postado em 25/08/2019 06:00 / atualizado em 26/08/2019 19:01
O micro ficou s� no nome e eles t�m hoje import�ncia superlativa na economia. Pequenos empres�rios e profissionais aut�nomos registrados como microempreendedores individuais (MEI) batem a marca de 1 milh�o em Minas Gerais, quase o dobro das 513 mil micro e pequenas empresas mineiras. No Brasil, s�o 8 milh�es de MEIs, sendo 1 milh�o de novas formaliza��es somente no �ltimo ano.
De A a Z, cabe de tudo nas tr�s letras do MEI: animador de festa, banhista de animais dom�sticos, comerciante, doceiro, esteticista, fot�grafo, guia de turismo, jardineiro, livreiro, manicure... S�o centenas de atividades inclu�das no regime tribut�rio simplificado, criado em 2008 e que completa este ano uma d�cada desde a entrada em vigor. E a tend�ncia � de crescimento, com a inclus�o de novas atividades, como motoristas de aplicativo.
A menor burocracia para a abertura de neg�cios e o ganho de direitos, como aposentadoria e aux�lio-sa�de, favoreceram quem antes ficava na informalidade. Com 21 milh�es de habitantes, o estado tem, em m�dia, um MEI para cada 21 pessoas. Mas o crescimento da modalidade tem rela��o tamb�m com a crise econ�mica, em que empreender virou alternativa ao desemprego. Em junho, eram 13 milh�es de brasileiros sem emprego, de acordo com os �ltimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
Para se tornar um MEI e contar com um n�mero no Cadastro Nacional de Pessoa Jur�dica (CNPJ) � necess�rio faturar at� R$ 81 mil por ano, n�o ter participa��o em outra empresa como s�cio ou titular e ter no m�ximo um empregado. Nos �ltimos 12 meses, Minas Gerais ganhou mais 108 mil MEIs, passando de 892 mil, em agosto do ano passado, para 1.008.968 neste m�s. Em um ano, o crescimento foi de 12%.
Chegaram a me oferecer emprego de carteira recentemente, mas para mim � mais rent�vel ser MEI. Ganho o dobro
Nivone Ven�ncia, de 46 anos, pedreiro (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)
O levantamento � do Servi�o de Apoio �s Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), com base nos dados do Portal do Empreendedor do governo federal e da Receita Federal. A maior parte desses trabalhadores s�o prestadores de servi�os (41,8%), seguidos de atividades ligadas ao com�rcio (31,7%). A atividade campe� de registros s�o cabeleireiros, manicure e pedicure, que correspondem a 8,8% do total. � o caso de Beatriz Fernanda de Assis, de 25 anos, que aprendeu sozinha a fazer as unhas e fez da habilidade profiss�o.
Sua inten��o era concluir o curso de tecn�logo em recursos humanos, mas problemas de sa�de na fam�lia a fizeram mudar de rota e assumir o talento como manicure h� quatro anos. Ela se formalizou no ano passado para entrar no novo sal�o, no Bairro Funcion�rios, Regi�o Centro-Sul de BH. “O MEI � uma seguran�a, porque a gente n�o sabe o dia de amanh�”, afirma.
Segundo a dona do sal�o, a cabeleireira Cida Matta, de 47, ela oferece a possibilidade de assinar carteira, mas a maioria das manicures opta pelo MEI. “Elas n�o querem se prender, mudam muito de sal�o”, diz. O dinheiro tamb�m pesa, j� que trabalhando por conta pr�pria uma manicure, com a clientela formada, consegue faturar at� R$ 2,8 mil ao m�s. Na segunda posi��o entre as atividades mais comuns, o com�rcio varejista de roupas e acess�rios concentra 7,6% dos registros, seguido do servi�o de obras de alvenaria.
A legisla��o do MEI, que come�ou a vigorar em 2009, procurou enxergar atividades que estavam � margem da economia, buscando a formaliza��o desses profissionais com menor burocracia e custo, como explica o analista do Sebrae Minas Haroldo Santos. “O perfil � formado, principalmente, por pessoas que trabalham sozinhas, embora o modelo admita at� um funcion�rio”, comenta. “O empreendedorismo � um fator de gera��o de renda”, observa.
Ao longo do tempo e com a crise econ�mica do pa�s, a motiva��o para a abertura de MEI acabou mudando. “Quando come�ou, a maioria abria seus neg�cios e buscava formalizar como oportunidade. Em 2013, 2014, come�a a aparecer por renda complementar. De dois anos e meio pra c�, o empreendedorismo passa a ser alternativa para quem perdeu a renda principal”, explica Santos. O pedreiro Nivone Ven�ncia, de 46, percorreu esse caminho.
As obras, que eram uma complementa��o de renda, passaram a atividade principal. “Chegaram a me oferecer emprego de carteira recentemente, mas pra mim � mais rent�vel ser MEI. Ganho o dobro”, diz o pedreiro, que fez o registro como microempreendedor no ano passado, depois de 10 anos na informalidade. “Um amigo me explicou os benef�cios”, diz. Nivone garante que reserva dias de f�rias em dezembro e janeiro e, por causa de renda de alugu�is, tamb�m consegue se resguardar melhor para a aposentadoria, que, para microempreendedores, � de um sal�rio m�nimo.
Ao se formalizar, o microempreendedor individual arca apenas com o pagamento mensal do Simples Nacional, que vai de R$ 49,90 a R$ 55,90, dependendo da atividade. Em contrapartida, conta com benef�cios como aposentadoria, direito por afastamento por problemas de sa�de, aux�lio-maternidade. Por ser pessoa jur�dica, tamb�m tem acesso a cr�dito com juros mais baixos e pode vender para o governo, pode emitir nota fiscal.
Se por um lado favoreceu quem estava na informalidade, por outro, a modalidade acabou afetando empregos de carteira assinada, segundo a p�s-doutora em direito do trabalho e seguridade social Maria Cec�lia M�ximo, professora da Pontif�cia Universidade Cat�lica de Minas Gerais (PUC Minas).“Trabalhadores se transformam em MEI para prestar servi�os, mas continuam subordinados ao empregador”, afirma. A professora considera que, na pr�tica, a maioria dos registros s�o instrumentos de pejotiza��o.
“� uma forma de usar a pessoa jur�dica de forma fraudulenta, em substitui��o ao trabalho de carteira assinada”, ressalta. Nesse contexto, surge a chamada “s�ndrome do patr�o”, potencializada pela terceiriza��o e o incentivo ao empreendedorismo. “O trabalhador acha que � mais vantajoso a curto prazo e que vai receber mais. No longo prazo, est� deixando de receber direitos. N�o tem f�rias, 13º sal�rio. O direito do trabalho � uma rede de prote��o”, afirma.
Wericson Souza, de 23 anos, apostou no pr�prio neg�cio ao n�o ter sucesso no mercado de trabalho (foto: Alexandre Guzanshe/em/d.a press)
Modalidade deve ser vista como passagem para uma MPE
Incentivo para crescer
A modalidade tamb�m tem sido usada por quem recebe mais do que o limite permitido e se vale da condi��o de microempreendedor para n�o pagar imposto. “O pa�s disp�e de diversos mecanismos de verifica��o e foram constatados muitos casos de MEIs faturando mais de R$ 6.750 ao m�s ou R$ 81 mil ao ano”, afirma a vice-presidente de Desenvolvimento do Conselho Regional de Contabilidade de Minas Gerais, Jacquelline Andrade.
Segundo Jacquelline, muitos empreendedores t�m medo de crescer. Entretanto, para v�rios, o MEI deveria ser visto como passagem para uma micro e pequena empresa (MPE). “O MEI � um incentivo para o crescimento e a desburocratiza��o. A partir de um momento, os empreendedores devem migrar para a MPE”, ressalta. Embora o MEI seja dispensado de emitir nota fiscal para pessoa f�sica, ele precisa informar o quanto faturou numa declara��o anual de faturamento, sob risco de ser descredenciado da categoria. Caso n�o se enquadre nos casos de isen��o, tamb�m tem que fazer a declara��o de Imposto de Renda Pessoa F�sica (IRPF).
GERA��O EMPREENDEDORA No ensino m�dio, Wericson Souza, de 23, n�o tinha dinheiro para ir a um acampamento do grupo de escotismo. Come�ou a vender bala na escola e juntou dinheiro para embarcar na viagem. Desde a�, foi picado pelo bichinho do empreendedorismo e n�o parou mais. Come�ou a fazer tamb�m chocolates e, ao concluir o curso t�cnico em administra��o, em 2015, resolveu encarar de vez o pr�prio neg�cio, depois de n�o ter sucesso na procura por um emprego formal.
“Meus pais tinham viajado no carnaval e deixaram R$ 50. N�o gastei e usei pra comprar ingredientes”, conta Souza, � frente da Provocatto Cacau, que produz trufas, chup-chup, chocolate em barra, ovos, numa mistura de sabor e criatividade. Hoje, a marca conta com uma rede de distribui��o com cinco pessoas para seus chocolates. Eles ganham 25% sobre a venda.
Os ganhos ainda est�o abaixo de um emprego formal, mas, segundo Souza, a liberdade de ser seu pr�prio chefe compensa e os sonhos n�o param. “Quero montar uma lojinha, construir uma cozinha em cima de casa e franquear a marca”, conta o jovem, que alerta que a rotina de empreendedor � pesada. “� uma complica��o tentar gerir tudo. Cozinhar, vender, mexer nas redes sociais, nas finan�as. � sempre muito apertado. Meus pais me incentivam a procurar um emprego, mas n�o pretendo”, conta.