Produ��o brasileira de queijo tem futuro incerto com acordo entre Mercosul e UE
Temor com acordo firmado entre o Mercosul e a Uni�o Europeia � que importados barateiem e desestabilizem a produ��o brasileira, que vem conquistando cada vez mais reconhecimento
postado em 10/07/2019 06:00 / atualizado em 10/07/2019 08:11
Queijos canastra e serro foram inclu�dos em lista do acordo comercial contendo 38 produtos com indica��es geogr�ficas do Brasil
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press %u2013 3/7/14)
Mais que abrir fronteiras e trazer possibilidades de novos neg�cios para o Brasil, o Acordo de Livre-Com�rcio entre pa�ses do Mercosul e da Uni�o Europeia (UE) trouxe receio a produtores nacionais de setores tradicionais na Europa sobre o risco de concorr�ncia nociva, como os queijos e os vinhos.
L�der no mercado de queijos, respons�vel por 40% da produ��o do pa�s, Minas Gerais vislumbra, de um lado, a chance de a iguaria mineira estar na mesa dos europeus, junto dos consagrados gorgonzola, brie e emmental, para citar somente tr�s famosos.
Em contrapartida, teme que, sem a tributa��o, importados barateiem, ganhem a prefer�ncia dos brasileiros e desestabilizem o setor, que vem conquistando espa�o e reconhecimento. Este ano, o queijo minas artesanal, produzido com leite cru, recebeu 50 medalhas em concurso na Fran�a.
Esta reportagem � a segunda na qual o Estado de Minas trata da repercuss�o do acordo de livre-com�rcio sobre setores tradicionais e t�picos da produ��o brasileira e mineira. Em mat�ria publicada ontem, os produtores de vinho demonstraram expectativa com a concorr�ncia em raz�o das condi��es desiguais perante os europeus. Enquanto a tributa��o � alta no Brasil, no Velho Continente h� subs�dio.
Para os queijos, a boa not�cia � que o tratado entre o Mercosul e a UE reconhece 38 indica��es geogr�ficas brasileiras, incluindo o queijo canastra e o queijo do serro. Significa dizer que o bloco europeu atesta que os produtos t�m proced�ncia exclusiva das regi�es, respectivamente, da Serra da Canastra e da Microrregi�o do Serro.
Tamb�m se espera que o acordo acelere a derrubada de barreiras sanit�rias, que hoje impedem a comercializa��o de certos itens no Velho Continente, caso do queijo artesanal feito com leite cru. Para participar da premia��o na Fran�a, produtores precisaram levar a iguaria escondida na mala.
Se considerado isoladamente, Minas est� no ranking dos 15 maiores produtores mundiais de queijo, de acordo com o Sindicato da Ind�stria de Latic�nios do Estado de Minas Gerais (Silemg). Atualmente, o Brasil produz cerca de 800 mil toneladas de queijo por ano, sendo 320 mil no estado.
Ainda em detalhamento, o acordo prev�, no caso dos queijos, a comercializa��o de uma cota crescente de at� 30 mil toneladas no prazo de 10 anos. A carga tribut�ria para os importados, de 28%, cair� gradativamente at� zero nesse per�odo – a exce��o � a mu�arela.
As 30 mil toneladas representam pouco menos de 4% da produ��o nacional e, embora pare�a pouco, acende o alerta.
“Estamos muito preocupados. Essa quantidade � a gota d'�gua para fazer com que o copo derrame. Se n�o tivermos capacidade competitiva de ser exportadores, s� seremos importadores. Isso acaba criando uma superoferta do produto no mercado interno”, afirma o diretor-executivo do Silemg, Celso Costa Moreira, que re�ne 150 empresas de latic�nios,.
“Para os industriais brasileiros, parece que vai ser uma nega��o. J� para os produtores rurais, vai ser um ganho. Se a Europa reconhece o queijo canastra, temos muita visibilidade”, observa o presidente da Associa��o de Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), Jo�o Carlos Leite.
O analista da unidade de agroneg�cio do Sebrae Minas Ricardo Boscaro afirma que o com�rcio livre de impostos entre os dois blocos demandar� mudan�a no setor. “Como v�o entrar queijos mais baratos, vai exigir uma adequa��o da ind�stria de latic�nios. Primeiro, � preciso entender o tamanho da redu��o de pre�o dos importados e se isso ser� suficiente para seduzir novos consumidores”, afirma.
REESTRUTURA��O
O consenso na �rea � que a adequa��o n�o depender� somente do produtor ou da ind�stria, mas tamb�m da redu��o dos custos de produ��o no Brasil, que tem impostos altos e sistema de transporte obsoleto, encarecendo a log�stica. “N�o caberia somente ao empres�rio, mas ele vai ter que trabalhar outros atributos para competir. Isso pode ajudar na melhoria da produtividade e na tecnologia”, diz Boscaro.
O problema tamb�m � sentido no campo. “A Europa subsidia a produ��o e o Brasil tributa a produ��o. Da porteira para dentro somos competentes. Da porteira para fora � que a gente perde. Precisamos de condi��es de produ��o semelhantes �s da Europa”, afirma Leite.
O diretor-executivo do Silemg observa que essa reestrutura��o para conseguir concorrer em qualidade e pre�o com queijos europeus e ganhar o mercado estrangeiro, hoje �nfimo, ter� que ocorrer no prazo de 10 anos, quando acabar� por completo a tributa��o aos estrangeiros.
“A corrida ser� para ver quem vai ser mais competente”, diz Moreira. O acordo entre Mercosul e Uni�o Europeia ainda est� em negocia��o e, de acordo com o Minist�rio das Rela��es Exteriores, outros tratados do tipo levaram de sete meses a tr�s anos at� ser assinados.
O presidente da Associa��o de Com�rcio Exterior do Brasil (AEB), Jos� Augusto de Castro, calcula que o custo Brasil, que inclui aspectos como tributa��o, log�stica, burocracia e legisla��o trabalhista, � de 30%. “Isso n�o � competitivo. Se reduzirmos muito os pontos que s�o fatores impeditivos, os produtos brasileiros v�o se superar por si s�”, diz.
Outra mudan�a que se espera com o acordo entre Mercosul e UE � a adequa��o das medidas sanit�rias e fitossanit�rias para viabilizar a importa��o e a exporta��o de produtos agr�colas. “N�o acessamos esse mercado por quest�es de barreiras sanit�rias, pelo fato de o queijo ser feito com leite cru. N�o temos a legisla��o adequada no Brasil. J� a Europa tem todo o arcabou�o legal e jur�dico para vender para o mundo inteiro”, afirma o presidente da Aprocan.
Troca de nomes por causa da regi�o
O acordo entre Mercosul e Uni�o Europeia cria uma situa��o curiosa no com�rcio de queijos. Com o reconhecimento da indica��o geogr�fica, ou seja, a proced�ncia exclusiva de produtos de determinada regi�o, alguns itens vendidos no Brasil talvez precisem mudar de nome, como o queijo gorgonzola. Isso porque, assim como os europeus reconhecem que s� existe queijo canastra e queijo do serro, respectivamente, na Serra da Canastra e na Microrregi�o do Serro, em contrapartida, os sul-americanos tamb�m atestar�o a indica��o geogr�fica de produtos europeus.
“Quando o pa�s reconhece indica��o europeia, j� n�o pode usar o nome. Tem o parmes�o e o gorgonzola e a ind�stria brasileira n�o vai poder usar esses nomes. Pode ser necess�ria a recria��o de nomes de queijos”, afirma o analista da unidade de agroneg�cio do Sebrae Minas Ricardo Boscaro. A UE passa a reconhecer 38 indica��es geogr�ficas brasileiras, inclusive para a cacha�a.
Os europeus tiveram 355 indica��es reconhecidas pelos pa�ses do Mercosul. O acordo dar� prazo para produtores que usavam os termos “de boa-f�” se readequarem.
De acordo com o diretor-executivo do Sindicato da Ind�stria de Latic�nios do Estado de Minas Gerais (Silemg), Celso Costa Moreira, j� est� sendo constru�do entendimento sobre a perman�ncia do uso dos nomes parmes�o e mu�arela. O reconhecimento da indica��o geogr�fica tamb�m pode acelerar o processo de estrutura��o do setor de queijo minas artesanal, na avalia��o do analista do Sebrae.
MERCADO AGR�COLA
De acordo com o Itamaraty, a UE vai abrir 82% do volume de com�rcio e 77% das linhas tarif�rias do setor agr�cola, dando acesso preferencial ao Mercosul. J� o bloco sul-americano vai abrir ainda mais – 96% do volume de com�rcio e 94% das linhas tarif�rias.