Armazenamento de Furnas baixou a 17,47%, refor�ando situa��o preocupante de ao menos 14 hidrel�tricas com 50% de acumula��o (foto: Alago/Divulga��o)
A seca pela qual o Brasil passa nas �ltimas semanas vai continuar apertando o bolso do consumidor, al�m de escancarar os problemas estruturais na gest�o ambiental do pa�s. Em novo balan�o atualizado no domingo, o Operador Nacional do Sistema El�trico (ONS) apresentou n�meros cr�ticos dos n�veis de armazenamento de �gua dos reservat�rios das principais usinas hidrel�tricas em Minas Gerais. Entre as oito maiores usinas, todas operando com volume inferior a 50% da capacidade de armazenamento de �gua que faz girar as turbinas, tr�s trabalham com acumula��o em barragens abaixo de 20%: Emborca��o e Nova Ponte, no Tri�ngulo Mineiro, com 11,72% e 11,95%, respectivamente; e Furnas, 17,47%. O lago de Tr�s Marias tem a situa��o menos grave, com 49,51%, de acordo com novo levantamento feito pelo ONS.
Os dados foram atualizados em dia no qual era esperado, mas n�o foi anunciado, novo aumento do sistema tarif�rio aplicado �s contas de energia pela Ag�ncia Nacional de Energia El�trica (Aneel). Em agosto vigorou bandeira tarif�ria vermelha, de patamar 2, ao custo de R$ 9,49 a cada 100 quilowatt/hora (kWh) consumidos. Agora, a expectativa � de que o aumento s� deva ser divulgado na semana que vem, ap�s as pol�micas manifesta��es marcadas para o feriado de 7 de setembro.
Embora em estado menos grave, o armazenanento para abastecimento de �gua tamb�m preocupa, segundo especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou ontem ao EM que acompanham dia ap�s dia a situa��o dos reservat�rios e que n�o prev� racionamento ou rod�zio na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. O munic�pio de Bugre e a localidade de Bom Jesus dos Cardosos, em Uruc�nia, ambos no Vale do Rio Doce, j� est�o sendo abastecidos em sistema de rod�zio.
Entre as usinas hidrel�tricas, quatro empreendimentos da Companhia Energ�tica de Minas Gerais (Cemig) operam com n�veis negativos de armazenamento de seus reservat�rios. S�o elas Bom Jesus do Galho (cidade de mesmo nome, no Vale do Rio Doce), Pissarr�o (Araguari, Tri�ngulo Mineiro), Martins (Uberl�ndia, tamb�m no Tri�ngulo) e Salto do Paraopeba (Jeceaba, Regi�o Central).
Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio S�o Francisco (CBHSF), onde est�o alguns dos reservat�rios respons�veis pela gera��o de energia, v� o quadro da crise energia com extrema preocupa��o. “Nosso sistema el�trico � interligado e precisamos ficar muito atentos para determinar qual � o limite da capacidade da calha do S�o Francisco, onde est�o as usinas. N�o se pode correr o risco de transportar a crise da Bacia do Paran� para o S�o Francisco. � um limite muito impreciso”, afirma.
O especialista analisa a administra��o do governo federal como falha durante a seca. Segundo ele, a Aneel passou de um papel de reguladora para regulada, o que deu poderes de decis�o a ministros de Jair Bolsonaro (sem partido), como Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Paulo Guedes (Economia). “Esse comit� extraordin�rio de crise � de fato quem est� tomando as decis�es, com a ag�ncia reguladora significantemente neutralizada, bem como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama)”, diz o presidente do CBHSF.
"Por falta de planejamento e vontade pol�tica, o Brasil n�o se preparou para este s�culo de agravamento do aquecimento global"
Anivaldo de Miranda Pinto, presidente do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio S�o Francisco
Dever de casa
O quadro cr�tico apontado por Anivaldo Pinto atinge os principais reservat�rios de Minas Gerais. Em Nova Ponte, no Alto Parana�ba, a usina opera com 11,95% de volume �til. O problema tamb�m se estende a Emborca��o (11,72%), S�o Sim�o (20,99%) e Tr�s Marias (49,51%), conforme dados do Operador Nacional do Sistema El�trico (ONS). Neste �ltimo, a Cemig registra queda consider�vel desde julho, j� que o n�vel fechou em 54% no m�s passado.
Ao todo, Minas tem ao menos 14 usinas abaixo da taxa de 50% de volume �til. Uma alternativa para assegurar o servi�o para a popula��o � a ativa��o e compra de energia das termel�tricas. O problema dessa solu��o gira em torno do custo, que � mais elevado e repassado � conta de energia. Quem paga o pre�o � o consumidor. Outra limita��o est� ligada ao meio ambiente, j� que a queima de combust�veis f�sseis � mais poluente.
“Quando o paciente est� na UTI, voc� n�o tem muitas alternativas. Infelizmente, por falta de planejamento estrat�gico e vontade pol�tica, o Brasil n�o fez o dever de casa de se preparar para esse s�culo de agravamento do aquecimento global. Nossa matriz energ�tica continua aumentando a depend�ncia do uso de combust�veis f�sseis”, afirma Anivaldo. Ele defende a fonte de energia solar como resposta � destrui��o ambiental.
M�nimas hist�ricas no Tri�ngulo Mineiro
A Cemig reconhece a “situa��o mais preocupante” das usinas de Emborca��o e Nova Ponte, “pois devem registrar n�veis m�nimos hist�ricos neste ano”, com proje��es “da ordem de 3%”. “Considerando que a capacidade de gera��o de uma usina depende tamb�m do n�vel do reservat�rio, pode-se concluir que os baixos n�veis de armazenamento de Nova Ponte e Emborca��o influenciam tamb�m na perda da capacidade produtiva dessas usinas”, afirma Ivan S�rgio Carneiro, gerente de Planejamento Energ�tico da concession�ria.
O executivo ressalta que esse d�ficit ser� coberto por outras fontes, hidrel�tricas ou n�o. “As demais usinas operadas pela Cemig encontram-se em situa��o normal no momento, com armazenamentos pr�ximos aos j� verificados em outros anos”, diz o gerente da companhia. Quanto �s usinas termel�tricas, a Cemig n�o opera nenhum empreendimento.
A respeito das usinas que operam com n�veis negativos, a Cemig informou que elas “apresentam contribui��o muito pequena para a gera��o de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN)”, por se tratar de hidrel�tricas “com pequena pot�ncia instalada”. Portanto, os �ndices s�o considerados normais pela companhia. (Colaborou Roger Dias)
Reservat�rio Vargem das Flores, na Grande BH, mostra n�vel de acumula��o em baixa mais sens�vel, de 65,3%, de acordo com a Copasa (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Vale do Rio Doce tem casos de rod�zio de �gua
O abastecimento de �gua tamb�m preocupa as autoridades e o secret�rio do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio das Velhas, Marcus Polignano. Ontem, n�meros da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) mostravam que o Sistema Paraopeba, que abastece a Grande Belo Horizonte, opera com 76,4% de sua capacidade. Dos tr�s reservat�rios, o quadro de maior risco � na Vargem das Flores, entre Contagem e Betim: 65,3%. Em Rio Manso, na cidade de Brumadinho, o n�vel de armazenamento � de 77%. J� em Serra Azul, em Juatuba, de 80,2%.
No interior, a Copasa informou que a cidade de Bugre e a localidade de Bom Jesus dos Cardosos, em Uruc�nia, ambos no Vale do Rio Doce, entraram no sistema de rod�zio no abastecimento de �gua. Para Marcus Polignano, o grande problema vai muito al�m dos n�meros. Ele destaca a quest�o estrutural no Brasil decorrente da falta de gest�o ambiental eficiente capaz de permitir condi��es naturais para que n�o falte �gua ao ser humano. “A gente fica sempre tratando as coisas como se fossem pontuais e fora de contexto. N�o estamos num problema moment�neo, mas estrutural. As cidades t�m hidrofobia. Elas mandam a �gua embora durante as enchentes no per�odo chuvoso, pela falta de �reas perme�veis. Depois, querem �gua no per�odo de seca”, lamenta.
Para Marcus Polignano, as crises h�drica e energ�tica s�o faces de uma mesma moeda, forjada por meio da destrui��o dos biomas naturais, como tem se registrado na Amaz�nia, no Pantanal e na mata atl�ntica, sobretudo. Tendo como refer�ncia este m�s, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram crescimento gigantesco no volume de focos ativos de inc�ndio na floresta amaz�nica a partir de 2019, primeiro per�odo da gest�o Bolsonaro. O n�mero saiu de 10.421 em 2018 para 30.900 em 2019, 29.307 no ano passado e 27.569 em 2021.
“Temos visto, h� muito tempo, os reservat�rios sendo levados � exaust�o, retirando tudo que se tem sem garantia de recomposi��o (no per�odo chuvoso). O dia em que a matem�tica n�o compensar, n�o vir um dil�vio para recuperar aquele reservat�rio, voc� tem um desastre. As crises h�drica e energ�tica s�o irm�s siamesas da crise ambiental. Tamb�m estamos pagando um custo monet�rio por isso, que vai para todo mundo, desde o consumidor at� o distribuidor”, observa o ambientalista.
Do ponto de vista pr�tico, Marcus Polgnano entende que o Sistema Paraopeba ainda est� num volume “bom” de �gua para garantir o abastecimento. Mas, em geral, “estamos tirando muito mais do que o rio poderia dar”. “� uma situa��o de alerta, que requer todo o cuidado. Porque, se tiver uma baixa maior, esse problema pode se agravar. Temos procurado manter a vaz�o dentro do limite. Corremos risco”, afirma.
Em nota, a Copasa informou que est� monitorando diariamente os reservat�rios e as cidades do interior, com �nfase naquelas onde h� per�odo de estiagem mais longo. N�o h� previs�o de racionamento ou rod�zio na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte: “O volume atual est� um pouco abaixo do ano de 2020 devido �s precipita��es que ocorreram bem acima da m�dia hist�rica no in�cio daquele ano. At� o momento, n�o h� previs�o de racionamento na Grande BH. De acordo com a s�rie hist�rica (2016/2021), a reserva atual � bastante superior aos per�odos de seca dos outros anos anteriores”, diz a nota. (GR)