
A pandemia de covid-19 e seus efeitos sobre a economia fizeram com que governos de diversos pa�ses gastassem muito mais que o planejado em 2020.
Com os primeiros n�meros do ano passado fechados, foram muitos os que registraram d�ficit recorde. Inclusive o Brasil.
O pa�s gastou mais do que arrecadou R$ 743,1 bilh�es de reais, o equivalente a 10,03% do PIB (Produto Interno Bruto) e um "preju�zo" quase 8 vezes maior do que o registrado em 2019, de R$ 95 bilh�es, levando em conta o resultado prim�rio, que n�o contabiliza as despesas com juros da d�vida.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (Ibre-FGV) Manoel Pires calculou a participa��o do "efeito pandemia" no total: do d�ficit, R$ 561,3 bilh�es s�o referentes a medidas tomadas para tentar amortecer o impacto da crise sanit�ria.
Os dados fazem parte do estudo sobre o resultado prim�rio recorrente do governo, publicado anualmente no Observat�rio de Pol�tica Fiscal do Ibre-FGV e que foi antecipado � BBC News Brasil. A s�rie conta com dados desde 1997.
O resultado prim�rio recorrente (calculado a partir do resultado prim�rio efetivo, que � apresentado pelo governo) � uma medida que expurga as receitas e despesas at�picas ou vol�teis dos n�meros oficiais, em uma tentativa de verificar a tend�ncia de fato da trajet�ria das contas p�blicas.
Ao "limpar" o resultado de eventos que n�o acontecem com frequ�ncia - como a entrada de bilh�es em um leil�o de cess�o onerosa do pr�-sal -, a medida ajuda a mostrar se h� uma deteriora��o que comprometa a sustentabilidade da d�vida p�blica. Essa � uma percep��o que tem impacto direto sobre as taxas de juros de longo prazo do pa�s e a atra��o de investimentos.
A discuss�o ganhou ainda mais import�ncia neste in�cio de ano, diante da necessidade de prorroga��o do aux�lio emergencial. H� semanas a equipe econ�mica discute com o Congresso como financiar os pagamentos.

Para onde foi o dinheiro
No levantamento, s�o sete as rubricas relacionadas � pandemia que, juntas, somam R$ 561,3 bilh�es.
A maior delas se refere aos R$ 429 bilh�es em cr�ditos extraordin�rios abertos no per�odo - na contabilidade p�blica, s�o recursos destinados a despesas urgentes e imprevis�veis, que n�o estavam previstas na lei or�ament�ria e que n�o entram no c�mputo do teto de gastos.
A maior parte foi destinada ao pagamento de aux�lio emergencial, aproximadamente R$ 288 bilh�es, e ao Benef�cio Emergencial de Preserva��o do Emprego e da Renda (BEm), concedido aos trabalhadores que tiveram redu��o de jornada e sal�rio (cerca de R$ 50 bilh�es).
No c�lculo do pesquisador foram considerados ainda R$ 78 bilh�es em transfer�ncias para Estados e munic�pios, R$ 20 bilh�es em diferimentos de tributos (um prazo maior para as empresas cumprirem suas obriga��es com o fisco); R$ 19 bilh�es em isen��o de IOF (Imposto sobre Opera��es Financeiras) para opera��es de cr�dito; R$ 11 bilh�es em subs�dios e subven��es; R$ 900 milh�es transferidos pelo Tesouro para cobrir os descontos na conta de energia el�trica das fam�lias que fazem parte da tarifa social e outros R$ 943 milh�es de outras medidas.
Ainda no vermelho
Descontadas as despesas at�picas, o saldo negativo nas contas do governo cai para R$ 168,3 bilh�es, ou 2,27% do PIB.
O economista chama aten��o para o fato de que, apesar da forte redu��o - de longe a maior diferen�a observada na s�rie hist�rica -, o d�ficit recorrente aumentou, revertendo uma trajet�ria de recupera��o iniciada em 2017.
Essa piora, entretanto, tamb�m tem rela��o com a pandemia, diz Pires, e � em boa parte reflexo do impacto da crise sobre a arrecada��o de impostos e tributos. Em um c�lculo simplificado, levando em considera��o o indicador de atividade do Banco Central, o IBC-Br, cuja metodologia difere do c�lculo do PIB em si, a arrecada��o poderia ter sido R$ 53,5 bilh�es maior caso a economia n�o tivesse contra�do em m�dia 4,1%.
"Quando retirados os efeitos n�o recorrentes [ajuste de R$ 574,7 bilh�es, em que est� inclu�do o 'efeito pandemia'], o indicador se mostra muito mais pr�ximo ao que a gente estava acostumado a observar nos �ltimos dois ou tr�s anos. O que fica de piora mais permanente do indicador tem a ver com as quest�es c�clicas: o que explica a piora de 2020 est� mais associado ao fato de o PIB ter ca�do", afirma o economista, que � ex-secret�rio de Pol�tica Econ�mica do Minist�rio da Fazenda.

O que isso quer dizer?
Independentemente da origem, se fruto de uma piora estrutural ou reflexo da conjuntura, o d�ficit provoca aumento na d�vida p�blica, que, mais cedo ou mais tarde, tem de ser "digerida".
Ou seja, seja qual for a causa da piora nas contas p�blicas, o preju�zo precisa ser coberto de alguma forma.
O Brasil tem registrado d�ficits prim�rios desde 2014, com um aumento progressivo da d�vida p�blica, que chegou a 89,3% do PIB (d�vida bruta) no ano passado.
As discuss�es sobre as contrapartidas para a prorroga��o do aux�lio emergencial t�m esse contexto no horizonte. A t�nica das negocia��es da equipe do ministro Paulo Guedes com o Congresso � a de que seria preciso mostrar compromisso com o controle das despesas p�blicas para se aprovar uma extens�o do benef�cio, como uma forma de sinalizar que o pa�s tamb�m se preocupa em estabilizar seu n�vel de endividamento.
Para Pires, contudo, � preciso levar em considera��o tamb�m que a piora da situa��o fiscal � em boa parte passageira e que a discuss�o sobre a d�vida p�blica vai muito al�m do aux�lio. "N�o seria o fim do mundo", ele diz, caso o governo n�o conseguisse aprovar uma contrapartida que cobrisse na mesma propor��o o volume de recursos necess�rios para pag�-lo.
Em sua opini�o, o foco agora deveria ser nas medidas que precisam ser implementadas dada a pandemia e no redimensionamento do benef�cio. Ao contr�rio do in�cio da crise sanit�ria, quando houve uma "ruptura" da atividade econ�mica, neste ano tudo indica que o efeito contracionista da covid-19 sobre a atividade ser� menor - o que significa, segundo ele, que o escopo do programa pode ser menor, que o benef�cio pode ser pago a um n�mero menor de pessoas.
"A discuss�o sobre a estabiliza��o da d�vida continua. Ela virou um desafio n�o s� desse governo, avan�a esse mandato."
Em um segundo momento, diz, entraria o debate sobre as estrat�gias para atenua��o do crescimento da d�vida, que passam, ele exemplifica, pelas reformas administrativa e tribut�ria.
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