Patrim�nio imaterial de Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas Gerais, a rica produ��o de doces do distrito de S�o Bartolomeu, com ra�zes hist�ricas de mais de 200 anos, est� retomando o f�lego perdido diante dos dr�sticos efeitos da pandemia de COVID-19.
Veterano na do�aria, Vicente Quirino Fortes, de 86 anos, retornou aos velhos tempos oferecendo aos turistas rec�m-chegados a goiabada-casc�o, apelidada de tijolo, e seu admirado doce de leite da janela do casar�o vizinho da tricenten�ria Igreja S�o Bartolomeu.
A reinven��o entrou tamb�m no receitu�rio contra o impacto da crise sanit�ria dos produtores dos famosos biscoitos de S�o Tiago, munic�pio da mesma regi�o mineira, polo de fabrica��o de 300 toneladas mensais da quitanda, com registros conhecidos desde o s�culo 19.
O desenvolvimento de vers�es da iguaria para atender mais consumidores, como os veganos, e o retorno das vendas no sistema porta a porta s�o duas das armas usadas pelos fabricantes na busca de redu��o do preju�zo e do desemprego. Agora, h� empresas recontratando.
Linhas de produ��o antigas e tradicionais de outros quatro produtos essenciais da respeitada gastronomia de Minas – p�o de queijo, queijos artesanais de leite cru, cacha�a e caf� – passam, da mesma forma, por per�odo de grandes mudan�as para enfrentar os desafios provocados ou acentuados pelo coronav�rus. � o que mostra a s�rie de reportagens “Reinven��o das nossas tradi��es”, que o Estado de Minas vai mostrar a partir desta edi��o.
Organizador da publica��o “Nossa comida tem hist�ria”, o professor do Departamento de Hist�ria da UFMG Jos� Newton Meneses destaca que em todo sabor existe uma hist�ria, e n�o � diferente com uma das iguarias mais conhecidas das culin�ria mineira. “Duas for�as a nomearam de p�o: a simb�lica, do alimento fermentado de cereais; e a identit�ria, do jeito mineiro de ser”, afirma, ao definir o p�o de queijo.
As receitas da quitanda, que data do s�culo 18, procuram cada vez mais a renova��o, sem perder identidade, e esse � um dos segredos dos fabricantes para vencer a crise. Em Contagem, na Grande Belo Horizonte, Guilherme Lima, diretor da f�brica de p�o de queijo Seu Ninico, conta que produtos est�o sendo lan�ados e a marca volta � expans�o. “Fortalecemos a energia de renova��o, tanto que n�o demitimos nenhum dos 80 funcion�rios, estamos at� contratando pessoal”, afirma.
Na longa e variada cadeia de produ��o do p�o, feito � base de polvilho, queijo, leite e ovos, a produ��o mineira se desenvolveu entre pequenos e grande fabricantes. Com sede no munic�pio de Luz, no Centro-Oeste do estado, a Maricota Alimentos, uma das maiores empresas do setor, se beneficiou do crescimento das vendas dos supermercados, aumentou a produ��o, hoje de 2 mil toneladas mensais, entre quitandas e refei��es congeladas, e ampliou o quadro de empregados.
Retomada O chef Fl�vio Trombino, do Restaurante Xapuri, um incentivador da diversidade e da qualidade da culin�ria regional de Minas, afirma que a produ��o de alimentos tradicionais t�picos est� se recuperando associada � retomada do turismo. “Do agricultor familiar que tem quase uma produ��o de subsist�ncia �quela fabrica��o em escala industrializada, toda a cadeia foi atingida, mas os que, de alguma forma, conseguiram se organizar coletivamente tiveram melhor resultado”.
Um bom exemplo de virada na luta contra a turbul�ncia que a COVID-19 provocou, segundo o chef Fl�vio Trombino, tem sido dado pelos produtores de queijo minas artesanal da Serra da Canastra. Eles investiram no com�rcio eletr�nico, estrat�gia renovadora para o setor. Outra boa not�cia, em plena pandemia, � que o governo de Minas reconheceu, em 2020, a cidade de Alagoa como munic�pio produtor do queijo artesanal local, hoje um queridinho da alta gastronomia.
Foram tamb�m reconhecidas as cidades de Aiuruoca, Baependi, Bocaina de Minas, Carvalhos, Itamonte, Liberdade, Itanhandu, Passa Quatro e Pouso Alto como produtoras do queijo artesanal Mantiqueira de Minas. O estado tem registro de 276 produtores de queijo artesanal, distribu�dos em nove regi�es, de acordo com o Instituto Mineiro de Agropecu�ria (IMA).
As queijarias artesanais sofreram o baque nas vendas com os longos per�odos de fechamento do com�rcio, como medida de combate � transmiss�o do v�rus, mas deram a volta por cima, conseguindo recuperar os neg�cios.
Al�m de garantir a manuten��o da qualidade do produto, os empreendedores do setor venceram o distanciamento social com investimento nas vendas on-line por meio das redes sociais – Instagram, Facebook e WhatsApp. Foi mudan�a crucial para os produtores do queijo do Serro (no Alto Jequitinhonha), atividade iniciada h� cerca de 300 anos, assim como para as queijarias da Serra da Canastra (no Centro-Oeste).
Desenvolvimento A import�ncia dessas cadeias produtivas da gastronomia se reflete no desenvolvimento sociocultural e econ�mico de Minas, como destaca a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo. Dados do Observat�rio do Turismo de Minas Gerais indicam que a cozinha mineira � respons�vel por atrair cerca de 30% dos turistas que visitam o estado.
Para acompanhar tanto o queijo quanto o p�o de queijo, a mesa mineira oferece, ainda, um carro-chefe da cozinha e da economia: o caf�, que, por sua vez, nem parece estar passando por uma pandemia. Das 12 indica��es geogr�ficas (IGs) que o estado det�m, cinco s�o dos caf�s mineiros, carro-chefe das exporta��es de Minas e principal produto do agroneg�cio.
Depois de vencidas as dificuldades iniciais provocadas pela crise sanit�ria nas lavouras, o estado colheu safra recorde no ano passado, de 34,6 milh�es de sacas, de acordo com a Federa��o da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), e foi respons�vel por 56,15% da produ��o brasileira. As vendas externas se beneficiam da demanda firme no mercado internacional e dos bons pre�os.
Para o chef Fl�vio Trombino, a recupera��o dessas atividades � estimulada pela gastronomia e o turismo, e est� longe do potencial a que pode chegar. “A gastronomia tem muito a explorar por meio do sabor dos produtos de Minas e a viv�ncia de quem os fabrica. H� localidades estado afora que ainda nem acordaram para a riqueza dos seus produtos”, resume.
