
Belo Oriente – As contas p�blicas aparecem em grandes n�meros no iPad do prefeito de Belo Oriente, Pietro Chaves. Ele est� chegando ao fim do terceiro mandato e domina quase de cor o or�amento. Fazendo alguns c�lculos r�pidos, confirma que nos �ltimos anos quase nada mudou na contabilidade. Perto de 80% dos R$ 65 milh�es arrecadados pela cidade em 2015 v�m de uma �nica receita: a Cenibra, gigante da celulose e uma das maiores produtoras do mundo da mat�ria-prima do papel. Gra�as � boa fase da companhia, Belo Oriente, por sorte, n�o viu sua arrecada��o despencar no �ltimo ano, como ocorreu com munic�pios vizinhos e com o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto da produ��o de bens e servi�os) do pa�s.
Cidades que durante a crise ainda surfam na boa fase das empresas se transformam em esp�cie de o�sis de uma regi�o, no entanto, a falta de planejamento de um futuro independente � o maior risco. Este � o tema da segunda reportagem da s�rie Cidades Dependentes que o Estado de Minas publica desde ontem. Ao lado de Belo Oriente, no entanto, munic�pios do Vale do A�o sentem os efeitos da crise das ind�strias sider�rgicas e da minera��o, ante a queda dos pre�os das commodities (produtos agr�colas e minerais cotados no mercado internacional), como Ipatinga, que abriga a Usiminas; S�o Gon�alo do Rio Abaixo e Itabira, onde a mineradora Vale mant�m importantes jazidas de ferro.
Em Belo Oriente, � f�cil perceber que a Cenibra, refer�ncia para uma gera��o na d�cada de 70, continua a ser a meta de jovens, quase como �nica op��o, se quiserem permanecer em sua cidade natal. Esse � o caso de Maria Rosa Vieira, de 35 anos, que trabalha no viveiro da Cenibra h� 12 anos. “Comecei como auxiliar de viveiros e fui promovida a auxiliar de processos.”
A empresa produtora de celulose de eucalipto se beneficia da alta do d�lar, j� que mais de 90% de sua produ��o s�o exportados. Desde a d�cada de 70, quando se instalou na regi�o, a companhia continua sendo, na defini��o do governo municipal, de empres�rios e moradores da pequena cidade de 24 mil habitantes, a galinha dos ovos de ouro, analogia � f�bula de Esopo, o contador de hist�rias da Gr�cia antiga, que n�o poderia ser mais real.
A economia de Belo Oriente se divide entre os empregos gerados pela prefeitura e a f�brica. Quatro d�cadas depois da chegada da Cenibra ao Vale do Rio Doce, ainda n�o h� diversifica��o no horizonte. A Secretaria de Desenvolvimento Econ�mico, respons�vel por fomentar e pensar a��es estrat�gicas, foi criada no munic�pio, mas logo depois escolhida para ser extinta em um corte para reduzir “gastos”, como se assim o fosse, p�blicos.
POL�MICA REA��O H� outros casos conhecidos em Minas de cidades ancoradas por uma �nica atividade, como S�o Jo�o Nepomuceno, na Zona da Mata, e Nova Serrana, no Centro-Oeste, que, diferentemente de Belo Oriente, enfrentaram crises que as fizeram dar a volta por cima em determinados per�odos. A ind�stria do vestu�rio de S�o Jo�o Nepomuceno se viu obrigada a renascer no fim dos anos 90, quando sofreu com o fechamento da rede varejista Mesbla, at� ent�odestino de toda a produ��o.
As empresas locais investiram na qualifica��o de empregados e da gest�o do neg�cio no come�o de 2000, num projeto conjunto com a Federa��o das Ind�strias de Minas Gerais (Fiemg) e o Servi�o Brasileiro de Apoio �s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). De simples terceirizadas, passaram a desenvolver o design e cole��es. Na ind�stria de cal�ados de Nova Serrana, o trabalho foi tamb�m intenso nessa dire��o, inclusive como rea��o ao avan�o do cal�ado chin�s no varejo brasileiro. As empresas do setor come�aram a colher os frutos da iniciativa em 2011, com a diversifica��o dos clientes, atingindo mercados do Nordeste e Sul do pa�s.
A especializa��o de uma economia ou local em determinado produto ou servi�o n�o consiste num mal em si e buscar a diversidade tamb�m pode ser arriscado, na vis�o do economista S�rgio Lu�s Guerra Xavier, da Federa��o das Ind�strias de Minas Gerais (Fiemg). Ele provoca a pol�mica ao indagar o que seria de determinados munic�pios se n�o houvesse a grande empresa ou atividade que eles abrigam.
“Elas (as empresas) se estabelecem e crescem por uma s�rie de fatores e �s vezes por uma voca��o do local. Encontrar formas de diversificar � arriscado tamb�m porque n�o necessariamente temos o conhecimento e a capacidade de prever o que ocorrer� no futuro”, afirma. Uma boa sa�da, na vis�o de S�rgio Xavier, estaria num esfor�o conjunto de institutos de pesquisa, desenvolvimento e das universidades de criar intera��o maior com a ind�stria em favor da sofistica��o tecnol�gica e inova��o de produtos. “As cidades ganhariam e isso n�o seria necessariamente um ato de diversificar a economia. Com recursos gastos em tecnologia e aumento da produtividade, naturalmente as oportunidades surgiriam nessas cidades”, observa o economista da Fiemg.
Na regi�o de Belo Oriente, segundo o vice-presidente da Cenibra, Naohiro Doi, a empresa estende atua��o por um raio de mais de 50 munic�pios e mant�m 10 mil empregos. “A Cenibra faz o m�ximo poss�vel pela regi�o, tem diversos projetos e contribui pagando os impostos, cabe � gest�o municipal decidir a melhor forma de investi-los”, diz o executivo.
Ar e sustento de gera��es
Com a trag�dia socioambiental de Mariana, que tirou a vida do Rio Doce, depois do rompimento de Barragem de Fund�o, da mineradora Samarco, as atividades da Cenibra em Belo Oriente foram paralisadas por quase 30 dias, j� que a lama comprometeu enormemente a capta��o de �gua. A parada causou quase que um p�nico na regi�o, dependente dos bons neg�cios gerados pela celulose.
Belo Oriente respira a empresa, mas muitos acreditam que o potencial da cidade � pouco explorado, o que aprofunda e agrava a depend�ncia. Morador do munic�pio, Jos� Geraldo Dutra, 55 anos, teve o seu primeiro emprego na Cenibra. L� trabalhou dos 15 anos at� a aposentadoria. Ao se desligar, com outros dois colegas de trabalho, decidiu montar uma pequena empresa para dar manuten��o �s m�quinas da companhia.
H� 16 anos, o neg�cio come�ou pequeno, com 4 funcion�rios e R$ 10 mil de investimento para cada s�cio. Hoje, a GNV emprega 160 funcion�rios e � uma empresa pr�spera, com presta��o de servi�os em v�rios estados do pa�s. Geraldo se ressente de que, na cidade onde nasceu, quase n�o existam exemplos locais, como o seu. “Existem muitas possibilidades para fomentar a presta��o de servi�os. Belo Oriente perde tamb�m a oportunidade de diversificar sua economia com atividades que exigem pouco espa�o. Um exemplo � a produ��o de hortifr�ti”, sugere.
Daniel Figueiredo, 20, come�ou como jovem aprendiz e ficar na Cenibra � sua meta. Ele v� a f�brica como melhor op��o para quem mora na vizinha Coronel Fabriciano. Seu pai trabalha h� v�rios anos na empresa e seu av� se aposentou l�. “Quero crescer aqui. Me lembro da Cenibra desde a minha inf�ncia, quando recebia o material escolar, nas conversas durante o jantar.”
Pelo que os investimentos indicam, a depend�ncia de 40 anos deve permanecer. O prefeito de Belo Oriente diz que est� investindo na educa��o para que a m�o de obra local seja mais bem aproveitada pela f�brica. Segundo ele a arrecada��o est� bem empregada na remunera��o de professores e em investimentos para a educa��o fundamental. Al�m disso, o executivo municipal diz que parte do or�amento � comprometido com o pagamento da d�vida p�blica, e explica que, por enquanto, n�o h� a��es com foco em atrair empresas de outros segmentos para a cidade.
PEDRA NO CAMINHO A li��o da diversidade valeu para os neg�cios de um nato empreendedor de Jeceaba, Marcelo Jorge Dias, de 45 anos, que percebeu a oportunidade de investir na cidade durante os bons ventos da constru��o da sider�rgica dos grupos Vallourec e Sumitomo. Nascido e criado no munic�pio, come�ou h� tr�s anos a adaptar um im�vel de tr�s andares para abrigar a pousada, que, hoje, conta com 21 quartos.
No mesmo pr�dio, ele inaugurou um restaurante em 2012, criando o Hotel e Restaurante Dias, al�m de trabalhar no ramo de transporte. Com a crise, o movimento enfraqueceu, mas ele n�o desistiu dos planos e equilibra os resultados, se aproveitando do desempenho eventualmente melhor de um neg�cio em rela��o ao outro. “Se a empresa (a sider�rgica VSB) alavanca 70% do com�rcio de Jeceaba, sem ela o com�rcio n�o teria se desenvolvido. Hoje temos lojas de celular, mercearias, bares e academia. A cidade ganhou muito e o padr�o de consumo melhorou. Sou do tempo em que n�o se comia pizza aqui, s� salgadinhos em poucos bares”.
