Mirabela – Queda vertiginosa nas exporta��es de carne do Brasil, consumidores receosos de comprar o produto vencido ou adulterado com elementos qu�micos e um enorme preju�zo para a economia, depois de anunciado o conte�do das investiga��es sobre fiscaliza��o irregular e maquiagem de mercadoria j� impr�pria para o consumo em 21 frigor�ficos. O esc�ndalo da carne, que veio � tona na semana passada, parou quase todo o pa�s, mas em um canto especial de Minas Gerais, – Mirabela, pequena cidade do Norte do estado, – a vida segue sem qualquer preocupa��o � mesa. No munic�pio, conhecido como a capital da carne de sol, a popula��o compra o produto diretamente do a�ougueiro respons�vel pelo abate, sem embalagem e qualquer tipo de conservante.
O cliente est� acostumado a testar a qualidade da mercadoria com os pr�prios olhos, treinados por quem desfruta da tradi��o do cart�o-postal de Mirabela. “Aqui n�o tem problema porque n�o trabalhamos com carne embalada. O cliente chega e escolhe a mercadoria. Ele confere na hora a qualidade da carne que est� comprando”, afirma Marcelo Silva Aquino, a�ougueiro em Mirabela. “O problema � com a carne embalada dos frigor�ficos, que � vendida em supermercados. N�o � o nosso caso”, completa.
O munic�pio de 13 mil habitantes, distante 483 quil�metros de Belo Horizonte, conta com 21 a�ougues, que, segundo o dono de um deles, comercializam em torno de 12 toneladas de carne (80 reses abatidas) por semana, ou seja, 48 toneladas mensais. Segundo a prefeitura do munic�pio, cerca de 70% da produ��o da carne de sol de Mirabela vai para outras cidades, tendo Belo Horizonte como um dos destinos.
O setor trabalha duro e n�o conta com log�stica de distribui��o. A carne de sol � levada para outras cidades, como Montes Claros, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, S�o Paulo, Bras�lia e Goi�nia pelos pr�prios consumidores, na forma de encomenda para amigos e conhecidos. “� praticamente imposs�vel um cidad�o visitar ou passar por Mirabela e n�o comprar carne de sol para levar para algu�m”, afirma Adauto Nilo Costa Aquino, agente de desenvolvimento da prefeitura local. “A carne de sol � realmente o carro-chefe da nossa cadeia produtiva”, assegura.
A tradi��o de Mirabela data de mais de 80 anos, gra�as aos antigos tropeiros, que cortavam a regi�o. Logo depois do abate, a carne � salgada e colocada para descansar por, no m�nimo, quatro horas. Depois disso, no jarg�o local, � pendurada, processo que garante melhor sabor ao alimento. Assim, n�o corre risco de qualquer mistura ou adi��o de produto qu�mico e inje��o de �gua, irregularidades que, segundo as investiga��es da PF, eram cometidas nos frigor�ficos que est�o no alvo da Opera��o Carne Fraca.
Houve um tempo em que em Mirabela a carne era exposta no sol – da� a origem do nome. No entanto, cerca de 10 anos atr�s, por exig�ncia da Vigil�ncia Sanit�ria, os donos de a�ougues foram obrigados a acondicionar a mercadoria em mostru�rios fechados (de vidro e tela), para garantir a higiene e evitar contamina��o. No modelo secular, o fregu�s chega, olha, pergunta o pre�o, escolhe o corte e o atendente pesa a carne. Somente depois de pesado – e conferido–, o produto � embalado. Alguns estabelecimentos fazem a embalagem a v�cuo, que facilita o transporte.
SABOR E TRADI��O O comerciante Marcelo Aquino salienta que o aspecto tradicional da carne de sol oferece vantagem para o consumidor. “A carne fresca ou congelada pode ter uma ‘quebra’ de at� 30% no peso. A carne de sol n�o tem nenhuma perda no peso”, afirma Aquino. Ele diz que, al�m de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e S�o Paulo, j� vendeu encomendas levadas para outros pa�ses, como M�xico e Alemanha. “J� atendi muita gente que veio em Mirabela s� pra comprar carne de sol”, relata.
Nesta semana, o quilo da carne de sol em Mirabela era encontrado a R$ 24, sem perspectiva de redu��o devido �s den�ncias de irregularidades nas ind�strias frigor�ficas, levantadas na opera��o da PF. “Aqui n�o tem previs�o de queda do pre�o, pois nossa cidade n�o foi afetada por esse problema dos frigor�ficos”, afirma Mois�s Cardoso Ferreira, comerciante do ramo em Mirabela. “Acredito que o pre�o da carne s� vai cair se as exporta��es forem travadas, porque a� vai sobrar gado no pasto. � a lei da oferta e da procura”, comenta Henrique de Jesus Fonseca Mendes, tamb�m dono de a�ougue na cidade.
Na contram�o da crise
MONTES CLAROS - O clima de tranquilidade, com a certeza de que n�o sofrer�o nenhuma consequ�ncia negativa da Opera��o Carne Fraca, prevalece entre a�ougueiros de Montes Claros, munic�pio que funciona como polo do Norte de Minas, com seus 394 mil habitantes, e que tamb�m tornou-se conhecido pela qualidade da sua carne de sol. As carnes embaladas dos grandes frigor�ficos s�o vendidas em Montes Claros, mas somente nas redes de supermercados do munic�pio.
Nos a�ougues da cidade n�o se fala nos impactos do esc�ndalo da carne. “A gente n�o tem como ser atingido porque n�o trabalhamos com carne embalada, nem com carne congelada”, afirma Giliard Gon�alves Dias, comerciante de carnes no Mercado Municipal de Montes Claros. O estabelecimento � ponto obrigat�rio de visita para os turistas e que tem a carne de sol como um dos seus principais produtos. N�o por acaso, o mercado conta com 40 a�ougues.
Giliard ressalta que os pequenos comerciantes de carne adquirem o produto de dois frigor�ficos do munic�pio. “Logo depois do abate do boi, a carne vai para o a�ougue no mesmo dia”, informa. A carne de sol no Mercado Municipal de Montes Claros est� sendo vendida a R$ 23 o quilo, pre�o que j� era praticado antes de 17 de mar�o. “Se as exporta��es de carne do Brasil forem fechadas, vai aumentar a oferta de boi no pasto e o pre�o da carne deve baixar para o consumidor”, diz Giliard.
Dono de a�ougue no Mercado Municipal de Montes Claros, Jos� Ronaldo Veloso Santos, de 54 anos, dos quais 27 dedicados ao neg�cio, espera que, diante das den�ncias de fraude na ind�stria frigor�fica, muitas pessoas deixem de comprar o produto embalado, optando pela aquisi��o da carne do sistema tradicional nos a�ougues. “A nossa carne n�o � congelada, nem empacotada. Acho que as nossas vendas poder�o at� aumentar”, afirma Jos� Ronaldo.
ORG�NICA Ainda em Mirabela, “a grande vantagem da carne de sol � que se trata de um produto natural, sem conservantes. Compr�-la � como comprar hortali�a org�nica”, afirma o comerciante Valdir Viana. Natural de Janu�ria, outro munic�pio do Norte do estado, ele mora em Mirabela e relata que sempre compra o famoso produto do lugar e envia encomendas para amigos e conhecidos em Belo Horizonte e outras cidades como Bras�lia e Goi�nia.
“O grande diferencial da carne de sol de Mirabela � que sabemos que ela tem qualidade e boa proced�ncia. Por se tratar de uma cidade pequena, todo mundo conhece os a�ougueiros do lugar e sabe que eles s�o pessoas id�neas”, assegura Valdir Viana.
Viana conta que durante v�rios anos trabalhou como representante comercial e fazia viagens constantes a Belo Horizonte. A cada viagem carregava uma quantidade de encomendas de carne de sol para colegas de trabalho. ‘”Em uma certa ocasi�o, levei 200 quilos de carne para um grupo de amigos”, recorda.