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Estado de Minas ECONOMIA

'Capitalismo da sardinha': como Portugal foi de pa�s falido a exemplo na Europa

Pequeno pa�s de pouco mais de 10 milh�es de habitantes superou com sucesso crise econ�mica de 2008 e, mais recentemente, pandemia de covid-19.


17/10/2021 06:31 - atualizado 18/10/2021 08:54

Bonde em Lisboa
Portugal superou com relativo sucesso crise econ�mica de 2008 e, mais recentemente, pandemia de covid-19 (foto: Getty Images)

Que Portugal est� na moda n�o � novidade. Suas cidades e zonas costeiras est�o repletas de turistas, atra�dos pela hist�ria e cultura de um pa�s de onde surgiram grandes exploradores, pelo bom tempo, pela excelente gastronomia e pelos pre�os mais acess�veis do que os de outros destinos europeus.

Al�m disso, essa pequena na��o de pouco mais de 10 milh�es de habitantes tamb�m se tornou um exemplo de como superar com sucesso a crise econ�mica que come�ou em 2008 e, mais recentemente, a pandemia de coronav�rus.


Foi o que o autor americano Michael Moran chamou em um artigo recente da revista Foreign Policy de "capitalismo da sardinha". A publica��o define Portugal como "um modelo de crescimento para as pequenas economias europeias, que tiveram dificuldade em equilibrar suas tradi��es culturais e valores pol�ticos com as demandas de economias maiores, como Alemanha, Fran�a e It�lia, com as quais compartilham (a moeda) euro". E elogia o pa�s por ter conseguido combinar coes�o social com crescimento econ�mico e qualidade de vida.

Mas o que � esse "capitalismo sardinha"?

Projetado para fora

A portuguesa Patr�cia Lisa, analista do centro de estudos Real Instituto Elcano, em Madri, na Espanha, diz que "capitalismo da sardinha" reflete os valores de seu pa�s.

"N�o s� a sardinha, mas tamb�m tudo o que se relaciona com o turismo, com a reconvers�o industrial, cal�ado, vinhos, moda... e uma forte aposta na chamada diplomacia econ�mica, que anda de m�os dadas com a internacionaliza��o da economia", enumera ela � BBC News Mundo, o servi�o de not�cias em espanhol da BBC.

Na verdade, destaca Lisa, a diplomacia de Portugal � conhecida por ser extremamente intervencionista.

"Isso se d� pela forma como o pa�s consegue se projetar no exterior: apesar de ser uma economia pequena, continua com uma proje��o internacional maior do que se esperaria dele", diz.

Esse �, segundo Lisa, um dos principais eixos estruturantes de Portugal: a sua forte aposta na internacionaliza��o. Devido � posi��o geogr�fica, o pa�s sempre esteve voltado ao exterior. Algo que historicamente p�de ser visto no compromisso com o mar e com a economia mar�tima e que agora tamb�m est� ligado �s novas tecnologias e � agenda das energias renov�veis.

Claro que nem sempre foi assim e houve anos em que Portugal teve de olhar para dentro e ocupou o notici�rio internacional por raz�es muito menos otimistas.


Protesto contra medidas de austeridade em 2013
Durante anos da Troika, houve muitos protestos contra medidas de austeridade (foto: Getty Images)

Da 'troika' ao milagre portugu�s

Ap�s a crise econ�mica global de 2008, Portugal mergulhou numa grave depress�o.

Em 2011, � beira da fal�ncia, o governo portugu�s solicitou um pacote de resgate no valor de 78 bilh�es de euros � Uni�o Europeia e ao Fundo Monet�rio Internacional (FMI). O desembolso foi autorizado, sob a condi��o de que o pa�s implementasse medidas de austeridade.

Foram os anos da "troika", como s�o popularmente conhecidas as imposi��es da Comiss�o Europeia, do Banco Central Europeu (BCE) e do FMI.

O per�odo foi caracterizado por um corte significativo das despesas p�blicas - o que afetou principalmente os sal�rios dos funcion�rios p�blicos e as aposentadorias. J� os impostos foram aumentados.

Mas o desemprego n�o parou de aumentar — atingiu a cifra recorde de 17,7% em 2013 — nem a pobreza e o descontentamento social. Por outro lado, o consumo e a moral dos portugueses despencaram.

Ap�s as reformas realizadas por um governo de centro-direita sob a supervis�o da troika, Portugal se libertou dos credores internacionais em junho de 2014, embora n�o houvesse motivo para muitas comemora��es: a taxa de desemprego rondava os 12%, 20% da popula��o viviam abaixo da linha da pobreza e 485 mil portugueses emigraram do pa�s entre 2011 e 2014.

Ap�s as elei��es de 2015, foi formado um novo governo de centro-esquerda liderado pelo socialista Ant�nio Costa, atualmente no cargo.

O governo Costa — com seu aclamado ministro da Fazenda, M�rio Centeno — come�ou a reverter as medidas de austeridade, mas sem descuidar da responsabilidade fiscal.

"Eles (governo) passaram a gastar um pouco mais, por exemplo, em termos de sal�rios, e isso teve um efeito multiplicador na economia. As despesas aumentaram, mas n�o demasiadamente, e isso teve um impacto positivo no PIB (Produto Interno Bruto, a soma das riquezas de um pa�s), e na arrecada��o", explica Ant�nio Afonso, professor da Escola de Economia de Lisboa e ex-economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE).

A pol�tica anti-austeridade acabou marcando um ponto de inflex�o desde os momentos mais dif�ceis da crise financeira e rendeu frutos.


António Costa e Mário Centeno
Ant�nio Costa e M�rio Centeno (foto: Getty Images)

"O modelo de Costa baseava-se no incentivo ao consumo mais gastos p�blicos estruturais, ou seja, investimentos p�blicos em educa��o e infraestrutura", explica Lisa.

"N�o se pode pensar em revolu��o ou ruptura", ressalva. "Os indicadores econ�micos de 2014, antes do governo Costa, j� davam sinais de retomada", acrescenta, mas "� �bvio que em 2015 houve uma revers�o da pol�tica econ�mica".

A recupera��o foi muito percept�vel em 2017. Naquele ano, o PIB portugu�s cresceu 2,7%, a taxa mais elevada do pa�s desde o in�cio do novo mil�nio enquanto a taxa de desemprego caiu para n�veis pr�-crise.

Centeno foi apontado como o "Ronaldo das finan�as", em alus�o ao atacante portugu�s Cristiano Ronaldo, pelo surpreendente desempenho da economia portuguesa.

"2017 foi o ano de todas as vit�rias para Portugal, ficou na moda em todas as dimens�es, nas dimens�es econ�mica, pol�tica e social", afirma Lisa. "Ganhamos at� o Eurovision (competi��o internacional de can��es que conta principalmente com participantes europeus)", brinca.

Foi o que ficou conhecido como o "milagre da economia portuguesa".

Exporta��es e turismo

Do lado financeiro, h� um fator crucial que explica o sucesso da economia portuguesa.

"O que aconteceu notavelmente em Portugal � que a taxa de poupan�a aumentou drasticamente em 2011, 2012 e 2013", explica Afonso. "As pessoas basicamente n�o estavam consumindo, o que significa que as importa��es ca�ram. Quando as importa��es caem, o saldo em conta corrente (diferen�a entre exporta��es e importa��es) melhora."

Em rela��o ao bom desempenho das exporta��es, segundo o economista, isso se deveu a dois fatores.

Por um lado, a transforma��o da ind�stria portuguesa nos �ltimos 20 anos, que passou a produzir e exportar produtos tecnologicamente avan�ados.

"Houve muitas exporta��es no setor t�xtil, mas como desde os anos 2000 h� muita concorr�ncia da China, da �sia em geral, as pessoas passaram a apostar mais na qualidade, na diferencia��o", diz o economista. "Isso implica que as exporta��es aumentaram estrategicamente."

Por outro lado, um contexto de contra��o fiscal no per�odo 2011-2012 "tem impacto nos pre�os, ent�o � poss�vel aumentar a produtividade". "Se voc� ganha produtividade, ganha competitividade l� fora, se ganha competitividade, consegue exportar mais a um bom pre�o."

"� o que vimos nos �ltimos 10 anos ou mais", acrescenta Afonso.

Soma-se a isso o boom do turismo, e ano ap�s ano Portugal tem batido o recorde de visitantes ao pa�s. Antes da pandemia, o turismo representava quase 15% do PIB e o setor era respons�vel por 10% do emprego.

E, segundo especialistas, outro programa que ajudou a dinamizar a economia foi o denominado Golden Visa, por meio do qual os investidores estrangeiros que comprassem um im�vel de mais de 500 mil euros no pa�s obtinham um visto de resid�ncia.

O esquema foi introduzido em 2012 e continuou sob governos socialistas, embora n�o sem controv�rsia.

Cen�rio p�s-pandemia

A boa sa�de da economia portuguesa foi duramente atingida pela pandemia do coronav�rus e o PIB despencou 8,4% em 2020, a pior recess�o desde 1936.

Os visitantes estrangeiros ca�ram 76% no ano passado.


Rua vazia no Porto durante lockdown
Rua vazia no Porto durante lockdown (foto: Getty Images)

No entanto, segundo especialistas, as medidas promovidas durante os anos anteriores � pandemia permitiram a Portugal resistir melhor � crise, e o pa�s � um dos que apresentam melhor desempenho na recupera��o.

No segundo trimestre deste ano, o pa�s liderou a retomada da zona euro e registrou a maior taxa de crescimento (4,9%) entre os Estados-membros da Uni�o Europeia, mais do que Alemanha (1,5%), Espanha (2,8%) ou It�lia (2,7).

Do ponto de vista da sa�de, por exemplo, Portugal � o que tem a maior taxa do mundo de popula��o completamente vacinada contra covid-19 (86,38%), segundo dados da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford. Por causa disso, por todo o territ�rio, postos de vacina��o est�o sendo fechados devido � baixa demanda.

Agora, novamente aberto ao turismo e com um cen�rio praticamente normal, o Banco Central de Portugal espera que o pa�s encerre o ano com um crescimento de 4,8%, enquanto a taxa de desemprego se situa em 6,7%, muito abaixo das na��es vizinhas e tamb�m dependentes de turismo como Espanha (15%) e It�lia (10%).


Turistas no centro de Lisboa
Turismo sempre foi fonte de arrecada��o de recursos para Portugal (foto: Getty Images)

Desafios

Claro que nem tudo � perfeito para Portugal, e a economia portuguesa ainda tem grandes desafios.

O principal, na opini�o de Patr�cia Lisa, � reformar o mercado de trabalho.

"� verdade que o desemprego tem permanecido baixo", afirma, "mas o mercado de trabalho portugu�s � caracterizado por baixos sal�rios. � um grande desafio para Portugal".

Al�m disso, h� os efeitos colaterais do boom tur�stico e do Golden Visa, que, para al�m dos milh�es que injetou na economia portuguesa, provocou tamb�m um aumento significativo dos pre�os de moradia, principalmente na capital, Lisboa, e no Porto, a segunda maior cidade do pa�s.

"Esse modelo gerou consequ�ncias, o que fez explodir os pre�os de moradia, especialmente em Lisboa, Porto e Algarve", afirma Lisa.

Em fun��o dos protestos, o governo socialista reformulou a pol�tica do Golden Visa, excluindo essas regi�es. O objetivo agora � incentivar a compra de im�veis nas ilhas de Madeira e A�ores, assim como no interior do pa�s. As mudan�as, h� muito adiadas, passam a valer a partir de 1º de janeiro de 2022.


Guindastes em Lisboa
Pre�os de im�veis n�o param de crescer em cidades como Lisboa e Porto (foto: Getty Images)

Nem mesmo a pandemia travou a alta dos pre�os de moradia em Portugal — a taxa foi de 8,4% em 2020, de acordo com o �ndice de Pre�os publicado pelo Instituto Nacional de Estat�stica (INE, o IBGE portugu�s), menos 1,2 ponto porcentual do que em 2019.

Das associa��es de defesa do direito � habita��o digna, como o Morar em Lisboa ou Habita! denunciam que o mesmo acontece com os alugu�is e que em regi�es como Lisboa, Porto ou Algarve eles s�o, em muitos casos, superiores aos sal�rios. Essas entidades argumentam que mais moradias p�blicas s�o necess�rias.

Com o plano de Recupera��o e Resili�ncia — dotado de fundos europeus para a retomada p�s-pandemia — o governo portugu�s prev� construir 26 mil casas at� 2026.

Com as suas conquistas e desafios, e considerando o artigo da Foreign Policy mencionado no in�cio dessa reportagem, Portugal � realmente um exemplo para outras economias pequenas?

Lisa se mostra cautelosa e diz que � cedo para determinar modelos a seguir.

"H� outros pa�ses europeus, tamb�m pequenos, que aderiram � UE depois de Portugal e est�o tendo trajet�rias extraordinariamente positivas, como � o caso da Eslov�nia."

"� verdade que Portugal marcou o ponto de inflex�o das pol�ticas de austeridade em termos simb�licos, mas a partir da� tom�-lo como modelo me parece um pouco precipitado", opina.

Moran, por sua vez, argumenta, em seu texto na Foreign Policy, que "os portugueses, com muito menos poder de compra nos mercados globais e ainda uma sardinha entre os salm�es no ambiente monet�rio claustrof�bico da zona do euro, est�o mostrando aos pequenos pa�ses europeus que, com um mix h�bil de medidas pol�ticas e fiscais e um pouco de sorte, voc� consegue levar uma vida boa e ainda fazer a economia crescer".

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