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Estado de Minas ANTES TARDE DO QUE TARDE DEMAIS

'Parte da elite se afastou de Bolsonaro e n�o vai embarcar em aventura', diz herdeira do Ita�

Para Maria Alice Setubal, questionamento das elei��es foi ponto de virada para empresariado brasileiro, que n�o tem tradi��o de se manifestar politicamente.


12/08/2021 09:09 - atualizado 12/08/2021 10:01


Maria Alice Setubal, herdeira do Itaú, revela comportamento político de parte da elite(foto: Divulgação)
Maria Alice Setubal, herdeira do Ita�, revela comportamento pol�tico de parte da elite (foto: Divulga��o)

Sem uma tradi��o de se manifestar politicamente, o empresariado brasileiro viu no questionamento das elei��es pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um ponto de virada que levou parte do setor privado a romper seu costumeiro sil�ncio.

"Na hora em que voc� questiona o sistema eleitoral, voc� est� questionando a democracia e gerando uma poss�vel instabilidade que sempre assusta o mercado", diz Maria Alice Setubal, conhecida como Neca.

Aos 70 anos, a presidente do conselho curador da Funda��o Tide Setubal e herdeira do conglomerado Ita�, foi uma dos 267 signat�rios iniciais de um manifesto em defesa do sistema eleitoral e da ordem democr�tica, que posteriormente reuniu milhares de apoiadores.

Publicado em p�gina inteira nos principais jornais do pa�s na �ltima quinta-feira (5/8), o documento reuniu nomes de peso do setor empresarial como Luiza e Frederico Trajano (Magazine Luiza), Jayme Garfinkel (Porto Seguro), Guilherme Leal (Natura), Hor�cio Lafer Piva (Klabin) e Carlos Jereissati Filho (Iguatemi Shopping Centers), al�m de figur�es do setor financeiro — Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Ita� Unibanco), Jos� Olympio Pereira (Credit Suisse), Daniel Leichsenring e Luis Stuhlberger (Verde Asset), entre outros.

"N�o � da tradi��o brasileira empres�rios ou o setor produtivo — o 'mercado' — se manifestar politicamente, diferente de outros pa�ses, especialmente os Estados Unidos", observa Neca.

"Isso acontece porque o governo federal tem uma influ�ncia muito grande nas empresas, nos diferentes setores, na aloca��o de recursos e na prioridade das pol�ticas, o que gera dificuldade de manifesta��o p�blica com alguma cr�tica a posicionamentos governamentais", avalia a educadora e soci�loga.

O "manifesto do PIB" em defesa das elei��es — como o documento passou a ser chamado pela imprensa — veio a p�blico dias depois de uma empresa do setor financeiro da Faria Lima, avenida nobre da capital paulista, instalar em sua sede uma est�tua em homenagem ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso num pa�s que soma um recorde de quase 15 milh�es de desempregados e deve fechar o ano com uma infla��o perto dos 8%.

Questionada se o epis�dio revela um alheamento das elites, e particularmente do setor financeiro, com rela��o � situa��o do pa�s e da parcela mais pobre da popula��o, Neca afirma que n�o se pode generalizar. E destaca que parte dessa elite esteve em princ�pio com Bolsonaro, mas se afastou gradualmente. Para ela, o manifesto da semana passada � mais um indicativo nesse sentido.

"Parte expressiva da Faria Lima se posicionou a favor do sistema eleitoral brasileiro, a favor da democracia e a favor da estabilidade pol�tica", afirma. "Ent�o � dif�cil dizer 'as elites' — as elites s�o divididas. Parte dessa elite, que esteve num primeiro momento com Bolsonaro se afastou dele. E eu acho que esse manifesto da semana passada foi um sinal importante de que parte da elite n�o vai adentrar qualquer aventura que possa acontecer politicamente."

'Democracia brasileira est� em risco´


Veículos militares foram exibidos em dia de votação delicada no Congresso(foto: Reuters)
Ve�culos militares foram exibidos em dia de vota��o delicada no Congresso (foto: Reuters)

Graduada em sociologia, com mestrado em ci�ncia pol�tica e doutorado em psicologia da educa��o, Maria Alice diz ter clareza de que a democracia brasileira est� em risco.

"Como tem sido amplamente discutido por soci�logos e politic�logos, os ataques � democracia do mundo contempor�neo, no s�culo 21, normalmente n�o s�o dados atrav�s de golpes, mas pelo enfraquecimento cont�nuo [das institui��es] a partir de dentro da pr�pria democracia", observa, citando como exemplos Trump nos EUA, Erdogan na Turquia, Orb�n na Hungria, al�m das Filipinas, Venezuela e o pr�prio Brasil.

"O Brasil est� dentro desses casos de governos eleitos democraticamente, mas que v�o corroendo as pr�prias inst�ncias democr�ticas. Tanto atrav�s de mudan�as na legisla��o, como, no Brasil, da elimina��o de 90% dos diferentes conselhos que faziam parte da governan�a das pol�ticas p�blicas."

Atrav�s da Funda��o Tide Setubal, Neca tem se dedicado h� anos ao tema da promo��o da diversidade. Ela avalia que a destitui��o dos conselhos de participa��o � parte de um retrocesso mais amplo das pol�ticas p�blicas relacionadas ao tema na esfera federal.

"Por outro lado, � importante ressaltar que h� uma rea��o em rela��o a isso", afirma. "Especialmente a partir do evento [do assassinato nos EUA, em maio de 2020, do cidad�o negro] George Floyd, h� um avan�o grande na sociedade civil brasileira de enxergar o racismo estrutural", observa. Para ela, "passamos em muito pouco tempo de um olhar de uma [suposta] democracia racial, para nos enxergarmos como uma sociedade racista, isso � uma virada de chave muito importante e vem acompanhada de um aumento crescente das a��es e iniciativas para superar a desigualdade racial e promover as diversidades como um todo."

Neca afirma que a Funda��o Tide Setubal deve ser atuante no processo de revis�o da Lei de Cotas das institui��es de ensino superior em 2022. A reavalia��o decenal, estabelecida pela pr�pria lei aprovada em 2012, tem gerado preocupa��o no movimento negro, pois ser� realizada sob o governo Bolsonaro e em ano eleitoral, quando o debate pol�tico tende a ser mais ideologicamente polarizado.

"Estamos acompanhando e apoiando muito de perto essa quest�o, por que ela [a Lei de Cotas] foi fundamental", diz Neca. "A pandemia tamb�m mostrou isso de forma muito concreta, com a grande quantidade de lideran�as negras nas comunidades que se destacaram e que t�m forma��o universit�ria, mestrado, doutorado. Ficou muito clara a import�ncia de j� termos hoje uma gera��o de lideran�as oriundas das periferias, das favelas, de origem racial negra ou ind�gena — em menor quantidade, mas que tamb�m j� temos."

"Isso � fundamental tamb�m para que as empresas possam encontrar no mercado de trabalho pessoas qualificadas para ocuparem cargos e fun��es de lideran�a", acrescenta. "A Lei das Cotas, fruto de um amplo trabalho e da luta do movimento negro, � um sucesso e tem um impacto positivo enorme para a sociedade brasileira como um todo."

'Brasil tem experi�ncia para recuperar tempo perdido por alunos'

Com longa atua��o na �rea de educa��o, Maria Alice avalia que � poss�vel recuperar o tempo perdido pelas crian�as e jovens brasileiros durante a pandemia, mas que isso deve exigir alguns anos de trabalho e o acolhimento de estudantes que estar�o em diferentes n�veis de aprendizagem e que tiveram sua sa�de mental muito afetada pela crise.

"A boa not�cia � que temos experi�ncias de acelera��o da aprendizagem, de refor�o escolar, de escola multisseriada — que � uma escola com v�rios n�veis em uma mesma sala de aula. Ent�o, temos projetos de sucesso nesses eixos fundamentais de serem trabalhados agora e que podem ser recuperados e adaptados", afirma.


'Brasil poderia ter um papel de liderança, como teve em outros tempos, mas infelizmente todas as políticas do nosso governo vão na direção contrária'(foto: Divulgação)
'Brasil poderia ter um papel de lideran�a, como teve em outros tempos, mas infelizmente todas as pol�ticas do nosso governo v�o na dire��o contr�ria' (foto: Divulga��o)

Ela destaca que esse esfor�o precisar� ser coordenado pelas secret�rias de educa��o dos Estados e munic�pios.

"Infelizmente n�o temos um Minist�rio da Educa��o que organize, que centralize as informa��es, d� normatiza��es e apoie as secretarias", observa. "Essa falta de uma pol�tica nacional de educa��o � dram�tica, porque faz com que cada Estado e cada munic�pio v� para um lado, sem um olhar coordenador e orientador disso tudo."

No meio ambiente, outra �rea de sua atua��o — ela foi apoiadora de primeira hora das candidaturas � Presid�ncia de Marina Silva e ajudou na capta��o de recursos para viabilizar a cria��o da Rede Sustentabilidade, partido da ex-ministra —, Maria Alice tamb�m lamenta a perda de protagonismo do governo federal.

"O cen�rio � dram�tico e o relat�rio da ONU desta semana foi absolutamente contundente quanto � import�ncia que ter� a COP 26 agora em Glasgow", diz a pedagoga, citando a Confer�ncia das Na��es Unidas sobre Mudan�as Clim�ticas de 2021, prevista para acontecer entre 31 de outubro e 12 de novembro na cidade escocesa.

"O Brasil poderia ter um papel de lideran�a, como teve em outros tempos, mas infelizmente todas as pol�ticas do nosso governo v�o na dire��o contr�ria — no dia de publica��o do relat�rio, por exemplo, tivemos a publica��o no Di�rio Oficial de uma lei de 'carv�o sustent�vel', quando o relat�rio indica a necessidade de acabarmos com a ind�stria baseada em carv�o. 'Carv�o sustent�vel' � uma coisa que n�o existe. Estamos na contram�o do mundo", afirma.

Ela destaca que o setor privado tem atuado por meio de planos para zerar a emiss�o de carbono em suas atividades e de iniciativas como a Concerta��o pela Amaz�nia (que re�ne l�deres empresariais interessados no desenvolvimento sustent�vel da regi�o) e o Plano de Recupera��o Verde, lan�ado em julho pelos governadores dos Estados da Amaz�nia.

"As empresas t�m se posicionado apoiando as pol�ticas p�blicas ligadas a governos estaduais, mas em tudo isso fica faltando a parte do governo federal", avalia Maria Alice. "As empresas t�m um poder de governabilidade at� certo ponto, os governos estaduais tamb�m, mas a falta de uma pol�tica firme de governo contra o desmatamento � muito grande, impede um avan�o maior do pa�s e, ao contr�rio, abre espa�o a um retrocesso muito grande."

Voto em Lula num segundo turno contra Bolsonaro em 2022


Mesmo tendo sofrido ataques pelo PT, Maria Alice Setubal já declarou que votará em Lula num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro(foto: Reuters)
Mesmo tendo sofrido ataques pelo PT, Maria Alice Setubal j� declarou que votar� em Lula num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro (foto: Reuters)

Al�m de apoiar Marina Silva, Maria Alice Setubal declarou voto em A�cio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014, ap�s Dilma Rousseff (PT) acusar a ent�o candidata do PSB de ser "sustentada por banqueiros", devido a sua proximidade com a herdeira e acionista do Ita�.

Mesmo tendo sofrido ataques pelo PT, ela j� declarou em entrevista � Folha de S.Paulo que votar� em Lula num eventual segundo turno entre o petista e Bolsonaro.

"Como cidad� e como figura p�blica, vejo que Lula tem um compromisso com a defesa da democracia e com todas as suas institui��es. Ele tamb�m se compromete com o projeto de um pa�s mais justo, menos desigual, no qual as diferentes vozes, brancas, negras e ind�genas, poder�o ser ouvidas e apresentarem suas demandas e vis�es de mundo", disse na entrevista.

� BBC News Brasil Maria Alice reafirma que votar� em Lula "sem a menor d�vida" no cen�rio que hoje parece ser o mais prov�vel para o segundo turno de 2022. Mas ela avalia que ainda h� espa�o para que outros candidatos se fortale�am para a disputa.

"Ainda temos um ano e meio at� as elei��es, ainda tem espa�o n�o sei se para uma terceira via, mas para que outras candidaturas possam ganham for�a", afirma.

"O cen�rio brasileiro est� muito inst�vel, a cada dia � uma nova situa��o, um novo contexto. � muito dif�cil fazer uma previs�o para 2022 — nem sabemos se haver� Bolsonaro ou se ter� um processo de impeachment ou o avan�o de outros processos que ele est� sofrendo no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e no STF [Supremo Tribunal Federal]."

Ela se diz confiante na vit�ria do que chama de "campo progressista" em 2022, mas afirma que isso n�o significa que a reconstru��o do pa�s est� dada. "Cada um de n�s tem que se responsabilizar pela constru��o de um novo pa�s a partir de 2022. A vis�o conservadora de extrema-direita vai continuar a�, ent�o no dia seguinte das elei��es vamos ter que continuar lutando e trabalhando para a implementa��o de uma nova vis�o de mundo."

Para Maria Alice, h� dois riscos principais no caminho entre o presente e esse poss�vel futuro melhor: o pr�prio governo Bolsonaro e seus apoiadores, devido a sua absoluta imprevisibilidade, e o risco de o campo progressista n�o conseguir dialogar para al�m dos seus pr�prios limites.

"H� a extrema-direita, a esquerda e um meio de campo grande. Esse meio de campo j� votou no Lula, votou no Bolsonaro e agora est� em disputa", afirma. "Se n�o souber falar, ficar com aquela linguagem herm�tica, esquece, a gente j� perdeu. O grande desafio � o campo advers�rio a Bolsonaro conseguir dialogar para al�m das suas bolhas."

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