
“Antes era assim: tinha rico, classe m�dia e pobre. Depois, a coisa mudou e o pobre passou a ser classe m�dia, a comprar televis�o, carro, ter acesso a saneamento b�sico. Mas estou com medo, porque parece que as coisas est�o voltando a ser como antes.” Quem tra�a o retrato sociol�gico e econ�mico do Brasil da �ltima d�cada � a manicure Regina C�lia Pires, de 57 anos, l�der comunit�ria da Vila Ambrosina, �s margens do Ribeir�o Arrudas, na Regi�o Oeste de Belo Horizonte. De tr�s anos para c�, dona Regina perdeu clientes e agora vive da renda do im�vel que aluga embaixo da casa. E ela � daquelas pessoas que evitam eufemismos. “Sou pobre. Sempre fui, mas consegui construir minha casa, comprar tanquinho, lava-roupa, panela el�trica e meus filhos, um carro. Agora, j� cortei internet, TV por assinatura. N�o estou dando conta de pagar. As mulheres est�o fazendo a unha s� pra ir pra festa”, afirma.

NOVO OBST�CULO Resiliente � crise de 2012, a menina dos olhos da economia, no entanto, n�o ficou imune � recess�o que come�ou em 2014. A renda per capita dos brasileiros caiu 11,4% entre 2014 e 2016, quando 5,4 milh�es de pessoas entraram para a pobreza, de acordo com a FGV Social. “No passado, a infla��o foi o grande aliado da nova classe m�dia. Olhando para frente, a infla��o n�o vai cair mais, ent�o o desemprego � a bola da vez. Quem vai permitir a recupera��o s�o o emprego e a maior produtividade”, afirma o pesquisador da FGV Social, Marcelo Neri, ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estrat�gicos da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“Nos �ltimos 12 meses, a renda j� est� crescendo 3%. A classe C est� voltando, mas ainda n�o recuperou as perdas”, afirma Neri. O desafio da recupera��o � grande, diante de 12,6 milh�es de desempregados do Brasil. A taxa de desemprego no pa�s fechou em 12% no trimestre encerrado em novembro, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios Cont�nua (Pnad Cont�nua). Os desocupados s�o 543 mil (4,1%) a menos em rela��o ao trimestre anterior, por�m, 439 mil a mais (3,6%) se comparados com o mesmo trimestre de 2016. Segundo o IBGE, o trabalho informal vem contribuindo para a tend�ncia de desacelera��o do desemprego.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) Rafael Osorio destaca que o desemprego entre a parcela mais pobre da popula��o � maior, o que torna a situa��o mais delicada. “Essas pessoas tamb�m sofrem mais com a instabilidade do mercado de trabalho, porque o sal�rio � o que a maior parte das fam�lias tem para se manter. N�o h� outra renda. Ent�o, se um trabalhador informal, um ‘marido de aluguel’, por exemplo, perde clientes, de repente a renda da fam�lia vai para zero. Com uma maior gera��o de empregos, esse quadro pode come�ar a se reverter”, afirma o pesquisador.
SUSTO “A classe C foi quem mais ganhou e quem mais perdeu nesses �ltimos 15 anos. Quanto mais baixa a classe social, maior o desemprego”, afirma o s�cio da CA Ponte Estrat�gica, consultoria voltada para o consumidor popular, Andr� Torretta. Pesquisa realizada pela consultoria aponta que, embora a not�cia seja de que a crise est� passando, a turbul�ncia econ�mica ainda assusta essa parcela da popula��o. “Oitenta e oito por cento dos entrevistados se dizem vulner�veis. O cen�rio est� mudando, mas ningu�m sai de uma crise como entrou. Isso gera um trauma”, refor�a Torretta.
A parte positiva � que, segundo o levantamento, a classe C passou a ter maior educa��o financeira e a valorizar mais a educa��o. Foi colocando o p� no freio que o alfaiate Jo�o Correia, de 63, conseguiu manter as contas em equil�brio. A crise financeira atravessada pelo pa�s derrubou em 40% o rendimento do alfaiate. Os clientes sumiram e a inadimpl�ncia tamb�m aumentou.
“Cortamos as viagens e tenho uma filha solteira que ajuda a pagar a TV e a internet. Nossa sorte � que constru�mos nossa casa pr�pria, ent�o n�o temos despesa com im�vel”, afirma. Ver os tr�s filhos formados no ensino superior – cursado com aux�lio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa do governo federal – � mais um motivo de al�vio para Jo�o, preocupado com a situa��o do pa�s. “G�s e gasolina s� sobem, com a Petrobras faturando alto. Tem alguma coisa errada.”
Refer�ncia
A Associa��o Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep) lan�ar� em fevereiro a atualiza��o do Crit�rio Brasil, an�lise das classes sociais brasileiras que serve como refer�ncia para institutos de pesquisas. Os dados s�o feitos com base na Pesquisa de Or�amento Familiar (POF) e a �ltima vers�o usa dados de 2015. “No auge da crise, vimos uma piora no perfil de distribui��o socioecon�mica com o crescimento das classes mais baixas. N�o acredito que houve mudan�a substancial. O desemprego cresceu um pouco ainda, mas n�o melhorou para ficar otimista”, diz o coordenador do Crit�rio Brasil da Abep, Luis Pilli.
A �ltima pesquisa mostrou que o desaquecimento econ�mico impactou com maior for�a os domic�lios que, em 2015, eram classificados como B2 e C1, com rendimentos m�dios de R$ 4,9 mil a R$ 2,7 mil, respectivamente. “Quase um milh�o de domic�lios ca�ram para as classes D e E”, ressalta Pilli.
Conceito vari�vel
N�o h� um consenso sobre o conceito de classe C no pa�s. O Crit�rio Brasil, por exemplo, par�metro usado por institutos de pesquisas, considera uma s�rie de vari�veis para definir classe social, entre elas escolaridade do chefe de fam�lia, o acesso desse grupo a bens e servi�os, como �gua encanada, eletrodom�sticos, ve�culos e at� mesmo se o lar tem ou n�o empregados dom�sticos. A renda tamb�m � associada, mas � usada como crit�rio secund�rio. A metodologia de desenvolvimento do Crit�rio Brasil, que entrou em vigor no in�cio de 2015, est� descrita no livro Estratifica��o socioecon�mica e consumo no Brasil, dos professores Wagner Kamakura (Rice University) e Jos� Afonso Mazzon (FEA/USP), baseado na Pesquisa de Or�amento Familiar (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). A consultoria Tend�ncias considera que a classe C est� no espectro da popula��o com renda entre R$ 2.302 e R$ 5.552, por fam�lia. O IBGE e o Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) n�o trabalham com classifica��o por renda e a atualiza��o desses n�meros por outros institutos ficou dificultada pela mudan�a metodol�gica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad), do IBGE.