
A discuss�o sobre a cria��o de um novo programa social ronda o governo desde o ano passado, mas ganhou for�a durante a pandemia, ap�s Bolsonaro ver a sua popularidade crescer devido aos pagamentos do aux�lio emergencial e decidir criar o pr�prio programa social para pavimentar o caminho para a reelei��o em 2022. Parlamentares reconhecem que a miss�o � dif�cil, pois n�o h� brecha no Or�amento de 2021 para o governo bancar o programa do jeito que Bolsonaro imaginava, com um benef�cio mensal de aproximadamente R$ 300 para os atuais segurados do Bolsa Fam�lia e para parte dos brasileiros de baixa renda que hoje recebem o aux�lio emergencial. No entanto, est�o dispostos a avan�ar com este debate, pois reconhecem que, apesar dos riscos fiscais, o custo pol�tico e socioecon�mico de n�o fazer nada de diferente ap�s o fim do aux�lio emergencial tamb�m � grande.
“N�o podemos esquecer que foram descobertos quase 10 milh�es de brasileiros que estavam fora de qualquer programa social. O que voc� vai fazer com esses brasileiros? Vai esquecer que eles existem em janeiro? N�o. Eles v�o continuar existindo. N�o vai mudar s� porque mudou o ano. Estas 10 milh�es de pessoas v�o continuar desempregados. Ent�o, tem que ser criada alguma coisa que abrace essas pessoas”, argumentou o senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Sinal verde
O parlamentar � relator do Or�amento de 2021 e do Pacto Federativo e disse ter recebido sinal verde do presidente Jair Bolsonaro para incluir um novo programa social no Or�amento, mesmo depois de o chefe do Executivo ter suspendido as discuss�es sobre o Renda Brasil no governo por conta do desgaste gerado pelas propostas da equipe econ�mica, que pensava em bancar o programa por meio da revis�o do abono salarial ou do congelamento de aposentadorias e pens�es.
O discurso de Bittar acende um alerta do que vem por a�. � que o aux�lio emergencial j� chegou a 67 milh�es de brasileiros. Por�m, s� 15,2 milh�es de fam�lias de baixa renda devem ser atendidas pelo Bolsa Fam�lia em 2021. Por isso, sobra um contingente enorme de brasileiros que correm o risco de cair na linha da pobreza caso o governo n�o amplie a sua rede de prote��o social. Afinal, lembram os especialistas, a economia brasileira pode at� estar dando sinais de rea��o ap�s o choque sofrido no in�cio da covid-19, mas o mercado de trabalho ainda n�o tem condi��es de absorver todos os brasileiros que perderam renda na pandemia. Logo, muita gente pode ficar sem aux�lio emergencial e tamb�m sem emprego no in�cio de 2021.
“Se tiv�ssemos uma recupera��o econ�mica fenomenal, essas pessoas poderiam voltar ao mercado de trabalho, formal ou informal. Mas, como a perspectiva � de uma retomada lenta, muitos desses brasileiros n�o v�o conseguir se inserir no mercado e podem entrar em uma situa��o de vulnerabilidade. O impacto social ser� enorme, com aumento da desigualdade, da fome, da viol�ncia, da crise”, alertou o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Joilson Cabral.
Diretor da FGV Social, Marcelo Neri calcula que at� 13 milh�es de pessoas sa�ram da extrema pobreza devido ao aux�lio emergencial e podem voltar a passar dificuldades caso nada seja feito ap�s o benef�cio. E diz que a maior parte das fam�lias que perderam renda por conta da crise da covid-19 n�o est� entre as 15,2 milh�es de fam�lias que ser�o atendidas pelo Bolsa Fam�lia em 2021. � que esse n�mero, previsto no Projeto de Lei Or�ament�ria Anual (PLOA), representa a inclus�o de 1 milh�o de domic�lios no Bolsa Fam�lia, que hoje atende 14,2 milh�es de fam�lias. Ou seja, praticamente abrange apenas a lista de espera que j� havia no benef�cio antes mesmo da crise do novo coronav�rus. “� a fila vis�vel de pessoas que j� estavam cadastradas e cumpriam as exig�ncias do programa. Mas, tamb�m, existe uma fila invis�vel que come�ou a aparecer com o aux�lio emergencial e muitas pessoas que deixaram de ter renda na pandemia”, alertou Neri.
Linha da pobreza
Os economistas concluem, ent�o, que se optar por turbinar o Bolsa Fam�lia em vez de criar um programa social, o governo de Jair Bolsonaro vai precisar ampliar ainda mais a base de benefici�rios do programa. E dados do pr�prio Executivo indicam o problema. � que, hoje, j� existem 28,48 milh�es de fam�lias no Cadastro �nico. Destas, cerca de 16,46 milh�es j� viviam em situa��o de pobreza ou extrema pobreza em maio deste ano. Isto significa 1,2 milh�o a mais que a base de benefici�rios prevista para o Bolsa Fam�lia em 2021.
A amplia��o da base de segurados ainda passa pela revis�o dos crit�rios de pobreza do Bolsa Fam�lia. Hoje, o programa considera que vivem em situa��o de extrema pobreza as fam�lias cuja renda mensal per capita � de at� R$ 89. J� a linha de corte da pobreza � de R$ 178. Por�m, os especialistas dizem que esses valores est�o defasados.
Segundo o integrante do colegiado de gest�o do Instituto de Estudos Socioecon�micos (Inesc), Jos� Ant�nio Moroni, esses valores foram estipulados pelo Banco Mundial quando o d�lar estava perto dos R$ 2 e n�o nos mais de R$ 5 de hoje em dia. “Os valores est�o 19% defasados em rela��o a 2014. E a extrema pobreza j� aumentou 67% entre 2014 e 2019. Ent�o, o valor � insuficiente, precisa ser melhorado”, refor�ou Marcelo Neri.
A FGV, por exemplo, considera uma linha de pobreza de R$ 250 de renda mensal per capita. E a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) tem trabalhado com um crit�rio ainda mais robusto: US$ 67 d�lares para a extrema pobreza e US$ 140 para a pobreza, isto �, cerca de R$ 354 e R$ 740, respectivamente, na cota��o atual — quase quatro vezes mais do que os crit�rios usados pelo Bolsa Fam�lia.
Valor
Outro ponto que precisa ser revisitado no Bolsa Fam�lia � o valor mensal do aux�lio que � pago �s fam�lias de baixa renda. Afinal, o benef�cio m�dio do programa � de R$ 190 atualmente. O valor n�o cobre nem metade da cesta b�sica — segundo a �ltima Pesquisa Nacional da Cesta B�sica de Alimentos do Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos (Dieese), realizada em julho deste ano, a cesta b�sica variava de R$ 392,75 a R$ 526,14 nas capitais brasileiras.
Al�m disso, lembrou o integrante do colegiado de gest�o do Instituto de Estudos Socioecon�micos (Inesc), Jos� Ant�nio Moroni, o valor n�o � reajustado desde o governo de Michel Temer, em 2018. E, antes disso, a quantia m�dia do Bolsa Fam�lia era de R$ 180 desde julho de 2016. “N�o h� lei que garanta uma atualiza��o peri�dica do benef�cio. Por isso, o per�odo e o valor desse reajuste dependem, exclusivamente, da vontade do Executivo”, afirmou o representante do Inesc.
Levantamento realizado no ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) mostra que os valores modestos impedem que o benef�cio seja mais eficaz no combate � pobreza. O estudo explica que esta � uma das raz�es pelas quais 64% dos beneficiados do Bolsa Fam�lia ainda n�o conseguiram sair da situa��o de extrema pobreza.
A baixa taxa de ascens�o social do Bolsa Fam�lia, por sinal, � uma das queixas do governo de Jair Bolsonaro ao programa criado em 2003, no governo Lula. Nos v�rios discursos em que defendeu a cria��o do Renda Brasil, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, explicou que uma pessoa que sai do Bolsa Fam�lia para ocupar um posto de trabalho de carteira assinada n�o tem a chance de voltar automaticamente ao programa caso perca o emprego. Ela precisa voltar � fila de espera do programa, que pode durar anos. Por isso, segundo o ministro, muita gente prefere ficar ganhando os R$ 190 do Bolsa Fam�lia e ir complementando a renda familiar com bicos e atividades informais. Uma das propostas do Renda Brasil era, justamente, garantir a reinser��o autom�tica dos brasileiros que ca�ssem dessa “rampa de ascens�o social” e incentiv�-los com oportunidades de qualifica��o e inser��o profissional.
Custos econ�mico e pol�tico
Caso n�o consiga tirar do papel o plano de fortalecer a rede de assist�ncia social, o presidente Bolsonaro ainda pode sofrer com uma economia bem mais morna do que o esperado no pr�ximo ano. Especialistas explicam que, hoje, o que tem sustentado a recupera��o de boa parte da economia brasileira � o aux�lio emergencial. Afinal, o benef�cio j� injetou mais de R$ 200 bilh�es na economia brasileira e, at� o final do ano, vai entregar, ao todo, R$ 321 bilh�es aos brasileiros de baixa renda, que t�m aplicado esses recursos no consumo de bens essenciais e, com isso, ajudado a movimentar o com�rcio e a ind�stria brasileira. H� um receio, ent�o, de como vai se comportar a economia ap�s esses pagamentos. E muitos analistas dizem que a retomada econ�mica vai ficar ainda mais lenta se nada for feito ap�s o aux�lio.
O economista-chefe da MB Associados, S�rgio Vale, calcula que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ser� de 4,8% neste ano, mas poderia chegar a -7,1% se n�o fosse o aux�lio emergencial. Por isso, diz que o fim do aux�lio tamb�m ter� um impacto significativo no PIB de 2021. Vale calcula que o impacto ser� de -1,9%, mesmo se o governo criar um benef�cio mais robusto do que o Bolsa Fam�lia, que pague R$ 250 por m�s a 25 milh�es de pessoas. Afinal, neste cen�rio, a inje��o anual de renda cairia dos mais de R$ 300 bilh�es do aux�lio emergencial para cerca de R$ 75 bilh�es.
Ele avisa, ainda, que esse impacto pode ser de -2,4% no PIB caso n�o haja nenhum refor�o na rede de assist�ncia social em 2021. “O impacto no ano que vem n�o � trivial e � um empecilho para uma recupera��o mais vigorosa”, alertou o economista, ressaltando que “isso refor�a o cen�rio de crescimento baixo em 2021”. Para a MB Associados, o PIB do Brasil vai cair 4,8% neste ano e crescer 2,2% em 2021 — proje��o mais baixa do que a do governo, que projeta uma queda de 4,7%, em 2020, e uma recupera��o de 3,2%, em 2021.
Aprova��o
Todo esse impasse ainda pode repercutir negativamente na popularidade do presidente Bolsonaro, que viu seu �ndice de aprova��o subir de 33% para 37%, a melhor taxa desde o in�cio do mandato, em meio � pandemia. Analistas explicam que esse aumento de aprova��o veio, sobretudo, do Norte e do Nordeste, onde os pagamentos do aux�lio emergencial garantiram a sobreviv�ncia de milh�es de pessoas de baixa renda na quarentena.
“Da mesma forma que muita gente pode voltar � pobreza, a popularidade de Bolsonaro pode voltar para os n�veis pr�-pandemia”, avisou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri. “Se n�o tiver uma rede de prote��o social mais ampla do que a do Bolsa Fam�lia depois do aux�lio emergencial, o governo vai perder o apoio pol�tico que ganhou entre as fam�lias do Nordeste. Esta tamb�m � uma conta de popularidade. E, como parece que Bolsonaro j� pensa de forma cristalina na reelei��o de 2022, ele vai querer essa expans�o”, avaliou o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Joilson Cabral.
Um aux�lio bem mais robusto
O governo de Jair Bolsonaro n�o precisa, contudo, criar um programa social para resolver todos os impasses. Segundo especialistas, tudo isso pode ser feito por meio da atualiza��o e da amplia��o do Bolsa Fam�lia. E alguns parlamentares dizem que j� h� projetos tramitando no Congresso Nacional com esse intuito, o que poderia acelerar a discuss�o e garantir que o Brasil ter� uma rede de prote��o social mais robusta j� no in�cio do pr�ximo ano.
“A base do programa de renda b�sica permanente � o Bolsa Fam�lia, que j� tem um modelo de gest�o reconhecido. Ent�o, podemos usar o conhecimento j� instalado e fazer ajustes para ampliar o programa”, analisou o integrante do colegiado de gest�o do Instituto de Estudos Socioecon�micos (Inesc), Jos� Ant�nio Moroni. Ele lembrou, inclusive, que a ideia do governo era pegar o Bolsa Fam�lia, aumentar o valor e o alcance e batizar de Renda Brasil por conta de uma quest�o pol�tica, para assumir a paternidade do maior programa social do Brasil.
Estudo da Funda��o Getulio Vargas (FGV) calcula que cada real gasto adicionalmente no Bolsa Fam�lia chega a ser 673% mais efetivo na miss�o de reduzir a pobreza no pa�s do que a inje��o desse real em programas como o Benef�cio de Presta��o Continuada (BPC). Isso porque a maior parte dos benefici�rios do Bolsa Fam�lia est� na mais baixa faixa de renda do Brasil e porque o benef�cio � pago, inclusive, a crian�as de 0 a 4 anos, que sofrem com uma taxa de pobreza de 20% no Brasil.
Levantamento realizado no ano passado, nos 15 anos do Bolsa Fam�lia, pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) confirmou que “o Bolsa Fam�lia � a transfer�ncia p�blica que mais alcan�a a popula��o pobre no Brasil, uma vez que cerca de 70% dos recursos do programa alcan�aram os 20% mais pobres, reduzindo a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%”. O Ipea concluiu, ent�o, que o programa foi respons�vel por 10% da redu��o da desigualdade ocorrida no Brasil entre 2001 e 2015.
Enquanto o governo tenta se acertar sobre o futuro dos programas sociais, portanto, parlamentares de oposi��o, que vinham defendendo a cria��o da renda b�sica universal nos �ltimos meses, articulam-se para tirar da gaveta um projeto apresentado no ano passado com o intuito de modernizar o Bolsa Fam�lia. � o projeto de lei nº 6.072, que j� teve at� uma comiss�o especial instalada antes da pandemia de covid-19, e que foi apresentado no lan�amento da Agenda Social da C�mara dos Deputados — agenda que foi articulada por deputados como Tabata Amaral (PDT-SP), mas teve o apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e de diversos l�deres partid�rios.
Custo financeiro
Criar um programa social ou turbinar o Bolsa Fam�lia, contudo, tamb�m ter� um custo fiscal significativo. Por isso, � poss�vel cair no mesmo impasse que levou � suspens�o das discuss�es sobre o Renda Brasil no governo. Afinal, o Projeto de Lei Or�ament�ria Anual (PLOA) do pr�ximo ano reserva R$ 34,8 bilh�es para o atendimento de 15,2 milh�es de fam�lias no Bolsa Fam�lia. Por�m, a amplia��o da rede de assist�ncia social pode precisar de, pelo menos, mais R$ 20 bilh�es, segundo c�lculos do governo, que, no entanto, n�o tem margem para remanejar esses recursos do Or�amento de 2021.
“O PLOA 2021 foi apresentado com as despesas j� no limite, ro�ando o teto”, lembrou o secret�rio-geral e fundador da Associa��o Contas Abertas, Gil Castello Branco. Ele ressaltou, ainda, que a maior parte das despesas � obrigat�ria, lembrando que mesmo as despesas discricion�rias j� est�o em um n�vel preocupante.
Foi por conta disso que a equipe econ�mica passou as �ltimas semanas tentando encontrar uma forma de remanejar recursos para o Renda Brasil no Or�amento. E, para isso, chegou a avaliar o congelamento das aposentadorias e a revis�o do abono salarial — propostas recha�adas por Bolsonaro por conta do risco pol�tico de tirar dos pobres para dar aos paup�rrimos. E � por conta disso que, apesar do desgaste criado por essas propostas, o senador Marcio Bittar e lideran�as do governo no Congresso continuam avaliando uma forma de bancar um novo programa social com ajuda dos auxiliares de Guedes.
“Estamos em um desfiladeiro com dois abismos. De um lado, tem o risco de cair em um abismo de pobreza. Do outro, o risco de cair num precip�cio de gastan�a que vai agravar a situa��o fiscal do pa�s. Ent�o, � preciso encontrar um caminho que concilie a situa��o de restri��o fiscal com as necessidades sociais da popula��o”, afirmou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, dizendo que qualquer solu��o precisa ser sustent�vel no longo prazo.
Especialistas e integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda B�sica, contudo, dizem que � poss�vel bancar a amplia��o da rede de prote��o social por meio de medidas como a revis�o dos fundos p�blicos, que hoje est�o empo�ados, ou por meio da taxa��o dos mais riscos.
“As amarras or�ament�rias existem por conta das limita��es fiscais, como o teto de gastos. Mas, h� medidas que podem ser implementadas para financiar um programa de renda b�sica sem tirar dos mais pobres. Voc� pode, por exemplo, fazer uma reforma tribut�ria progressiva para que quem ganha mais pague mais imposto. Medidas como a taxa��o de dividendos, a taxa��o de heran�as e a taxa��o de grandes fortunas seriam uma alternativa e s�o medidas que existem em outros pa�ses capitalistas, como os Estados Unidos, a Alemanha e a Fran�a”, destacou Moroni, que, no entanto, n�o v� muita disposi��o do governo em avan�ar com estes assuntos.