s�lida (leia box).
Muitos desses migrantes voltaram � terra natal, a partir de 2008, em raz�o da crise econ�mica mundial, que enxugou empregos e renda nos Estados Unidos. O Brasil foi um dos �ltimos pa�ses a sentir os efeitos da recess�o, por�m, nos �ltimos meses, o Pal�cio do Planalto n�o consegue controlar a disparada dos pre�os de mercadorias e servi�os. Tampouco reduzir taxas de juros e frear a cota��o de moedas internacionais, como o d�lar.
Para se ter ideia, a moeda americana disparou 53,8% em rela��o ao real em 12 meses, de R$ 2,21, em 22 de maio de 2014, para R$ 3,04, na mesma data de 2015. J� o �ndice de Pre�os ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), divulgado semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) e que, na pr�tica, � uma pr�via da infla��o oficial, subiu 8,24% no acumulado de 12 meses – acima do centro da meta (4,5%) estipulado pelo governo para todo o ano de 2015.

Em sentido oposto, o rendimento m�dio do brasileiro recuou 2,9% no mesmo intervalo, de R$ 2.208,08 para R$ 2.138,50, o que ajudou na redu��o do consumo no pa�s. No sal�o de Waltency, por exemplo, o servi�o despencou pela metade. “Diariamente, h� mais ou menos um ano, eu atendia de 16 a 20 pessoas. Hoje, em m�dia, apenas oito. Havia tr�s colaboradores no sal�o. Em raz�o da queda na demanda, agora trabalho sozinho.”
O lamento do cabeleireiro ajuda a entender o porqu� do retorno da migra��o de Valadares para a Am�rica. “Muita gente que foi para os Estados Unidos retornou � regi�o (com a crise de 2008). Agora, com a alta do d�lar, v�rios est�o indo novamente para l�”, conta Paulo Costa, presidente da Associa��o dos Parentes e Amigos dos Emigrantes (Aspaemig). Ele acrescenta: “A alta do d�lar � ruim para o Brasil, mas para Governador Valadares � boa”.

Quem mora na maior cidade do Vale do Rio Doce entende bem a �nfase do presidente da entidade. Afinal, a remessa de d�lar � uma das principais engrenagens da economia do munic�pio. Edna Maria dos Santos, de 43, e o marido, Ant�nio Dias, de 36, que o digam. Eles conseguiram montar uma loja especializada em moda americana com o recurso enviado por uma irm�.
“Somos 10 filhos vivos, dos quais cinco moram na Am�rica. Uma irm� investiu uma grana na montagem da loja. Eu e meu marido entramos na sociedade com a m�o de obra”, conta Edna dos Santos. O nome do estabelecimento faz uma criativa alus�o � rela��o entre Valadares e os Estados Unidos: USA & Use.
A loja do casal fica no Bairro Santa Rita, na entrada de Valadares, onde tamb�m mora Geisiany Euriques, de 29. Ela passou sete anos na terra do Tio Sam, onde limpou casas e cuidou de crian�as. “Meus pais tamb�m foram e juntamos um bom dinheiro.” A fam�lia hoje tem quatro im�veis. Geisiany � uma das moradoras que planejam voltar � Am�rica: “Retornei a Valadares em 2011. Desde ent�o, n�o consegui emprego com carteira assinada. Nos Estados Unidos, como bab� e na limpeza, tirava R$ 3 mil. No Brasil, coloquei curr�culo em tudo quanto � canto e nada. Vou tentar o visto este ano”.
O mesmo far� a auxiliar administrativa Maria (nome ficit�cio), de 24, e o marido, Jos� (nome ficit�cio), de 29. Ele morou em Boston de 2004 a 2009, quando voltou ao Vale do Rio Doce e construiu quatro casas com o dinheiro que juntou como lavador de carro e de vasilhas. Tamb�m foi pintor. Desde o retorno, por�m, n�o conseguiu emprego com boa remunera��o. Da� a decis�o dele em aproveitar a alta do d�lar e convencer a esposa a se mudar para a Am�rica.
O casal vai tentar o visto nos pr�ximos meses e, se tudo der certo, parte t�o logo ela finalize a faculdade de administra��o, no segundo semestre. “O sal�rio meu e o do meu marido somam R$ 2 mil mensais. Devemos conseguir nos EUA em torno de R$ 9 mil por m�s. Temos familiares l� h� quase uma d�cada”, conta Maria, acrescentando que o dinheiro que eles conseguirem deve ser investido em im�veis na terra natal.

Ali�s, as remessas de d�lares sustentam a constru��o civil na cidade. Jos� Elias da Costa, um mestre de obras de 55 anos, construiu cinco casas geminadas em Valadares neste ano dessa forma. “S�o de pessoas que moram nos Estados Unidos e levantam resid�ncias para alugar. Quero fazer o mesmo”, deseja Elias, que morou na terra do Tio Sam por tr�s anos. “Planejo voltar, porque o d�lar est� em alta. Vou tentar o visto nos pr�ximos dias.”
A remessa da moeda americana � t�o importante para a economia da cidade que h� tempos resultou na cria��o de uma palavra curiosa, pronunciada no plural: valad�lares. Ela traduz a realidade dos valadarenses que enviam ou recebem o dinheiro suado ganho nos EUA.
A ORIGEM DA FAMA
Um grupo de norte-americanos chegou a Valadares, na d�cada de 1940, para a expans�o da estrada de ferro Vit�ria-Minas. Foi uma �poca de grande desenvolvimento na regi�o e moradores associaram os bons resultados da economia local � presen�a dos estrangeiros. A ida de valadarenses � terra do Tio Sam come�ou duas d�cadas depois. Os primeiros que foram, retornavam com boa quantia de d�lares ou ficavam por l� e enviavam grandes cifras aos familiares. Na d�cada de 1980, enquanto jovens de cidades pequenas migravam para as capitais brasileiras, os de Valadares rumavam para os Estados Unidos. Nascia, assim, os valad�lares.