
Cerveja, carne, leite e material de constru��o mais caros. E al�m de tudo isso, uma conta de luz ainda mais salgada do que a atual.
Segundo representantes da ind�stria e de entidades de defesa do consumidor, esses podem ser alguns dos efeitos da MP (medida provis�ria) de privatiza��o da Eletrobras, aprovada na segunda-feira (21/06) pelo Congresso e que agora aguarda san��o presidencial - o que deve acontecer num prazo de at� 15 dias, que vence em 6 de julho.
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O governo contesta as estimativas dos especialistas e afirma que a desestatiza��o da gigante do setor el�trico pode reduzir a conta de luz entre 5% e 7% j� a partir do pr�ximo ano.
Segundo o secret�rio especial de Desestatiza��o, Desinvestimento e Mercados do Minist�rio da Economia, Diogo Mac Cord, a economia seria poss�vel com a destina��o de R$ 48 bilh�es para atenuar as tarifas dos consumidores por meio da CDE (Conta de Desenvolvimento Energ�tico). O dinheiro seria aportado ao longo dos anos, ap�s a privatiza��o da empresa.O Minist�rio da Economia estima que a desestatiza��o pode gerar R$ 100 bilh�es aos cofres p�blicos, sendo R$ 20 bilh�es numa oferta prim�ria de a��es e outros R$ 80 bilh�es em potenciais ofertas secund�rias, que aproveitariam o aumento de valor de mercado da empresa. Segundo Mac Cord, o valor faria da opera��o a "maior privatiza��o j� vista no pa�s".
A expectativa � de que essa oferta prim�ria - que representar� a privatiza��o da empresa, ao reduzir a parcela do governo no capital dos atuais 61% para 45% - seja conclu�da at� fevereiro de 2022.
Para os representantes da ind�stria e dos consumidores, no entanto, os potenciais benef�cios da arrecada��o de recursos com a venda das a��es ser�o mais do que compensados pela alta de custos resultantes de quatro pontos problem�ticos da MP de privatiza��o.
Entenda esses quatro pontos e como isso vai chegar no seu bolso.

1. Venda de energia mais cara ap�s a privatiza��o
A Fiesp (Federa��o das Ind�strias do Estado de S�o Paulo) estima que a MP de privatiza��o da Eletrobras, da forma como foi aprovada pelo Congresso, deve gerar um custo adicional de R$ 400 bilh�es aos consumidores ao longo dos pr�ximos 30 anos.
A maior parcela desse custo, de R$ 300 bilh�es nos c�lculos da entidade, ser� resultado da venda a pre�os de mercado de uma energia comercializada atualmente mais barata pela Eletrobras, devido ao fato de ser produzida por usinas hidrel�tricas antigas, cujos investimentos j� foram amortizados ao longo dos anos de opera��o.
"O projeto de capitaliza��o da Eletrobras foi apresentado em 2017, ainda no governo Michel Temer [MDB]", lembra Carlos Cavalcanti, diretor do departamento de Infraestrutura da Fiesp.
"Nesse projeto, a atratividade para o novo investidor - o b�nus, o pr�mio que est� prometido para ele - � a chamada 'descotiza��o' das usinas que tiveram seu pre�o de gera��o reduzido em 2013", explica o representante do setor industrial.
No ano anterior �quele, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou uma medida provis�ria (MP 579) que causou grandes desequil�brios no setor el�trico. Por outro lado, essa MP resultou na redu��o do custo de produ��o de energia de um grupo de hidrel�tricas da Eletrobras para cerca de R$ 100 por MWh (megawatt-hora), comparado a R$ 200 por MWh das usinas que vendem energia a pre�os de mercado.
"A 'descotiza��o' significa vender essa energia a pre�os de mercado, ent�o ela vai passar de R$ 100, para R$ 200", diz Cavalcanti. "Est�o tentando convencer o consumidor de que a hora que voc� aumenta o pre�o de R$ 100 para R$ 200, vai abaixar o valor da energia el�trica. N�o h� matem�tica no mundo que sustente isso."

2. Obriga��o de construir termel�tricas a g�s onde n�o h� oferta do combust�vel
Um segundo fator que deve gerar custos adicionais para os consumidores foi uma obriga��o criada pelos parlamentares na tramita��o da MP de contrata��o pelo governo de 8 GW (gigawatts) em termel�tricas a g�s natural, que devem ser instaladas em sua maioria em Estados das regi�es Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
� o que se chama em pol�tica de "jabuti" - uma norma inclu�da na tramita��o de um projeto de lei ou medida provis�ria que n�o tem rela��o com o tema em discuss�o. O termo tem origem no ditado popular "jabuti n�o sobe em �rvore", que se refere a fatos que n�o acontecem de forma natural.
"Houve uma interfer�ncia direta do Legislativo no planejamento energ�tico", avalia Clauber Leite, coordenador do programa de Energia e Sustentabilidade do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
"No planejamento, t�cnicos fazem estudos para atender a demanda com o menor pre�o poss�vel, usando mecanismos como leil�es, que consideram as voca��es de cada regi�o do pa�s. Isso � feito atrav�s da EPE, a Empresa de Pesquisa Energ�tica", explica. "O que aconteceu na MP foi uma reserva de mercado que desconsidera qualquer planejamento."
Pela MP aprovada, as novas termel�tricas v�o operar na base do sistema, isto �, de forma permanente e n�o apenas quando as demais fontes estiverem gerando de forma insuficiente. E com uma inflexibilidade de 70%, o que significa que elas v�o operar obrigatoriamente 70% do tempo, mesmo que outras fontes mais baratas e limpas possam atender a demanda num determinado momento.
Al�m disso, como a produ��o de g�s natural do Brasil vem principalmente do pr�-sal, em alto mar, ser� necess�rio construir gasodutos e linhas de transmiss�o para integrar essas usinas ao sistema. A Fiesp estima que a constru��o dessa infraestrutura pode gerar um custo adicional de R$ 50 bilh�es aos consumidores em 20 anos.
Na ter�a-feira (22/06), o secret�rio Diogo Mac Cord argumentou que o pre�o de gera��o da energia nessas usinas � mais barato do que o de usinas a �leo diesel e que, por conta disso, essa medida tamb�m contribuir� para reduzir o valor da conta de luz.

3. Obriga��o de contratar pequenas hidrel�tricas
Outro "jabuti" inclu�do pelos parlamentares na MP da Eletrobras foi a obriga��o de contratar PCHs (pequenas centrais hidrel�tricas), usinas de pequeno porte e alto custo de gera��o, devido � aus�ncia de ganhos de escala.
"A obrigatoriedade de contrata��o de pequenas centrais hidrel�tricas vai contra toda a l�gica do setor el�trico: a fonte � a menos competitiva dentre as renov�veis, pressionando os custos finais da energia", escreveu o Idec, em nota divulgada em meados de junho. "N�o h�, portanto, qualquer raz�o t�cnica, econ�mica e social para tratamento diferenciado para essa tecnologia."
A Fiesp estima que a reserva de mercado para PCHs representa quase R$ 30 bilh�es de custos adicionais em 20 anos, na compara��o com outras renov�veis mais competitivas.
4. Renova��o de contratos de e�licas incentivadas
Por fim, a quarta medida que deve gerar custos adicionais para os consumidores foi a prorroga��o de contratos de energia de e�licas inclu�das no Proinfa (Programa de Incentivo �s Fontes Alternativas de Energia El�trica).
"Essas usinas tiveram subs�dio durante 20 anos e os contratos est�o sendo prorrogados ao custo de energia de um leil�o de usinas novas. Nesse tipo de leil�o, as usinas ainda precisam ser constru�das, ent�o o custo da energia contempla a amortiza��o dos investimentos", explica Clauber Leite, do Idec.
Assim, pelo que foi aprovado na MP, os contratos dessas usinas, que s�o antigas e j� tiveram seus custos de instala��o amortizados, est�o sendo prorrogados a esse pre�o mais alto.
"Isso vai encarecer a tarifa para os consumidores em geral", avalia o especialista.
A Fiesp estima que o custo adicional com essa prorroga��o do subs�dio ser� de cerca de R$ 20 bilh�es em 20 anos.

Mas como tudo isso chega no pre�o da cerveja, da carne e do leite?
Todos esses bilh�es em custos adicionais v�o encarecer a conta de luz dos consumidores nos pr�ximos anos, explicam os especialistas.
Mas o efeito n�o para por a�. Isso porque a energia el�trica representa uma parte relevante dos custos da ind�stria e do setor de servi�os.
Assim, esse aumento de pre�o da energia dever� tamb�m ser repassado aos produtos que consumimos, assim como acontece quando o diesel e o g�s natural s�o reajustados.
Segundo levantamento da Abrace (Associa��o dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), o custo com energia el�trica representa 48% do pre�o do leite, 34% do valor da carne, 28% do que pagamos na cerveja e 10% do gasto em materiais de constru��o e a��car.
"Este acr�scimo de custo pode representar, por exemplo, um aumento de 10% no leite e 7% na carne para todos os brasileiros", estimou a Abrace, em comunicado publicado em maio.
Esse impacto se adiciona a um cen�rio que j� � de press�o nas tarifas, com reajustes que podem chegar a 20% ou 30% em 2022, por causa da situa��o dos reservat�rios em meio � crise h�drica e de aumentos que foram evitados pela Aneel (Ag�ncia Nacional de Energia El�trica) em meio � pandemia, alertou ainda a entidade.
Dois ter�os do impacto da alta de pre�os da energia el�trica se d� nos produtos ou servi�os consumidos pela popula��o, estima o setor produtivo.
Por exemplo, o vergalh�o de a�o, o cimento e o vidro, usados na reforma de resid�ncias, v�o sofrer os efeitos desse aumento de custos. O frango congelado e a carne, que usam muita energia em seus processos produtivos, tamb�m devem ficar mais caros. O sal�o de beleza, com seus diversos equipamentos el�tricos, pode ter de cobrar mais dos consumidores.
Ou seja, o impacto indireto � maior do que o efeito direto sobre as contas de luz.

E h� chance disso ser revertido na san��o presidencial?
Os especialistas acreditam que n�o, por dois motivos.
O primeiro deles � que os "jabutis" inclu�dos pelos parlamentares na medida provis�ria serviram de moeda de troca para que ela fosse aprovada rapidamente no Congresso.
"A MP s� avan�ou por causa dos jabutis, ent�o foram os jabutis que carregaram ela nas costas, do contr�rio, ela n�o teria sido aprovada", diz o representante do Idec.
Um segundo ponto � que a MP foi redigida pelo Congresso de forma a, na pr�tica, impossibilitar qualquer veto presidencial.
"O artigo 1 da MP basicamente inviabiliza o Executivo de vetar qualquer coisa ali. Ele foi constru�do de uma forma que, se for vetado, inviabiliza a privatiza��o, mas ele cont�m tamb�m a maioria desses jabutis", explica o especialista.
"Ent�o a MP foi constru�da de uma forma proposital para que n�o haja veto. O que pode acontecer � uma judicializa��o", avalia Leite.
Desde 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o "contrabando legislativo" na forma de jabutis � inconstitucional, o que d� espa�o para que os partidos recorram da MP de privatiza��o da Eletrobras na corte superior.
Representantes dos trabalhadores da Eletrobras lamentam o a�odamento para aprova��o da proposta em meio � crise sanit�ria.
"Nesse contexto de pandemia, qual � a relev�ncia e a urg�ncia para privatizar a Eletrobras?", questiona Nailor Gato, funcion�rio da Eletronorte e coordenador do Coletivo Nacional dos Eletricit�rios (CNE).
"Temos 14 milh�es de desempregados, 6 milh�es de desalentados, milh�es sem alimento e sem vacina, em meio � maior crise sanit�ria da hist�ria do pa�s. Faltou debate com a sociedade", avalia o sindicalista.
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