
Ex-diretor do Banco Central e estrategista-chefe da Wealth High Governance (WHG), Tony Volpon acompanha a economia brasileira dos Estados Unidos, onde mora e trabalha, e reconhece que a imagem do pa�s l� fora precisar� ser reconstru�da. "A foto � muito ruim, sobretudo na quest�o ambiental", admite. Mas ele acredita que, depois de todos os sacrif�cios feitos nos �ltimos anos, o pa�s tende a dar uma importante virada se o pr�ximo presidente da Rep�blica n�o se render ao populismo nem ao radicalismo.
Para o economista, apesar do quadro polarizado, com o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) liderando as pesquisas, uma terceira via ainda poder� ser vi�vel. Contudo, a grande novidade do momento � a aproxima��o de Lula com o ex-tucano Geraldo Alckmin, que agrada parte dos investidores. Ele garante, que, por enquanto, o mercado n�o est� precificando as elei��es, porque tanto o petista quanto o chefe do Executivo s�o avaliados como iguais. "O mercado n�o tem medo de ningu�m neste momento", frisa.
Volpon n�o acredita que, com as elei��es se aproximando, haja disposi��o do Congresso em aprovar reformas constitucionais, como a administrativa e a tribut�ria. Mas ele v� o quadro fiscal melhorando, saindo de um deficit estrutural de mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2014, para 0,5%. Por isso, avalia que, se o pr�ximo presidente souber administrar essa vantagem, fazendo um bom programa econ�mico, incluindo as reformas, haver� espa�o para o Brasil voltar a crescer.
"As pessoas n�o percebem essa melhora estrutural das contas p�blicas devido ao pessimismo exagerado no pa�s, porque os �ltimos 11 anos foram muito ruins, afinal, o quadro fiscal come�ou a desandar em 2011. Agora, estamos na boca do gol. Quem for o pr�ximo presidente tem que, simplesmente, chutar a bola para dentro", afirma Volpon, que se define como "um radical de centro".
O estrategista da WHG e sua equipe ainda preveem um cen�rio de recess�o para o Brasil, com quedas no PIB neste ano e no pr�ximo de 0,3% e 0,5%, respectivamente, longe, portanto, do observado em 2015 e 2016. Sendo assim, o debate econ�mico na campanha eleitoral, na opini�o dele, precisar� ser focado na recupera��o da economia. "J� pagamos o pre�o. O deficit estrutural est� perto de zero. N�o vamos morrer na praia por desespero", afirma.
Ser� preciso, por�m, ter em mente que o combate � infla��o � uma prioridade de qualquer governo. O economista lembra que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que n�o conseguiu evitar carestia de dois d�gitos, e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que est� convivendo com a maior infla��o desde 1982, de 7,5% ao ano, perceberam isso. "Biden tem enfrentado v�rios problemas. Ele descobriu aquilo que Dilma descobriu e Bolsonaro, agora, talvez esteja come�ando a descobrir, que � o seguinte: infla��o n�o ganha voto", resume. A seguir os principais trechos da entrevista de Volpon ao Correio.
Estamos em mais um ano de elei��o. Como os investidores est�o vendo o Brasil? D� para ter confian�a no pa�s?
Para o investidor internacional, dado um cen�rio global de juros mais altos e infla��o mais elevada, em que o ajuste de juros nos Estados Unidos deve ser relativamente gradual, �, at� certo ponto, surpreendente que esse quadro esteja ajudando os mercados brasileiros - a Bolsa est� em alta e o d�lar, em baixa. Neste momento, o investidor est� procurando um tipo de empresa que � mais representado na nossa Bolsa. S�o companhias cujas a��es est�o sendo transacionadas a pre�os relativamente baixos, n�o s�o caras frente ao lucro que t�m. N�o t�m uma taxa de crescimento muito acelerada, mas t�m boa rentabilidade, diferentemente, por exemplo, da Bolsa norte-americana, onde h� muitas empresas que n�o pagam dividendos, t�m um crescimento de lucro acelerado e s�o associadas, por exemplo, ao setor de tecnologia. O mercado, hoje, em fun��o da mudan�a de postura do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano), tem procurado empresas mais do setor de commodities e do setor banc�rio. E o Brasil tem boas companhias nesses setores. Por isso, em janeiro, o pa�s teve uma entrada recorde de investimento na Bovespa de mais de R$ 34 bilh�es, um recorde para o m�s. Tivemos, com isso, uma coisa relativamente rara: a Bolsa brasileira subiu no m�s de janeiro e a norte-americana caiu. Normalmente, a nossa Bolsa segue a norte-americana.
Esse movimento � consistente?
Esse movimento, talvez, n�o seja pontual, porque vamos estar em um processo de alta de juros nos Estados Unidos com infla��o muito alta, de 7,5% ao ano, que � um patamar extremamente alto para a economia norte-americana. � a maior em 40 anos. Ent�o, a chave desse racioc�nio � a velocidade do aumento de juros do Fed. O mercado, hoje, ainda acredita em um processo muito gradual, e isso � bom para o Brasil. O risco � o Fed acelerar muito o aumento de juros. A aposta ainda � de um ajuste para 2,5% ao ano at� 2023. Se isso se confirmar, n�o diria que � um cen�rio perigoso para o Brasil. Mas se 2,5% virar 4%, a�, complica. Por incr�vel que pare�a, essa mudan�a de postura do Fed, de querer subir mais os juros, em um primeiro momento, ajudou o mercado brasileiro. Confesso que n�o tinha isso no meu cen�rio. Isso d� um vento favor�vel para a nossa economia. Vamos dizer, o vetor externo favor�vel no primeiro momento.
Isso acabou derrubando o d�lar, o que � bom para a infla��o.
Quando os recursos estrangeiros entram no Brasil, o real se valoriza, com o d�lar ficando entre R$ 5,20, R$ 5,25, podendo at� baixar mais. Isso acaba ajudando na quest�o da infla��o e tem aqueles efeitos secund�rios positivos, permitindo ao Banco Central, em algum momento, cortar os juros mais rapidamente. O BC ainda est� muito preocupado com a infla��o, e a �ltima decis�o do Comit� de Pol�tica Monet�ria (Copom) veio com um discurso mais duro na ata (na ter�a-feira passada) do que o esperado, fazendo o mercado aumentar as previs�es de juros, mais uma vez. A mediana estava em 11,75% e, agora, deve ir para 12,25%. Talvez outro processo, espero eu, que pode dar um segundo vento, agora mais dom�stico, � a infla��o come�ar a ceder com os juros mais altos. A� o mercado come�a a precificar um corte de juros mais r�pido, pelo menos, essa � a minha expectativa, que pode ajudar a economia. Mas n�o � algo que esteja precificado no mercado, neste momento.
Quais s�o as suas expectativas para a infla��o?
Nossos economistas ainda est�o trabalhando com IPCA de 5% em 2022. Mas acho que tem risco para baixo. No segundo semestre, podemos ter um processo de queda da infla��o muito mais r�pido do que o mercado est� esperando neste momento.
Por qu�?
Em parte, por causa do c�mbio. O mercado ainda n�o est� contabilizando essa queda do d�lar como sendo algo permanente, porque se queimou muitas vezes. Lembrem que, no ano passado, o d�lar chegou perto de R$ 5 e at� ficou abaixo. Mas disparou (com as pol�micas do presidente Jair Bolsonaro) no Sete de Setembro, (de amea�as � democracia), e em outros eventos, como a quest�o do teto de gastos em outubro (com a PEC dos Precat�rios, que acabou com a credibilidade do �nico marco fiscal vigente), e voltou para o patamar de R$ 5,60 e R$ 5,70. O mercado est� um pouco mais cuidadoso. Sabe aquela coisa: errei uma vez, a culpa � sua; errei duas vezes, a culpa � minha. O mercado est� um pouco c�tico e n�o quer precificar essa valoriza��o do real nas suas proje��es. A maioria ainda est� com proje��o para o d�lar entre R$ 5,50 e R$ 5,60.
Mas agora, de qualquer forma, estamos em um ano eleitoral. Esse movimento mais positivo do mercado j� est� precificando as elei��es ou ainda n�o?
O quadro eleitoral hoje tem duas candidaturas competitivas. E ainda n�o h� uma terceira via que parece ser vi�vel neste momento, mas isso pode mudar. O mercado est� vendo qualquer um desses dois resultados relativamente como iguais. E n�o mostra, neste momento, uma grande prefer�ncia ou um grande medo tamb�m. Voc� pode ver por dois �ngulos: n�o tem medo de nenhuma dessas duas candidaturas e parece n�o ter uma enorme prefer�ncia. Por isso, n�o parece ser algo que esteja fazendo pre�o. N�o d� para ficar apostando muito no resultado nove meses antes do pleito. E, tamb�m, n�o d� para saber a eventual pol�tica econ�mica. Na medida em que o ano for caminhando, o mercado vai come�ar a fazer mais pre�o, come�a a ficar mais tang�vel. Ao que me parece, frente � lideran�a e ao favoritismo, pelo menos do Lula, isso n�o est� fazendo muito pre�o negativamente, o que seria talvez alguma coisa que muitos esperariam.
Sabe-se, hoje, o que � Bolsonaro no governo e o que � a pol�tica econ�mica de Paulo Guedes. H� algum medo em rela��o a Lula do mercado?
Eu n�o vejo. � o que eu estou dizendo. O mercado n�o est� mostrando grande prefer�ncia. O que parece estar fazendo pre�o, neste momento, s�o mais fatores externos, como a quest�o do Fed e essa entrada de dinheiro nos nossos mercados. Agora, o mercado n�o gosta muito dessas PECs dos Combust�veis (h� uma na C�mara e outra no Senado).
Como n�o gostava tamb�m da PEC dos Precat�rios...
Exatamente. O mercado v� isso (as PECs) como algo que tem um custo fiscal muito alto. N�o acredita que o suposto excesso de arrecada��o (alardeado por Guedes) seja permanente. De fato, a foto fiscal atual � muito boa (devido ao superavit prim�rio nas contas do setor p�blico consolidado em 2021), mas o mercado n�o acredita que isso � para sempre. Ent�o, n�o � para ficar gastando dinheiro, porque, naturalmente, a previs�o do mercado � de que os deficits (das contas p�blicas) voltar�o a se manifestar. Tem um discurso de que h� um excesso de arrecada��o. Tem alguns falando isso para gastar. O mercado acredita que n�o, que � algo pontual e n�o estrutural. Mas, apesar de o mercado n�o gostar das PECs dos Combust�veis, o d�lar continua caindo. Se o fator externo positivo n�o existisse, como no fim do ano passado, com qualquer not�cia fiscal negativa, o d�lar dispararia.
Se olharmos para a geopol�tica, com tens�es globais por conta da crise entre R�ssia e Ucr�nia, isso n�o preocupa o mercado?
Isso ainda n�o est� fazendo pre�o. Obviamente, o mercado est� monitorando a quest�o da Ucr�nia, mas n�o � isso que est� precificando o mercado. � importante entender que esse quadro pode mudar radicalmente de um momento para outro. Se houver, de fato, uma invas�o da Ucr�nia, vai fazer pre�o. Mas, neste momento, n�o. Not�cias fiscais n�o muito animadoras, frente a uma quest�o geopol�tica tamb�m potencialmente complicada, podem mudar tudo. Agora, o Brasil n�o foi o �nico pa�s que se beneficiou dos ventos favor�veis provocados pelo Banco Central dos Estados Unidos. Bolsas de v�rios pa�ses da Am�rica Latina tamb�m subiram no m�s de janeiro: Peru, Chile, Col�mbia... Empresas do setor de commodities, que estavam operando com pre�os relativamente baixos, est�o baratas, pagam dividendos, e o investidor est� procurando esse pagamento de dividendos. O setor banc�rio tamb�m est� operando muito barato. De novo, foi bom para o Brasil, mas n�o foi uma hist�ria explicitamente brasileira, porque afetou outros pa�ses tamb�m. Vale lembrar que 65% da Bovespa se encaixam nesse grupo de a��es que, agora, entraram na moda e no gosto do investidor global.
Esse tipo de investidor, no entanto, � arisco, e pode sair do Brasil a qualquer momento.
De fato, ele est� ciente de que a economia brasileira ter� um crescimento muito baixo, que a infla��o est� alta, os juros subiram. O investidor n�o est� ignorando isso, est� diferenciando a foto do filme. A foto talvez seja negativa. O ano de 2022 pode ser recessivo, de infla��o firme e de juros indo para cima de 12%. Essa foto � ruim. Mas, quando o investidor olha para frente e v� que, provavelmente, a infla��o deve cair e que, em algum momento, os juros v�o baixar, tem essa entrada de capital que pode ser positiva. A elei��o talvez n�o esteja fazendo pre�o, podendo ser bom ou ruim, mas n�o sendo impeditiva de se fazer investimento. Quando o investidor olha para esse conjunto, h� uma percep��o de que parece que vai melhorar.
Por qu�?
No Brasil, fazendo um contraponto com os Estados Unidos e, tamb�m, com a Europa, o pa�s est� no fim do ciclo de aperto monet�rio. E se o juro vai acabar em 12% ou 13%, eu n�o sei. � aquele ajuste fino de final de ciclo, que � muito dif�cil prever. Mas, de qualquer maneira, ningu�m est� prevendo que o Banco Central continue subindo os juros at� o fim do ano. Vai demorar uma reuni�o a mais ou duas do Copom. Mas estamos no fim. E a infla��o vai cair por causa desses juros altos. J� os Estados Unidos est�o no come�o desse processo. Por l�, a infla��o est� muito alta e a economia est� crescendo 5%, mas vai crescer menos. Aqui, deve crescer perto de zero este ano, salvo engano. Ningu�m, neste momento, est� prevendo uma recess�o profunda como a de 2015-2016. Vai ser, no m�ximo, uma recess�o leve, e a� volta a ter algum crescimento econ�mico, at� em fun��o de uma eventual queda dos juros e da infla��o. � como se n�s estiv�ssemos no pior momento, mas isso implica que, batendo no fundo, deve ter uma melhora. Os ativos brasileiros est�o mais baratos quando olhamos para a Bolsa e para o c�mbio. � um filme que est� melhorando. A foto est� feia, mas o filme tende a melhorar com o mercado barato. O mercado norte-americano � quase um espelho. � um filme que tende a piorar com o in�cio do aperto monet�rio, com o mercado extremamente caro. A�, o investidor global olha para isso. � verdade que ele acabou carregando o mercado dos EUA para cima e empurrando o mercado brasileiro e outros emergentes para baixo. Agora, o gringo est� aqui falando que foi demais e faz um movimento ao contr�rio: o mercado norte-americano vai ficar um pouco mais barato e o mercado brasileiro vai ficar um pouco mais caro, e vai ter um pouco mais de fluxo.
Quando, efetivamente, as elei��es v�o entrar no radar dos investidores?
Primeiro, acho que tem que definir as candidaturas. Obviamente, a grande novidade tem sido uma articula��o de uma poss�vel candidatura de Geraldo Alckmin como vice de Lula. � uma surpresa, ningu�m estava pensando nisso como possibilidade, at� que surgiu como novidade. Mas ainda n�o foi confirmada, o primeiro passo � confirmar. A partir dessas confirma��es, o mercado come�a a precificar mais a elei��o. Eu n�o acredito que a elei��o esteja fazendo pre�o, nem para um lado, nem para outro.
Na vis�o dos investidores, h� chances de uma terceira via vigorar?
Chance sempre tem. Mas, at� agora, olhando para as pesquisas, nenhuma se destacou.
Para os investidores, � melhor uma terceira via ou tanto faz?
N�o quero personalizar, fulanizar. O que o mercado gostaria de ver � estabilidade. Temos passado, at� em fun��o da pandemia, por um per�odo de muitas mudan�as, de muita volatilidade na economia e na pol�tica. Ent�o, o que se quer � mais estabilidade, um processo mais ordenado e pol�ticas conduzidas para o crescimento econ�mico. Se existe uma agenda comum que deveria unir todos n�s � a de que, sem crescimento econ�mico, ningu�m vai para frente.
Sem crescimento econ�mico n�o tem inclus�o social...
E, tamb�m, n�o tem lucro para o empres�rio. Ningu�m ganha. Estamos naquele jogo do perde-perde. O que todos queremos � um jogo ganha-ganha. Acho que podemos discutir v�rios pontos de pol�tica econ�mica, ter v�rios debates, mas j� est� comprovado que voltamos, talvez, a pensar que tem algum consenso ao redor da ideia de que tem que ter uma certa estabilidade fiscal, tem que ter uma regra fiscal, uma �ncora fiscal. N�o tem que ser o teto de gastos de 2016, mas tamb�m n�o pode ser nada. S� porque voc� n�o gosta do teto de gastos, e eu j� fiz v�rias cr�ticas desde a aprova��o da regra, n�o implica que, agora, n�o deve haver nenhuma regra. Quem ganhar as elei��es tem todo direito de mudar a regra via caminho legislativo normal, j� que o teto est� na Constitui��o. No Brasil, a Constitui��o tem mudado bastante, como a gente tem visto, mas acho que tem algumas coisas consensuais. Infla��o baixa � bom, ningu�m est� gostando de infla��o de 10%. Alguma regra fiscal � bom, tem que ter uma certa �ncora. O mercado financeiro e o empresariado querem ver uma certa converg�ncia ao redor dessas pautas m�nimas. � muito dif�cil argumentar contra elas. Tem gente que argumenta, obviamente. E quando o mercado olha, hoje, para o leque de candidatos com m�nima viabilidade, v� que tem um certo consenso ao redor disso, pelo menos. Por isso, acho que o mercado n�o est� mostrando muito favoritismo a qualquer candidatura e n�o est� fazendo muito pre�o.
Mas o mercado n�o tem medo de Lula?
O mercado n�o tem medo de ningu�m neste momento.
Independentemente do resultado das elei��es, em 2023, vamos ter um pa�s muito dividido, dada a polariza��o que vemos hoje. O senhor est� vendo isso nos EUA ap�s a disputa entre Biden e Trump, que deixou o pa�s rachado. At� que ponto essa divis�o est� atrapalhando por l� e que problemas podem se repetir no Brasil?
Nos Estados Unidos � um pouco diferente, porque tem um sistema bipartid�rio, basicamente. L�, a divis�o � um pouco 50% e 50% mesmo. O Brasil tem um sistema pol�tico com excesso de partidos. Biden tem enfrentado v�rios problemas. Ele descobriu aquilo que Dilma descobriu e que Bolsonaro talvez esteja, agora, come�ando a descobrir, que � o seguinte: infla��o n�o ganha voto. Se olharmos para Biden, ele tem uma economia crescendo 5%, mercado de trabalho em pleno emprego, s� que a infla��o est� acima de 7,5% ao ano e ele est� perdendo popularidade a cada pesquisa que � divulgada. E � muito prov�vel, pelo menos neste momento, que os democratas v�o perder tanto o controle da C�mara quanto do Senado.
A infla��o cobra seu pre�o?
Infla��o n�o d� voto. A classe pol�tica teima a aprender que medidas que podem at� aumentar o gasto temporariamente, mas que acabam gerando um impacto inflacion�rio negativo, s�o ruins para, vamos dizer, o resultado pol�tico que eles querem. Aquela coisa do teto de gastos: eles mudaram o limite para aumentar o n�vel de gastos (com a PEC dos Precat�rios). O d�lar foi l� para cima, a expectativa de infla��o e a infla��o subiram, o Banco Central vai ter que aumentar os juros ainda mais. � muito dif�cil, a meu ver, argumentar que tudo isso vai resultar em um saldo pol�tico positivo. A experi�ncia hist�rica e, agora, at� comparando pa�ses e falando um pouco do Biden, mostram isso: infla��o n�o d� voto. Se voc� quer ser um pol�tico popular e ser reeleito, controle a infla��o.
O atual Congresso est� mais ajudando ou mais atrapalhando?
Acho que a pauta legislativa � diferente de uma pauta do Executivo. Quando se tem gastos vindo do Congresso, normalmente, s�o direcionados a uma base pol�tica, que pode ser, muitas vezes, regional. E quando o eleitor v� um gasto na sua cidade, na sua regi�o, ele gosta e tende a associar esse gasto como sendo algo positivo ao deputado que trouxe o recurso. Mas, se esse mesmo gasto, quando generalizado, acaba tendo um impacto macroecon�mico negativo, isso � associado ao presidente. Aquele mesmo eleitor gosta daquele gasto, mas a infla��o est� em 10% e, vamos dizer, teve o impacto negativo, o presidente perde popularidade. O que muitas vezes n�o se entende � que n�o h� um alinhamento autom�tico de interesses entre essas duas pautas. Tem que ter um agente intermedi�rio, que pode ser o pr�prio presidente, pode ser o ministro da Economia, enfim, tem que ter algu�m olhando para essas duas dimens�es da quest�o e trazer um certo equil�brio entre elas. Obviamente, ter gasto na base � importante, e � at� justific�vel. Tem que ter hospital, ponte, mas tem que ser um gasto que n�o gere um efeito negativo macroecon�mico que ser� debitado na conta do Executivo e do presidente. O eleitor olha e fala: se tem desemprego, baixo crescimento e infla��o, a culpa � do presidente. O contr�rio tamb�m � verdade. Se tem baixa infla��o, crescimento e muito emprego, o m�rito � do presidente. E, quando ele olha para a cidade dele, � prefeito e deputado fazendo obra...
Por isso, gasto p�blico tem que ser de qualidade...
Tem que ser de qualidade, tem que ser do tamanho que n�o bagunce a macroeconomia. E, obviamente, isso muda. Tem per�odo em que se pode gastar mais e tem per�odo em que se tem que gastar menos. Por exemplo, olhando os �ltimos 20 anos, durante o boom de commodities entre 2003 e 2010, foi um per�odo em que se teve muito crescimento, muita receita e dava para gastar muito. O problema na passagem para o governo Dilma foi que se acreditava que aquele crescimento econ�mico e de receita eram permanentes. O que se descobriu no primeiro mandato da Dilma, come�ando em 2011, um aprendizado duro e lento, foi que aquele crescimento de 4,5% na receita tribut�ria n�o era permanente. Houve uma mudan�a de regime, a receita caiu, mas o n�vel de Or�amento ficou engessado ao redor daquilo que era supostamente permanente. E muito da hist�ria entre o primeiro mandato da Dilma at� hoje foi de encolher - come�ando por Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda), passando pelo teto de gastos - o Or�amento para caber dentro do crescimento econ�mico. A boa not�cia � que houve esse encolhimento. O deficit estrutural passou de 4,5% do PIB, em 2014, e, hoje, algumas estimativas apontam para 0,5% do PIB. Ent�o, estamos muito perto de ter o equil�brio fiscal. Foi feito um ajuste nos �ltimos anos, a duras penas.
Mas esse ajuste foi feito por meio dos investimentos e n�o estrutural do ponto de vista de outros gastos obrigat�rios...
Tudo bem, voc� pode questionar a qualidade, mas o crescimento do gasto teve ajuste. O congelamento dos sal�rios dos servidores por dois anos durante a pandemia foi positivo, porque mudou a base, que ficou menor. Mas, obviamente, se partir de agora, se forem repor tudo, a� o bolo cresce e vai ser uma decis�o futura que dever� ser respondida pelo pr�ximo presidente. Se, a partir de agora, for simplesmente expandir o bolo, ser� negativo, porque esse deficit estrutural, que est� em 0,5%, volta a ser de 1%, 2%... O que deve ser feito � tornar esse ajuste mais estrutural, com uma reforma administrativa, e n�o um mero congelamento de sal�rios. E, do outro lado, (� preciso) algum tipo de ajuste na quest�o tribut�ria, que pode ser, num primeiro momento e temporariamente, um aumento de impostos, obviamente, distribuindo esse tipo de carga sobre quem pode pagar mais. N�o � aumentar a carga tribut�ria em cima do pobre. � o cara do andar de cima que pode pagar mais. Mas tem que fazer uma reforma do gasto para zerar o deficit estrutural, de forma sustent�vel. Temos a oportunidade de tornar esse ajuste estrutural. � uma escolha. N�o estamos fadados a explodir de novo.
Como assim?
Podemos jogar seis anos de sacrif�cio por meio de um conjunto de m�s decis�es ou podemos consolidar esse ajuste fazendo escolhas dif�ceis, ajudando do lado da receita e do lado do gasto, trabalhando os dois de tal maneira a tornar a percep��o disso permanente. A�, vamos colher benef�cios em termos de queda na taxa de juros, uma melhor qualidade das despesas, fazer mais investimentos, e, por a�, ter crescimento econ�mico. Sem crescimento econ�mico n�o h� solu��o para nada, volta o jogo perde-perde. No primeiro ano do governo Lula, foi poss�vel fazer ajuste fiscal e, tamb�m, gastou-se mais dinheiro, porque foi um per�odo de fartura que acabou n�o sendo permanente. Sei que muita gente critica a Dilma, eu tamb�m critiquei. Mas ela realmente enfrentou a queda estrutural daquela taxa de crescimento e muitas raz�es internas e externas que geraram o buraco fiscal. A hist�ria do ajuste fiscal come�ou com ela e Joaquim Levy. Eu n�o compro a narrativa de que foi tudo o teto de gastos. O Levy teve uma contribui��o, o Nelson Barbosa (que assumiu depois), tamb�m. Desde l� at� hoje, houve um processo, com idas e vindas, de fechar esse deficit que estava em 4,5% do PIB para 0,5%. As pessoas n�o percebem isso, com o pessimismo exagerado no pa�s, porque os �ltimos 11 anos foram muito ruins, porque o quadro come�ou a desandar em 2011. Agora, estamos na boca do gol. Quem for o pr�ximo presidente tem que simplesmente chutar a bola para dentro.
Mas � poss�vel crescer com o desarranjo fiscal contratado com PEC dos Precat�rios e PEC dos Combust�veis, se for aprovada, al�m das press�es do funcionalismo por reajuste?
� preciso fazer a reforma tribut�ria e uma reforma administrativa. Casa uma com a outra para ter algum aumento de receita. O funcionalismo vai ter que ter aumento, mas tem uma quest�o demogr�fica no funcionalismo. Tem muita gente se aposentando que entrou durante a expans�o do servi�o p�blico com a Constitui��o de 1988. Agora, n�o se tem de repor tanta gente. Podemos ter um funcionalismo menor, mas mais produtivo, trabalhando com novas tecnologias e com mais incentivo, com ganhos de efici�ncia, que acaba custando menos. Quando se olha para a massa que � gasta com funcionalismo em rela��o ao PIB, � poss�vel fazer uma reforma administrativa repondo as vagas dos aposentados em uma nova estrutura. N�o � gastar menos com o funcionalismo, mas aumentar a produtividade do servi�o p�blico brasileiro. Se fizer isso e uma reforma tribut�ria, voc� d� o chute final para o gol.
Mas que reforma tribut�ria o senhor acha que precisa ser feita?
Acho que o caminho � uma fus�o das duas propostas que est�o no Congresso, a da C�mara e a do Senado, bem pensada. Elas j� est�o l�. E n�o d� para fazer uma reforma tribut�ria na porrada. Tem que ser estudado, debatido e trazer todos os agentes relevantes.
A vota��o da reforma do Imposto de Renda do ministro Paulo Guedes, por exemplo, foi atropelada na C�mara...
Foi uma coisa meio maluca. Quando todo mundo atropela, � uma m... Tem que fazer uma reforma bem pensada. Se funde as duas propostas do Congresso e fecha o deficit estrutural, o pa�s pode voltar a crescer, os juros v�o cair.
Quais as suas previs�es para o PIB deste ano e de 2023?
Nossos economistas, hoje, n�o est�o precificando nada disso mais positivo que eu estou falando, porque � tudo especulativo. N�o sei se haver� essa reforma administrativa. N�o sei se haver� reforma tribut�ria. N�o sei quem vai ganhar a elei��o. A �nica coisa que a gente est� precificando � o efeito desse aumento de juros. Ent�o, a gente tem, de fato, a economia caindo 0,5% em 2023, depois de recuar 0,3% neste ano. N�o estamos precificando reformas, nem elei��es. � como no piloto autom�tico com Selic indo para 12%.
Por que tem tanta decep��o com Bolsonaro?
Eu prefiro n�o responder.
Neste ano, tem espa�o para alguma reforma?
N�o.
E as PECs dos Combust�veis, o senhor acha que podem avan�ar?
Parece que algo vai sair. Tem gente no Congresso e no Executivo trabalhando para isso.
Qual � o maior desafio do pr�ximo presidente?
Consolidar os ganhos e sacrif�cios que j� foram feitos e se beneficiar. Podemos ter a fase positiva do sacrif�cio. Sabe aquela coisa do regime? Eu sofro, perdi peso e agora vou ter mais sa�de. O pa�s j� fez muito regime. � preciso ter consci�ncia que isso j� foi feito e n�o demora muito. De novo, a bola est� na frente do gol, Mas tem que ter um esfor�o final, sen�o a gente morre na praia. Foram 10 anos muito sacrificados. Se fizer besteira, joga tudo fora. O debate econ�mico deveria se nortear por isso. Estamos l�. E olhando para o leque de candidaturas, qualquer candidato que tenha essa no��o, desde que fa�a isso, podemos ter um bom per�odo. Mas tem que ter alguma regra fiscal, se � regra A, B ou C, isso � menos importante, desde que tenha uma regra fiscal cr�vel. Ficar argumentando muito que n�o pode mudar a regra do teto e tem que manter at� a morte, eu sempre fui contra isso. Pode mudar a regra, desde que seja outra que tenha um bom racioc�nio. H� v�rios economistas falando sobre um gasto inicial em 2023. N�o � o fim do mundo. N�o tem nenhum problema, desde que haja uma regra que mantenha o controle dos gastos e da d�vida p�blica. N�o ser� o fim do mundo, mas os juros devem demorar para cair. Ou pode ter uma outra proposta de n�o aumentar o gasto extra e apostar na queda dos juros. A�, voc� est� apostando mais na pol�tica monet�ria do que na fiscal. � outro approach. Honestamente, sou um pouco indiferente. Vai depender muito do momento e da credibilidade da comunica��o. Mas, desde que se tenha a consolida��o fiscal e a prioriza��o de reformas, o grande sacrif�cio que j� foi feito nos levar� a algo mais perene e sustent�vel.
O Brasil est� com uma imagem muito ruim l� fora. Vai mudar?
Depende de n�s.