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D�vida das empresas com Estados somava R$ 896 bilh�es em 2019. Companhias negam irregularidades e dizem que valores s�o fruto de 'diverg�ncias na interpreta��o da lei tribut�ria'

Divulga��o

Os Estados brasileiros somavam R$ 896,2 bilh�es em d�vidas a receber de empresas em 2019, aponta estudo in�dito realizado pela Fenafisco (Federa��o Nacional do Fisco Estadual e Distrital), entidade sindical que representa os servidores p�blicos fiscais tribut�rios.

Entre 2015 e 2019, esse montante de d�vida cresceu 31,4%. E o valor devido pelas empresas aos Estados equivale a 13,2% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, diz o levantamento.

S�o impostos, contribui��es e multas que deixaram de ser pagos pelo setor privado, registrados como d�vida ativa ap�s o fim do prazo legal para pagamento ou ap�s decis�o final em processo administrativo regular.

As empresas negam irregularidades e dizem que os valores s�o fruto de "diverg�ncias na interpreta��o da lei tribut�ria" e que ainda contestam as obriga��es na Justi�a.

O Atlas da D�vida Ativa dos Estados Brasileiros foi feito a partir de dados de 17 Estados que divulgaram seus n�meros publicamente na internet ou mediante requisi��o da Fenafisco. N�o h� sigilo sobre a d�vida ativa, os dados s�o p�blicos, mas alguns Estados ainda falham na transpar�ncia desses dados, conforme revelou a dificuldade na obten��o dos n�meros.

Segundo o economista Juliano Goularti, autor do estudo encomendado pela entidade, o levantamento revela como bilh�es de reais em recursos p�blicos est�o indevidamente em poder da iniciativa privada, quando poderiam estar sendo destinados para pol�ticas p�blicas de sa�de, educa��o e seguran�a p�blica, por exemplo.

"No Brasil, n�o tem crime tribut�rio", diz Goularti. "Se voc� rouba uma caixa de leite ou um pacote de bolachas, est� sujeito ao C�digo Penal. Mas, na tributa��o, voc� faz planejamento tribut�rio e elis�o fiscal e n�o � criminalizado."

O planejamento tribut�rio e a elis�o fiscal s�o manobras feitas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos dentro da legalidade — diferentemente da evas�o fiscal, que tem o mesmo objetivo, mas por meios il�citos.

"Nesse momento no Brasil, estamos passando por um per�odo longo de ajuste fiscal, de corte de despesas e de teto de gastos, para ajustar a despesa p�blica. Mas n�o vemos uma pol�tica ativa, tanto por parte da Uni�o, como dos Estados, para recuperar essa d�vida ativa", observa.

"Essa d�vida vai crescendo ao longo do tempo, enquanto crescem em paralelo os problemas sociais: a desigualdade, a fome", observa Charles Alcantara, auditor Fiscal de Receitas do Estado do Par� e presidente da Fenafisco. Segundo ele, caso a d�vida fosse recuperada, seria poss�vel pagar 11 anos de Bolsa Fam�lia aos mais vulner�veis com valor de R$ 400.

A m�dia nacional de recupera��o da d�vida ativa estadual gira em torno de 0,6%. "Isso chega a ser vexat�rio, o Estado que � t�o preocupado em honrar a d�vida p�blica, diminuindo recursos da sa�de e educa��o e n�o combatendo a fome e a mis�ria para pagar seus credores, deixa os privados que devem ao Estado sem ser incomodados", critica Alcantara.

Goularti avalia que um dos fatores que estimulam as empresas a n�o pagarem devidamente suas obriga��es tribut�rias � a realiza��o recorrente de programas do tipo Refis (Programa de Recupera��o Fiscal), em que as d�vidas s�o renegociadas a valores muito mais baixos e com prazos longos. Como as empresas sabem que sempre vai haver uma nova edi��o desse tipo de negocia��o, elas j� fazem seu planejamento tribut�rio contando com isso.

Para Goularti a solu��o para o problema da d�vida ativa crescente � apertar o cerco na fiscaliza��o e na cobran�a e criar regras que inibam a elis�o e o planejamento tribut�rio, como a criminaliza��o dessas pr�ticas.

Ele reconhece, no entanto, que isso � desafiador, como mostrou a tramita��o da reforma do imposto de renda, que inclu�a um pacote antielis�o bastante ousado, cujas principais medidas — como a tributa��o do patrim�nio de brasileiros em offshore e al�quotas diferenciadas sobre dividendos para para�sos fiscais — foram derrubadas pelo Congresso.

"A d�vida ativa se d� a partir de rela��es de poder pol�ticas e econ�micas. S�o lobbies muito fortes e essas rela��es de poder contribuem para a forma��o dos estoques da d�vida ativa", diz o economista. "Por tr�s dessa d�vida ativa existe um conjunto de lobbies."

Confira os dez maiores devedores dos Estados brasileiros, segundo a Fenafisco:

1) Refinaria de Petr�leo de Manguinhos (R$ 7,7 bilh�es) — refinaria de petr�leo brasileira localizada no Estado do Rio de Janeiro. Entrou com pedido de recupera��o judicial (mecanismo usado para tentar evitar a fal�ncia de empresas atrav�s de negocia��es com seus credores) em 2013. O processo foi encerrado em 2020 e a empresa mudou de nome para Refit.

2) Ambev (R$ 6,3 bilh�es) — cervejaria que domina cerca de 55% do mercado brasileiro e 26% do mercado mundial, dona de marcas como Brahma, Skol, Antarctica, Stella Artois e Budweiser, al�m dos refrigerantes Guaran� Antarctica e Pepsi. Tem como controladores os bilion�rios Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Lemann � o segundo brasileiro mais rico do mundo, segundo ranking da revista Forbes.

3) Telef�nica - Vivo (R$ 4,9 bilh�es) — empresa de telecomunica��o controlada pela espanhola Telef�nica, atua em telefonia fixa m�vel, banda larga e TV por assinatura. Formada pela fus�o de antigas empresas de telefonias estatais brasileiras.

4) Sagra Produtos Farmac�uticos (R$ 4,1 bilh�es) — distribuidora de medicamentos.

5) Drogavida Comercial de Drogas (R$ 3,9 bilh�es) — rede varejista de medicamentos com sede em Ribeir�o Preto (SP).

6) Tim Celular (R$ 3,5 bilh�es) — empresa de telefonia celular, subsidi�ria no Brasil da Telecom Italia.

7) Cerpa Cervejaria Paraense (R$ 3,3 bilh�es) — fabricante tradicional de cerveja controlada pela fam�lia Seibel. Dona das marcas Cerpa Export, Cerpa Prime, Tijuca, Draft Sound, Gold e Nevada, al�m de refrigerantes e do energ�tico Amazon Power.

8) Companhia Brasileira de Distribui��o (R$ 3,1 bilh�es) — mais conhecida como Grupo P�o de A��car (GPA) e controlada pelo grupo franc�s Casino, atua no ramo de supermercados com as bandeiras P�o de A��car, Extra e Compre Bem.

9) Athos Farma Sudeste (R$ 2,9 bilh�es) — distribuidora de medicamentos, em recupera��o judicial.

10) Vale (R$ 2,8 bilh�es) — mineradora brasileira que � uma das maiores produtoras e exportadoras de min�rio de ferro do mundo. Fundada em 1942 como Companhia Vale do Rio Doce, foi privatizada em 1997.

O que dizem as empresas

A BBC News Brasil procurou as empresas para se posicionarem sobre o estudo.

A Vale informou que "cumpre rotineiramente todas as suas obriga��es fiscais", que "mant�m discuss�es tribut�rias na esfera estadual em decorr�ncia de diverg�ncias de interpreta��o da legisla��o tribut�ria desses entes", e que todas as discuss�es est�o garantidas ou com a exigibilidade suspensa, o que lhe confere o certificado de regularidade fiscal nessas jurisdi��es.

O GPA afirmou que n�o tem d�vida em aberto, e que todos os d�bitos est�o em discuss�o judicial e devidamente garantidos.

A Ambev afirmou que "os valores indicados s�o fruto de discuss�es em que discordamos da cobran�a e que ainda est�o em andamento nos tribunais. Considerando o porte da empresa e, ainda, por sermos uma das maiores pagadoras de impostos do pa�s � natural que, na soma, o valor em discuss�o seja expressivo."

A TIM e a Vivo optaram por n�o se pronunciar. A Refit, antiga Refinaria Manguinhos, n�o retornou ao pedido de posicionamento e a BBC News Brasil tentou contato com a Sagra Produtos Farmac�uticos, Drogavida Comercial de Drogas, Cerpa Cervejaria Paraense e Athos Farma Sudeste, mas n�o obteve resposta.

Caso as empresas se manifestem, os posicionamentos ser�o publicados em vers�o atualizada desta reportagem.

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