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Estado de Minas Crise

Taxa de juros de 7,75% ao ano dita nova era de sufoco financeiro e d�vidas

Maior avan�o da taxa Selic em quase 20 anos no pa�s ter� impacto imediato, encarecendo financiamentos e pend�ncias com bancos e operadoras de cart�es


31/10/2021 04:00 - atualizado 31/10/2021 07:36

Lucas Tadeu e Thais Roberta esperam entrega da casa própria em dezembro
Como Lucas Tadeu e Thais Roberta, que est�o limitando gastos na casa pr�pria, consumidores e empresas ter�o de melhorar controles financeiros (foto: T�lio Santos/EM/D.A Press)

As equipes de an�lise de cr�dito, concess�o de empr�stimos e os consultores dos bancos e financeiras j� se ocupam desde quinta-feira de rever o custo do dinheiro, que encareceu ap�s a eleva��o, ao maior n�vel dos �ltimos quatro anos, da taxa b�sica de juros da economia brasileira

Mais pr�xima do bolso do que boa parte das fam�lias consegue perceber, a Selic remunera os investidores nos t�tulos do governo negociados no mercado financeiro e comp�e as condi��es nem sempre amig�veis das opera��es nos bancos e no com�rcio.

A nova taxa de 7,75% ao ano impacta, de imediato, com aumento das presta��es dos financiamentos, de geladeiras a carros e a casa pr�pria, e dos encargos nas compras a prazo por meio dos cart�es de cr�dito ou carn�s das lojas. Influencia tamb�m os compromissos feitos no cheque especial, entre outras modalidades.

 

O arrocho promovido pelo Banco Central (BC), que n�o se via h� quase 20 anos, tem ainda g�s suficiente para alimentar a inadimpl�ncia e engrossar o universo de consumidores no endividamento, sem, no entanto, conter a infla��o nos pr�ximos meses, como alertam analistas ouvidos pelo Estado de Minas.

N�o se imagina redu��o de pre�os da gasolina e muito menos das carnes, a despeito da expressiva alta da Selic de 1,5 ponto percentual – ela estava em 6,25% anuais –, alta mais intensa desde 2002.

 

Com receio e cuidado para n�o se endividarem sem controle, a assistente administrativa Thais Roberta, de 27 anos, e o noivo, Lucas Tadeu, t�cnico industrial, de 32, decidiram manter apenas o projeto essencial da casa que eles compraram ainda na planta e esperam receber em dezembro.

“Ficamos um pouco assustados, n�o est�vamos esperando um aumento t�o brusco, que, inclusive j� vinha ocorrendo nos �ltimos meses. Al�m dos juros altos da compra da casa, este ano tamb�m houve subida de pre�os dos materiais de constru��o”, ressalta Thais. Para conter os gastos, agora o casal decidiu priorizar o mobili�rio ao m�nimo necess�rio e a escolha se dar� em raz�o de pre�o, e n�o marca de produtos.

 

"Os or�amentos das fam�lias v�o sendo asfixiados e o sintoma disso � o aumento da inadimpl�ncia"

F�bio Bentes, economista da CNC

 

A atitude de Thais e Lucas segue as orienta��es dadas �s fam�lias pelos economistas para tentar melhorar o controle sobre o or�amento. Os juros altos costumam conter os aumentos quando o consumo acelerado e incapaz de ser atendido � o fator de press�o sobre os pre�os.

Encarecendo o cr�dito, os juros desestimulam as compras, e atraem quem tem recursos dispon�veis para as aplica��es financeiras, o que det�m os pre�os em geral, mas n�o se trata da situa��o no pa�s, explica o economista Andr� Braz, coordenador dos �ndices de pre�os da Funda��o Getulio Vargas.

 

“Mais de 50% da infla��o acumulada em 12 meses (de 10,25% at� setembro, com base no �ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo – IPCA, o indicador oficial da infla��o no Brasil) vem dos reajustes da energia, dos comb�stiveis e de mat�rias-primas que ficaram mais caras (da soja ao min�rio de ferro)”, afirma. Ser� dif�cil ver algum efeito dos juros no pre�o dos combust�veis, uma vez que alta da gasolina, do �leo diesel e do g�s de cozinha resulta, sobretudo, do aumento das cota��es do petr�leo no mercado internacional e da desvaloriza��o do real frente ao d�lar.

 

Todo produto que o pa�s precisa importar mais caro significar� press�o sobre os pre�os internamente, gerando infla��o, observa Andr� Braz. Fator adicional, que est� fora do controle do governo, e, portanto, do alcance dos juros � o descompasso n�o s� no Brasil, mas no mundo, entre a produ��o dos derivados do petr�oleo e a demanda maior gerada pela volta � normalidade da vida da popula��o, depois do per�odo mais restrito imposto pela pandemia de COVID-19. Pelas leis da economia, procura superior � oferta pressiona os pre�os.

 

Potencializado


Se a receita dos juros altos tem, portanto, pouco efeito sobre a infla��o, o resultado � dr�stico e r�pido do ponto de vista do dinheiro mais caro, potencializando a insolv�ncia j� elevada no Brasil, destaca o economista F�bio Bentes, da Confedera��o Nacional do Com�rcio de Bens, Servi�os e Turismo (CNC).

N�o se trata de tarefa f�cil estimar como a Selic vai influenciar os juros na ponta, ou seja, para o consumidor. Antes do aperto no juro b�sico determinado na quarta-feira, a taxa m�dia de juros nas opera��es de empr�stimo �s fam�lias j� alcan�ava 41,5% ao ano, de acordo com dados do Banco Central.

 

F�bio Bentes acredita que esse custo, tamb�m na m�dia, poder� ultrapassar 45% ao ano no fim de dezembro ou at� chegar perto de 50%, se o BC optar por promover novo acr�scimo na Selic. “Os or�amentos das fam�lias v�o sendo asfixiados e o sintoma disso � o aumento da inadimpl�ncia, num momento em que o mercado de trabalho continua travado e a infla��o alta”, afirma.

 

A consequ�ncia da rota ascendente dos juros para o consumidor endividado impressiona. Bentes observa que uma d�vida de R$ 1 mil contra�da no cheque especial pode dobrar no per�odo de um ano, corrigida a juros de 8% ao m�s, que significam 100% ao ano.

Antes mesmo da nova alta dos juros, a inadimpl�ncia j� vinha crescendo. O indicador medido pelo BC oscilou de 4,14% em janeiro para 4,10% em maio e julho, voltou a subir a 4,15% em agosto e estava em 4,25% no m�s passado, maior taxa desde novembro de 2020 (4,29%). Significa que a cada R$ 100 emprestados �s fam�lias, R$ 4,25 n�o foram pagos num intervalo superior a 90 dias.

 

Tiro no p� Ciente da engrenagem que os juros altos provocam, o BC parece ter emitido uma esp�cie de recado � popula��o, segundo F�bio Bentes, “O aumento dos juros j� era esperado, embora a d�vida fosse a magnitude dele. O BC est� procurando manter a condi��o de guardi�o da estabilidade monet�ria e dizer que pretende entregar uma infla��o mais baixa, mas no futuro”, resume.

 

N�o fica claro para o consumidor, na avalia��o do economista Paulo Vieira, professor do Centro Universit�rio UniHorizontes, de Belo Horizonte, � que uma simples “canetada” do Copom eleva os juros nos bancos e no com�rcio, enquanto a influ�ncia sobre toda a cadeia da atividade econ�mica, “por tradi��o”, s� tende a ser observada no per�odo de quatro a seis meses.

 

Priscilla Dourado diz que a rede vai abrir duas lojas em 2022
Priscilla Dourado Amorelli Gouv�a, s�cia da rede de sorveteria Alessa, destaca que mesmo na crise empresa continuar� crescendo (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

"O desafio � tamb�m n�o perder a ess�ncia por causa dos custos"

Priscilla Dourado Amorelli Gouv�a, s�cia de rede de sorveterias e cafeterias

 

 

Ajustes essenciais nos lares e nas empresas

 

Em casa e nas empresas, os exerc�cios da reorganiza��o do or�amento e da otimiza��o das despesas j� haviam se tornado constantes e, mais uma vez, ganham import�ncia diante da infla��o e dos juros mais altos.

A estrat�gia tem sido essencial num momento de recupera��o das vendas e de projetos de expans�o de neg�cios, conta Priscilla Dourado Amorelli Gouv�a, s�cia da rede de sorveterias e cafeterias Alessa Gelato & Caff�, com quatro lojas em Belo Horizonte.

Depois de adotar a pol�tica de obter o melhor rendimento de processos de produ��o e de todo o fluxo de atendimento nas lojas, tem sido poss�vel reduzir ao menor n�vel o impacto da eleva��o de custos fixos, que subiram entre 15% e 20% desde outubro do ano passado.

 

Com os controles financeiro e de qualidade afinados, e a volta gradativa do consumidor �s lojas, a rede refor�a planos de crescimento, em vez de abandon�-los perante o cr�dito mais caro. A despeito da turbul�ncia longa na economia, segundo Priscilla Dourado, est� mantida a decis�o de abrir duas lojas na capital em 2022. “Mesmo na crise, conseguimos reduzir o impacto nos custos e seguimos com as possibilidades de expandir. � bola pra frente, trabalhando dia a dia para encontrar opotunidades”, afirma a s�cia da rede Alessa.

 

Guardadas as propor��es e diferen�as, que n�o s�o poucas, as fam�lias tamb�m procuram sa�das para o or�amento apertado. Preferindo o anonimato, o funcion�rio p�blico V. H. R. S. revela que a fam�lia dele se viu for�ada a mudar h�bitos de consumo, substituindo a compra da carne de boi por cortes mais baratos, como os de frango e lingui�a, embora os reajustes de pre�os n�o venham perdoando nenhuma prote�na. “Tamb�m desapeguei das grandes marcas de produtos do supermercado. Estou comprando produtos de marcas n�o t�o conhecidas por causa do valor menor”, diz.

 

Outro esfor�o visa fazer caber no or�amento as despesas com um autom�vel Fiat Uno de 2013 junto dos gastos com alimenta��o. “N�o penso em vender o carro por enquanto, mas com o atual valor da gasolina penso em deix�-lo o m�ximo poss�vel na garagem, sem uso.”

 

Nas empresas, surgiram tamb�m dificuldades para repassar os aumentos dos custos, num per�odo de infla��o alta combinada � queda de rendimentos e do emprego. O enxugamento das despesas, por sua vez, implica n�o sacrificar os valores e o servi�o prestado ao consumidor, enfatiza Priscilla Dourado.

“N�o se pode deixar que a qualidade seja afetada devido aos custos. O desafio � tamb�m n�o perder a ess�ncia da empresa”, afirma. No conjunto de mediddas adotadas pela rede de sorveterias, foi inclu�da a readapta��o do card�pio com 25 dos 42 sabores que eram oferecidos. Parcela dos insumos da produ��o pr�pria da empresa � importada. 

 

Mais aperto em 2022

 

As fam�lias s�o afetadas por outro efeito nocivo e dram�tico dos juros elevados, que, ao encarecer os investimentos do setor produtivo, frustram a gera��o de empregos, quando o Brasil precisa voltar a crescer e dar alternativa a 13,7 milh�es de desempregados e a outros 17,4 milh�es de pessoas atuando em trabalhos muito prec�rios ou que estariam trabalhando se houvesse vaga para eles.

Como numa ciranda, esse efeito � reflexo de outro prolema grave, fruto da interfer�ncia da crise pol�tica na economia, para o qual Andr� Braz, da FGV, chama a aten��o.

 

� como uma encruzilhada vivida pelo pa�s perante os investidores. Com o aumento dos juros, o BC tenta manter o interesse deles no pa�s, oferecendo melhor remunera��o aos t�tulos p�blicos, mas o governo vem perdendo a capacidade de atrair d�lares com a pol�tica de eleva��o de gastos p�blicos motivados pela campanha j� antecipada � reelei��o em 2022.

“Se os juros sobem, em condi��es normais, a nossa moeda deveria se valorizar (com o ingresso de d�lares no pais), mas existe uma crise de confian�a no governo, que foi agravada pela decis�o do Aux�lio Brasil, voucher (para os caminhoneiros) e por jogar os precat�rios para o alto. � um calote. N�o cabia mais prorroga��o”, diz Andr� Braz.

 

"Existe uma crise de confian�a no governo, que foi agravada pela decis�o do Aux�lio Brasil, voucher (para caminhoneiros) e precat�rios"

Andr� Braz, coordenador dos �ndices de pre�os da Funda��o Getulio Vargas

 

A chamada PEC dos Precat�rios reduz a menos da metade os recursos previstos para pagamento dos dep�sitos judiciais no ano que vem. A Uni�o quer usar os recursos para financiar o Aux�lio Brasil, programa social substituto do Bolsa-Fam�lia, com valor de R$ 400. A medida tem car�ter eleitoreiro para os cr�ticos do governo, que driblou a regra do teto de gastos. A atualiza��o, que era feita com base na infla��o acumulada em 12 meses at� junho do ano anterior, passou para janeiro a dezembro, liberando verba ao governo em ano de elei�l�o

 

Essa crise explica as proje��es nos bancos e corretoras de taxas mais altas de infla��o, juros e c�mbio e redu��o da perspectiva de crescimento do pa�s. O economista Paulo Vieira lembra que a expectativa no mercado financeiro � de que a taxa b�sica de juros atinja 9% anuais ainda em 2021 e 11% no pr�ximo ano. “Anos de elei��o fogem totalmente a qualquer capacidade de previs�o com base na l�gica”, afirma.

 

N�o � de se esperar que em ano de campanha, o governo v� correr atr�s de metas de infla��o, no sentido de ajudar a segurar os pre�os, e nem de organizar as contas p�blicas. No outro prato da balan�a dos juros, quem tem recursos dispon�veis para investir deve ser benef�ciado com um leque de investimentos em renda fixa melhor remunerados, a exemplo dos CDBs e t�tulos p�blicos como LCI e LCA, que acompanham a evolu��o da Selic.


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